GIL VICENTE 39. AMADIS DE GAULA (1533)

amadis de gaula

Resumo:

Amadis e seus três irmãos conversam sobre a vida de aventuras, para adquirir-se a glória. Amadis fala que não combate pela glória mas porque serve a Oriana, “formosura soberana”. Os irmãos se separam, em busca de grandes proezas. Entra o rei Lisuarte, da Inglaterra, com a corte. Um arauto anuncia que sete reis inimigos estão se preparando para atacá-lo. Surge o nome do donzel do mar, o cavaleiro perfeito, Amadis de Gaula, para combater em sua defesa. Oriana, a filha do rei, se afasta com sua dama e pede que o arauto entregue a Amadis uma carta, marcando uma entrevista. Amadis e Oriana tem um encontro, onde ele jura eterno amor e serviço a sua dama. Quando Amadis está longe, realizando suas façanhas, defendendo uma princesa ultrajada, vem um anão, seu criado, e fala a Oriana que o herói está servindo a outra dama. Oriana, indecisa a princípio, acredita e manda outra carta a Amadis, rompendo sua relação. Em desespero por ter sido considerado infiel, Amadis esconde-se na Penha Pobre e vive como ermitão. Don Dorin, que estava presente quando Amadis se desfez das armas e vestiu a túnica de ermitão, fala a Oriana sobre a fidelidade do herói. Oriana pede que Dinamarca, donzela de sua corte, vá até Amadis e o peça para voltar. Com o mal-entendido esclarecido, Amadis anuncia sua volta à Oriana.

GV132. Amadis (fala) – Sinfonia Amadis.

1º. Movimento: Triste, “ma non troppo”:

Oh mis angústias mayores!
Que entre dolor y dolor
Me nacen outros dolores.

2º. Movimento: Mais triste, “ma molto meno di più”:

Porque el mundo en que me daño
Nunca fue para mi mundo
Sino una mar de engaño.

3º. Movimento: Quase em fuga, “comunque senza paura”:

Oh mundo de engaño!
Ardido seas en fuego.

(fala: Jorge Teles)

 

Comentário:

Amadis de Gaula é o mais antigo e o mais famoso livro sobre cavaleiros andantes. Sua mais antiga versão é em castelhano mas muitos estudiosos o consideram como sendo de origem portuguesa. O herói é muito citado por Dom Quixote como o mais perfeito de todos (sendo caricaturalmente imitado, como no episódio da Sierra Morena). Ao levar este tema para o palco, Gil Vicente inaugurava uma nova vertente para o teatro ocidental, logo logo transformada em dramas de capa e espada. Já era um escritor cônscio de seu talento. A linguagem da peça é tipicamente palaciana, retórica e bem distanciada daqueles falares espontâneos de muitos dos personagens vicentinos. Isto não lhe diminui a graça mas concede à obra um outro tipo de graça. Há uma quantidade de citações sobre o amor.
Dois aspectos dessa peça são estranhos aos nossos olhos de hoje. O anão, que criou todo o mal-entendido entre os apaixonados, com uma mentira, não reaparece para algum tipo de punição. Esta preocupação não escaparia a um autor mais moderno. E o final da peça é brusco, porque Amadis simplesmente anuncia a volta, já que assim ordenou sua dama. O reencontro emocionante não acontece.

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GIL VICENTE 38. ROMAGEM DOS AGRAVADOS (1533)

Frei Paço

Resumo:

Entra o Frei Paço, que de Frei só tem o hábito. Vive no palácio, deixou crescer o cabelo no lugar da coroa careca e gosta de usar a espada, como um nobre. “E posso me gabar que invejar, mexericar, são meus salmos de David que costumo de rezar”. Apresenta a romaria dos agravados, pessoas que se sentem injustiçadas e oprimidas.. Um rústico está descontente com Deus que sempre manda chuvas e sol em horas erradas, destruindo suas colheitas. Quer fazer do filho um padre para que este não sofra tanto. Vêm a seguir dois jovens apaixonados. Duas vendedoras fazem a romaria porque um rapaz enganou-as, casando-se com a sobrinha sem ter a situação que alardeava. Um nobre reclama da pensão real. Um Frei está descontente porque não recebeu o seu bispado. Um camponês vem com a filha. Reclama que os frades, a quem serve, tudo lhe tiram. Pede ao Frei Paço para que ensine à moça as boas maneiras da corte, para que ela melhore de posição social. A seguir são duas freiras que reclamam do rigor da clausura, pois até para conversar com parentes, apenas mulheres, ficam escondidas, sem vê-las. Duas pastoras não aceitam os casamentos que lhes foram destinados e trocam idéia sobre a maneira de evitar as bodas: uma vai dizer que teve uma visão, anunciando perigos no casamento programado; a outra dirá que consultou um feiticeiro e este avisou que se ela se casasse com aquele prometido, ficaria endemoniada. Frei Paço dá a palavra final: “Agravos que não têm cura procurai de os esquecer; qu’impossível é vencer batalha contra ventura, quem ventura não tiver”. Anuncia que a Rainha teve um filho e que todos devem cantar em homenagem ao menino, dom Felipe.

GV130. Branca e Marta

Mor Gonçalves,
Tão mal que m’encarcelastes
Nos Paços d’ElRei,
E na camara da Rainha,
Du bailava ElRei,
E con Dona Catherina,
Mor Gonçalves,
E tão mal que m’encarcelastes.

(canta Jorge Teles)

GV131. Todos

Por Maio era por Maio
Ocho dias por andar,
El Ifante Don Felipe
Nació en Evora ciudad.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las aguas del mar.

El Ifante Don Felipe
Nació en Evora ciudad,
No nació en noche escura,
Ni tanpoco por lunar.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las ondas del mar.

No nació en noche escura
Ni tanpoco por lunar,
Nació cuando el sol decrina
Sus rayos sobre la mar.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las aguas del mar.

Nació cuando el sol decrina
Sus rayos sobre la mar,
En un dia de domingo,
Domingo para notar.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las ondas del mar.

En un dia de domingo,
Domingo para notar,
Cuando las aves cantaban
Cada una su cantar.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como la tierra y la mar.

Cuando las aves cantaban
Cada una su cantar,
Cuando los árboles verdes
Sus fructos quieren pintar.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las aguas del mar.

Cuando los árboles verdes
Sus fructos quieren pintar
Alumbró Dios á la Reina
Con su fructo natural.
Huha! huha!
Viva el Ifante, el Rey y la Reina
Como las aguas del mar.

(cantam Graciano Santos, Rubem Ferreira Jr e Kátia Santos)

 

Comentário:

Aqui temos um Gil Vicente num de seus mais característicos momentos: o fazer desfilar figuras típicas de seu tempo. Deve ser esta a peça que mais apresenta peculiaridades sobre a sociedade daquela época. Exploração social, oportunismos, falsidades, a possibilidade de ascensão para mulheres jovens e bonitas, casamentos organizados pelas famílias. Nalguns aspectos Gil Vicente, sem nenhum mérito, é claro, é atualíssimo. Aliás, ressalte-se que algumas renvindicações já existiam naquele tempo: a liberdade de escolher marido e o excessivo rigor do claustro.
Como sempre, as críticas a práticas daninhas à sociedade, aparecem claras e contundentes. Quando as tias da moça enganada explicam como o noivo da sobrinha as enganou, enumeram pessoas do palácio que davam, sem o conhecimento do rei, documentos falsos, para indicar que o portador gozava de benefícios como uma pensão real.
A cena do exercício de comportamento palaciano entre a Moça e o Frei Paço é inesquecível. O texto específico da canção final indica que a mesma, com certeza, foi feita pelo autor.

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GIL VICENTE 37. FARSA CHAMADA AUTO DA LUSITÂNIA (1532)

lusitânia

 

Resumo:

A primeira cena é entre uma família de judeus. O pai e o filho cantam uma canção bélica e a mãe retruca com uma canção de amor. O pai: “Se a cantiga não falar em guerra de cutiladas… não nas quero ver cantar”. Entram dois outros judeus e avisam que precisam criar uma apresentação teatral pois a corte está na cidade, e entre eles o principezinho acabado de nascer, Dom Manoel, filho do rei Dom João III. Esta apresentação deverá ser feita por um certo Gil Vicente. Um Licenciado começa o auto e apresenta uma descrição jocosa do Autor Gil Vicente: “E quer-se o demo meter, o tecelão das aranhas, a trovar e a escrever as portuguesas façanhas, que só Deus sabe entender!” E continua: Gil Vicente se apaixonou por uma donzela-demônio que o levou a uma Sibila. Esta lhe ensinou segredos do passado de Portugal. Segue-se a dramatização do casamento entre Lusitânia, filha de uma ninfa com o Sol, e o príncipe Portugal, vindo da Grécia. Mercúrio quer desposá-la e vem com a corte do Olimpo: Vênus, Verecinta, Februa, Juno e dois diabos, Dinato e Berzebu, servidores das deusas. Os Diabos apresentam um impressionante entremez sobre Todo-Mundo e Ninguém. Quando as deusas percebem que entre Lusitânia e Portugal há um verdadeiro amor, aconselham-na a recusar Mercúrio e casar-se com Portugal. Fazem realizar as bodas com cantares.

GV124. Pai e Filho

Ai Valença, guai Valença,
De fogo sejas queimada,
Primeiro foste de moiros
Que de christianos tomada.
Alfaleme na cabeça,
En la mano una azagaya,
Guai Valença, guai Valença,
Como estás bem assentada;
Antes que sejão tres dias
De moiros serás cercada.

(canta Geovani Dallagrana)

GV125. Mãe

Donde vindes, filha,
Branca e colorida?

De lá venho, madre,
De ribas de hum rio;
Achei meus amores
N’hum rosal florido.
Florido, enha filha,
Branca e colorida.

De lá venho, madre,
De ribas de hum alto,
Achei meus amores
N’hum rosal granado.
Granado, enha filha,
branca e colorida.

(cantam Carmen Ziege e Kátia Santos)

GV126. Maio

Este he Maio, o Maio he este,
Este he o Maio e florece,
Este he Maio das rosas,
Este he Maio das fermosas.

Este he Maio e florece,
Este he Maio das flores,
Este he Maio dos amores,
Este he Maio e florece.

(canta João Batista Carneiro)

GV127. Deusas

Luz amores de la niña
Que tan linduz ujuz ha,
Que tan linduz ujuz ha,
Ay, Diuz quien luz habrá,
Ay Diuz quien luz habra!

Tiene luz ujuz de azor,
Hermuzuz como la flor:
Quien luz serviere de amor
No sé como vivirá,
Que tan linduz ujuz ha,
Ay, Diuz quien luz servirá,
Ay Diuz quien luz habrá!

Suz ujuz son naturalez
De las águias realez,
Luz vivuz hacen mortalez,
Luz muertuz suspiran allá,
Que tan linduz ujuz ha,
Ay, Diuz quien luz servirá,
Ay Diuz quien luz habrá!

(canta Carmen Ziege)

GV128. Venus

La bela mal maridada
Mal gozo viste de ti.

(canta Jorge Teles)

GV129. Todos

Vanse mis amores, madre,
Luengas tierras van morar,
Yo no los puedo olvidar.
Quien me los hará tornar,
Quien me los hará tornar?

Yo soñara, madre, un sueño
Que me dió nel corazon,
Que se iban los mis amores
Á las islas de la mar,
(Allá se van a morar,)
Yo no los puedo olvidar.
Quien me los hará tornar,
Quien me los hará tornar?

Yo soñara, madre, un sueño,
Que me dió nel corazon,
Que se iban los mis amores
Á las tierras de Aragón:
Allá se van a morar,
Yo no los puedo olvidar.
Quien me los hará tornar,
Quien me los hará tornar?

(canta Kátia Santos)

 

Comentário:

Eis novamente Gil Vicente pilotando sua arte nos mares da fantasia, senhor absoluto de cada manobra, conduzindo-nos ao capricho de seu talento numa viagem onde não faltam a beleza e a mordaz crítica às fraquezas da humanidade. Quando as deusas montam um tipo de altar para realizar o casamento, os dois Diabos fazem uma paródia das bem-aventuranças: “Beato seja e aceito o que doce língua tem e a maldade no peito… Bento seja o verdadeiro avarento per natura, que pôs a alma no dinheiro…” Quando terminam, resolvem anotar o que presenciam no mundo, para prestar contas ao rei Lucifer. Entram em cena os dois personagens Todo-Mundo e Ninguém, e os Diabos vão anotando o diálogo entre os dois, que estão procurando por algo: Todo-Mundo quer dinheiro, Ninguém busca a consciência… Todo-Mundo quer ser louvado, Ninguém quer ser repreendido… Todo-Mundo é mentiroso e Ninguém fala a verdade.
Um personagem chamado Everyman surgiu na Inglaterra por volta de 1530, derivado de uma moralidade holandesa Elckerlijk, texto impresso em 1495, sendo autor presumível Peter Dorlandus.. A peça de Gil Vicente é de 1532 e nada tem a ver com a peça inglesa. Nesta, Everyman é visitado pela Morte, a mando de Deus, para que se arrependa dos erros e em seguida mantém contato com alegorias como a Força, a Discreção, o Conhecimento, etc. Os dois personagens de Gil Vicente apresentam um comentário simbólico sobre o comportamento humano. Este jogo de palavras, atribuindo a um personagem um nome que o faça representante de toda a humanidade, de uma de suas características ou tão só uma abstração, criou as alegorias, que proliferaram em todas ou quase todas as peças da idade média. Surgiu no episódio do Cíclope, da Odisséia de Homero. Ulisses, o astuto, diz a Polifemo que seu nome é Ninguém. Quando os outros cíclopes vêm em socorro do irmão, após a cegueira, ele brada: Ninguém me feriu…
Gil Vicente transforma a sua cena curtíssima numa síntese aguçada sobre o Homem.
Ressaltemos ainda que as deusas, no início de sua apresentação e numa das canções, falam com ceceo. “Dejemuz ora el cantar y antez de estaz ricaz bodaz que venimuz celebrar…”  Como foi mencionado no Comentário à peça Farsa das Ciganas, os deuses vinham do oriente e também os ciganos. Como os ciganos falavam ceceando, os deuses também deviam falar do mesmo modo.

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