GIL VICENTE 06. AUTO DOS QUATRO TEMPOS (1507)

o verão

Resumo:

Entram um Arcanjo, dois Anjos e um Serafim. Proclamam o nascimento de Cristo e diante do presépio cantam um hino de adoração. A seguir vêm os Quatro Tempos, figuras alegóricas que representam as quatro estações. No Portugal de 1500 verão significava primavera. E estio era o nome que davam para o que chamamos verão. Falam de suas peculiaridades. Surge Júpiter que declara o fim do paganismo e conclama os deuses pagãos, os quatro Tempos, a adorarem o menino. Vão-se todos ao presépio. Júpiter cita diversos deuses como adoradores de Cristo, incluindo aí alegorias de montanhas e rios. O Inverno, a Primavera e o Verão fazem seu discurso diante do menino. Ao final surge David, como pastor, e canta um longo hino em que há citações dos salmos. Todos juntos entoam um Te Deum.

GV013. Serafim, Anjos e Arcanjo

Á tí, dino de adorar,
Á tí, nuestro Dios, loamos,
Á tí, señor, confesamos
Sanctus, sanctus, sin cesar.
Inmenso Padre eternal,
Omnis terra honra á tí,
Tibi omnes angeli,
Y el coro celestial,
Pues que es dino de adorar
Querubines te cantamos,
Arcángeles te bradamos,
Sanctus, sanctus, sin cesar.

(cantam Geovani Dallagrana, Gerson Marchiori, Graciano Santos)

GV014. Inverno

Mal haya quien los envuelve,
Los mis amores;
Mal haya quien los envuelve.

Los mis amores primeros
En Sevilla quedan presos
Los mis amores;
Mal haya quien los envuelve.

En Sevilla quedan presos
Por cordon de mis cabellos
Los mis amores;
Mal haya quien los envuelve.

En Sevilla quedan ambos
Los mis amores;
Mal haya quien los envuelve.
En Sevilla quedan ambos,
Sobre ellos armaban bandos
Los mis amores;
Mal haya quien los envuelve.

(canta Graciano Santos)

GV015. Verão

En la huerta nace la rosa;
Quiérome ir allá,
Por mirar al ruiseñor
Como cantará.

Por las riberas del rio
Limones coge la virgo:
Quiérome ir allá,
Por mirar al ruiseñor
Como cantará.

Limones coge la virgo
Para dar al su amigo.
Quiérome ir allá
Para ver al ruiseñor
Como cantará.

Para dar al su amigo
En un sombrero de sirgo.
Quiérome ir allá
Por mirar al ruiseñor
Como cantará.

(canta Geovani Dallagrana)

GV016. Todos

Ay de la noble Villa de Paris.

(canta Jorge Teles)

GV017. David, pastor

Levavi oculos meos
En los montes onde espero
Aquella ayuda que quiero
Con ahincados deseos.
Y la ayuda que demando
Repastando
En cima daquesta sierra
Qui fecit coelum y tierra,
De cuyo ganado ando
Careando.

Ecce non dormitabit,
Ni jamas el ojo pega
Aquel que guarda y navega:
Israel, qui visitabit
Dominus custodit te
.
Á la fe,
No temas cosa ninguna;
De noche que haga luna,
Ni de dia el sol que dé,
Non uret te.

Domine benedixisti
Terram tuam
, y el ganado,
Y á Jacob descarriado
Captivitatem advertisti:
Al pueblo lleno de males
Desiguales
Remisisti iniquitatem:
Que te adoren y te acaten
Los concejos y jarales,
Y animales.

Nuestra roña amara, triste
De los pueblos apartaste;
Iram tuam mitigasti,
Et furorem advertisti.

Per ventura te pergunto,
Si barrunto,
In oeternum irasceris?
No creo, segun quien eres,
Que hagas al pueblo junto
Ser defunto.

Bendecid, todalas horas
Del Señor, al Señor Dios;
Bendecid, ángeles vos,
Bendecid, cielos, mil sobras;
Benedicite, aquae omnes,
Y dracones.
Benedicite sol y luna,
Tempestates y fortuna;
Bendecid á Dios, barones,
Con canciones.

(canta John Théo)

 

Comentário:

Mais um auto de natal de Gil Vicente. A mitologia greco-romana que invadiu a arte européia durante o Renascimento, faz-se presente aqui, mesclada com as alegorias medievais, no caso, as quatro estações do ano. As canções iniciais são inseridas nas falas dos personagens. Quando Júpiter e os quatro Tempos vão até o presépio, entoam uma melodia francesa que nada tem a ver com o tema ou a situação da peça. Esta canção está presente no Cancioneiro de Barbieri, com trechos ilegíveis. Fico imaginando que provavelmente o “palco” estaria longe do local onde se situava o presépio; os atores iriam cantando e toda a assistência, nobres e séquito, seguiria atrás, como num bloco carnavalesco. Nesse caso, a canção se justificaria, por ser alegre e simples. Por outro lado, a canção de Davi é provavelmente a primeira manifestação de Gil Vicente como compositor, feita especialmente para a peça. Faz citações dos salmos, em latim, algumas incorretas, bem como de outros hinos católicos, como o cântico Benedicamus.

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GIL VICENTE 05. FARSA DE “QUEM TEM FARELOS” (1505)

aires rosado

Resumo:

    Ordonho e Aparício, dois criados, se encontram na rua. Um deles trabalha para um escudeiro, Aires Rosado, sem dinheiro mas metido a galante. O escudeiro faz uma serenata à namorada. Cães, gatos e galos fazem barulho. A mãe da moça, a Velha, entra fazendo uma longa imprecação, maldizendo quem a faz levantar-se no meio da noite. Vai-se o Escudeiro cantando. A Velha fica ralhando com a filha, Isabel. Quer que a filha trabalhe mas esta só quer saber de se enfeitar. Saem.

GV009. Aires Rosado
Si dormís, doncella,
Despertad y abrid,
Que venida es la hora
Si quereis partir.
Si estais descalza,
No cureis de vos calzar,
Que muchas agoas
Teneis de pasar,
agoas dAlquebir;
Que venida es la hora
Si quereis partir.

(canta Rubem Ferreira Jr.)

GV010. Aires Rosado
Cantan los gallos,
Yo no me duermo,
Ni tengo sueño.
(canta Gerson Marchiori)

.…Aires Rosado
Por mayo, era por mayo.
(canção com esse refrão estará na peça 38.romagem dos agravados, GV131)

GV011. Aires Rosado
Apartar-me-hão de vós,
Garrido amor.
Eu amei uma senhora
De todo o meu coração:
Quis Deos e minha ventura
Que não m’a querem dar, não.
Garrido amor.
Não me vos querem dare;
Irme hei a tierras agenas,
a chorar meu pesare.
Garrido amor.
(canta Jaqueson Magrani)

GV012. Aires Rosado
Já vedes minha partida.
Os meus olhos ja se vão;
Se se parte minha vida,
Ca me fica o coração.
(canta João Batista Carneiro)

Comentário:

    Enfim, uma obra em língua portuguesa. É também a primeira peça profana de Gil Vicente.  Apenas um escudeiro fala espanhol. Uma comédia simples, com tipos sociais definidos, situações engraçadas e canções populares, algumas ainda em castelhano, uma delas bilingue. Este fato retrata a população de Portugal na época. A nobreza dos dois países da península ibérica fazia casamentos entre si e, nesse vai e vem, a criadagem de um país passava para o outro. Na compilação é indicado que o nome: “Quem tem farelos?” pôs-lhe o vulgo. Pode-se concluir daí que as peças de Gil Vicente eram também assistidas pelo povo. É muito provável que, se foram apresentadas, foram só aquelas faladas em português e, com toda a certeza, somente aquelas menos ferinas.

 

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GIL VICENTE 04. AUTO DE SÃO MARTINHO (1504)

o pobre

Resumo:

É a procissão de Corpus Christi. Um pobre está a pedir dinheiro para comer. Invoca a morte, pedindo que ela deixe em paz as meninas, as donzelas, e leve a ele. São Martinho, a cavalo, se aproxima com três pagens. O pobre lhe pede esmola. Como o santo não tem dinheiro, divide sua capa com a espada e dá ao pobre uma metade: “roga por mim, pois tua alma será recebida em glória”.

GV008. Pobre (fala)

Dejadme pasar por esta carrera,
Ire á buscar un pan que sostenga
Mi cuerpo doliente, hasta que venga
La muerte que quiero por mi compañera.
Ó mundo que ruedas, á qué me has traido!

(fala: Jorge Teles)

Comentário:

Em síntese, esta peça mostra uma tradição centenária do cristianismo: a de que a pobreza e o sofrimento têm como galardão o paraíso. E a caridade para com os pobres santifica. É uma cena curta, feita para ser inserida em um trecho da procissão. O autor comenta ao final que o pedido para a criação da obra veio muito tarde. Mas a fala do pobre, em decassílabos, é tremendamente dramática.

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