GIL VICENTE 30. FARSA DOS ALMOCREVES (1526)

o ourives

Resumo:

Um capelão, um ourives e dois almocreves (tropeiros, transportavam mercadorias para as pessoas), cobram de um Fidalgo as suas dívidas. Este, com sofismas, sarcasmos ou elogios, vai protelando os pagamentos. Seu principal argumento é que ele é bem recebido na corte, tendo intimidade com o rei, prometendo indicações e promoções para cada um dos credores. Ao final há uma conversa entre este Fidalgo e um outro, apaixonado, onde ambos expõem seus caracteres: o primeiro oportunista (por quantas damas Deus tem, não daria nem migalha), o segundo enamorado, idealista (quando fordes namorado, vireis a ser mais profundo, mais discreto e mais sutil, porque o mundo namorado é lá, senhor, outro mundo que está além do Brasil).

GV098. Pero Vaz

A serra é alta, fria, e nevosa;
Vi venir serrana, gentil, graciosa,
Vi venir serrana, gentil, graciosa;

Vi venir serrana, gentil, graciosa;
Cheguei-me per ella com gran cortezia,
Cheguei-me per ella com gran cortezia.

Cheguei-me per ella de gran cortezia.
Disse-lhe: “Senhora, quereis companhia?”
Disse-lhe: “Senhora, quereis companhia?”

Disse-lhe: “Senhora, quereis companhia?”
Disse-me: “Escudeiro, segui vossa via.”
Disse-me: “Escudeiro, segui vossa via.”

(canta Jaqueson Magrani)

 

Comentário:

Vai Gil Vicente entretendo a corte e tecendo a grande tapeçaria de sua obra. Esta peça padece da falta de alguma continuidade pois que não há ligação natural entre a primeira parte – as cobranças dos credores – e a parte final, o diálogo dos dois fidalgos, exibindo suas diferenças de carater. Mas, inda que em todas as peças não se encontre sempre lampejos de uma grande genialidade, a partir de um certo ponto, nota-se uma constante homogeneidade nas principais características do autor: lirismo nos textos, pintura de tipos humanos, linguagem sempre apropriada e uma mordacidade nunca misericordiosa. Aqui, Gil Vicente critica o tipo de vida de alguns fidalgos pobres, gastando o que não tinham para manter aparências de riqueza, e o objetivo de todo súdito: conseguir uma pensão real – a moradia – que consistia numa renda mensal e um tanto de cevada.
Novamente é citado o Brasil, desta vez significando um lugar ou uma coisa muito distante.

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GIL VICENTE 29. O CLÉRIGO DA BEIRA (1526)

gonçalo

Resumo:

Um Clérigo e seu filho estão na caça. Parodiam uma reza com dizeres mundanos e cômicos a partir dos textos em latim, geralmente salmos. Um rústico, Gonçalo, traz coisas para vender, dois galos, um coelho e limões. É enganado e roubado por dois jovens que pretendem ser cortesãos. Um engraçadíssimo Negro, cujo falar é quase incompreensível, lhe rouba a bolsa, as roupas e o chapéu. Uma Velha aparece com uma jovem possuída por um espírito, Pedreanes. O espírito, depois de indicar ao rústico quem tinha roubado seus produtos, advinha o futuro e faz indicações astrológicas sobre alguns cortesãos.

GV097. Negro (fala)

Pato nosso santo paceto ranho tu e figo valente tu salve tera pão nosso quanto dão dá noves caro  he debrite noses já libro nosso gallo. Amem Jeju, Jeju, Jeju.

(fala: Jorge Teles)

 

Comentário:

Esta peça bem poderia se chamar O Rústico da Beira, já que é o vilão que aparece em todos os quadros, exceto no primeiro. É uma sequência de situações desencontradas, ainda que muito cômicas. O longo trecho do Negro, em que menciona bolsas mais rentáveis que a roubada e imita possíveis diálogos com um funcionário da corte, suas paródias do pai-nosso e do salve-rainha, conferem a esta obra o tempero que sua estrutura não tem (num certo sentido, esta peça lembra modernos roteiros de filmes da “nouvelle vague” e de Bolognini).
A parte final é semelhante à Farsa das Ciganas, quando alguns espectadores ouvem o seu horóscopo e alguns comentários sobre sua pessoa.

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GIL VICENTE 28. TEMPLO DE APOLO (1526)

o rústico

Resumo:

O próprio Autor se apresenta como Prólogo. Esteve doente e conta as engraçadíssimas visões que teve durante a febre, citando famosas mulheres em cenas corriqueiras e ridículas. Anuncia que o palácio virou um Templo de Apolo. Apolo gostaria de reformar o mundo e apresenta algumas idéias, ridicularizando os padres. Na frente do templo é colocado um Porteiro, que deve impedir a entrada daqueles que não são dignos do Imperador Carlos V e de sua mulher, Isabel, filha de Dom Manuel e irmã do rei português Dom João III. Em pares, chegam os Romeiros para a visitação ao Templo. São alegorias diversas dos servidores do Imperador. Entram o Mundo e a Flor da Gentileza. Depois Vencimento e Virtuosa Fama. A seguir o Cetro Onipotente e a Prudente Gravidade. E o Tempo Glorioso e a Honesta Sabedoria. Oram, pedindo favores para o Imperador e sua mulher. Vem um plebeu português, rústico. Desentende-se com o Porteiro, que não o quer deixar entrar. Vem Apolo e logo a seguir os outros Romeiros. Todos cantam  e dançam em homenagem à Imperatriz.

GV093. Dois Romeiros

Gloriosa gloria mia,
Vos seais muy bien venida;
Pues con vos vive la vida,
Tiempo es de mi alegria.

(cantam Gerson Marchiori e Rubem Ferreira Jr)

GV094. Vilão

Rogaré á Dios del cielo
Que era padre de mesura,
Que ou me case ou me mate,
Ou me tire de tristura.
Amor no puedo dormir.

(canta Jorge Teles)

Gv095. Romeiros

Pardeos, bem andou Castella,
Pois tem Rainha tão bella.

Muito bem andou Castella
E todos os Castelhanos,
Pois tem Rainha tão bella,
Senhora de los Romanos.

Pardeos, bem andou Castella
Com toda sua Hespanha,
Pois tem Rainha tão bella,
Imperatriz d’Allemanha.

Muito bem andou Castella,
Navarra e Aragão,
Pois tem Rainha tão bella,
E Duqueza de Milão.

Pardeos bem andou Castella
E Sicilia tambem,
Pois tem Rainha tão bella,
Conquista de Jerusalem.

Muito bem andou Castella,
E Navarra não lhe pesa,
Pois tem Rainha tão bella,
E de Frandes he Duqueza.

Pardeos bem andou Castella,
Napoles e sua fronteira,
Pois tem Rainha tão bella,
França sua prisioneira.

(cantam Graciano Santos e Rubem Ferreira Jr)

GV096. Apolo

Águila, que dió tal vuelo,
Tambien volará al cielo.

Águila del bel volar
Voló la tierra y la mar:
Pues tan alto fue á posar
De un vuelo,
Tambien volará al cielo.

Águila una Señora
Muy graciosa voladera,
Si mas alto bien hubiera
En el suelo,
Todo llevara de vuelo.

Voló el águila real
Al trono imperial,
Porque le era natural,
Solo de um vuelo,
Subirse al mas alto cielo.

(canta Gerson Marchiori)

Comentário:

Peça, como tantas outras, encomendada para uma ocasião específica, no caso a partida de Isabel, filha de D. Manuel, para a Espanha, onde se casaria com Carlos V. O início da peça é cômico mas a solenidade das falas dos Romeiros-Alegorias dão à obra um caráter de chatice oficial. A entrada do rústico devolve-lhe o sabor, até porque os textos das canções são brilhantes.
Observa-se que, para certas festividades, Gil Vicente era encarregado de criar um teatro mais superficial, sem enredo; apenas uma situação que permitisse fazer os elogios aos nobres portugueses a quem era dedicada a apresentação. Isto aconteceu com As Cortes de Júpiter e, agora, com este Templo de Apolo. A escolha do maravilhoso pagão permite que o clima da festa seja feérico, figurinos certamente exuberantes e textos bajuladores.
As duas canções fazem a exaltação à princesa Isabel, imperatriz após o casamento com Carlos V. Com toda certeza, foram feitas especialmente para a ocasião.

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