GIL VICENTE 27. DOM DUARDOS (1525) 

flerida

Resumo:

Primalion, filho de Palmerim, imperador de Constantinopla, matou em duelo a Perequim. Dom Duardos, rei da Inglaterra, vestido de cavaleiro, chama a duelo Primalion, para vingar a desfeita à dama de Perequim. Percebendo que um dos dois valentes cavaleiros morrerá, o Imperador manda que a filha Flérida interceda e peça que se separem. Dom Duardos se apaixona por ela. Para estar junto dela, finge ser jardineiro, filho dos guardadores da horta. Flérida também se apaixona por ele, estando em conflito por amar a um homem de baixa condição que, no entranto, fala como um nobre. Diz-lhe ela: “você deve falar como se veste ou vestir-se como fala”. Após uma vitória em outro duelo, como cavaleiro estrangeiro, ele se mostra e os dois fogem para a Inglaterra.

GV084. Julião

Soledad tengo de ti,
O tierras donde naci.

(canta Graciano Santos)

GV085. Dom Duardos

Oh mi pasion dolorosa,
Aun que penes no te quejes,
Ni te acabes ni me dejes.

Dos mil suspiros envio,
Y doblados pensamientos,
Que me trayan mas tormentos
Al triste corazon mio.
Pues amor que es señorío,
Te manda que no me dejes,
No te acabes ni te quejes.

(canta Gerson Marchiori)

GV086. Flerida

Quien pone su aficion
Do ningun remedio espera,
No se queje porque muera.

(canta Kátia Santos)

GV087. Dom Duardos

Aunque no espero gosar
Galardon de mi servir,
No me entiendo arrepentir.

(canta Gerson Marchiori)

GV88. Flerida

Si eres para librar
Mi corazon de fadigas,
Ay por Dios tú me lo digas!

(canta Kátia Santos)

GV089. Dom Duardos

El galgo y el gavilan
No se matan por la prea,
Sino porque es su ralea.

(canta Geovani Dallagrana)

GV090. Julião

Este es el calbi ora bi,
El calbi sol fa mellorado.

(canta Graciano Santos)

GV091. Artada

Al Amor y á la Fortuna
No hay defension ninguna.

(canta Carmen Ziege)

GV092. Flerida, Artada e Dom Duardos

En el mes era de Abril,
De Mayo antes un dia,
Quando lirios y rosas
Muestran mas su alegria,
En la noche mas serena
Que el cielo hacer podia,
Cuando la hermosa Infanta
Flerida ya se partia:
En la huerta de su padre
Á los árboles decia:
– Quedáos á Dios, mis flores,
Mi gloria que ser solia;
Voyme á tierras estrangeras,
Pues Ventura allá me guia.
Si mi padre me buscare,
Que grande bien me queria,
Digan que Amor me lleva,
Que no fue la culpa mia:
Tal tema tomó conmigo,
Que me venció su porfía:
Triste no sé adó vó,
Ni nadie me lo decia.
Allí habla Don Duardos.
No lloreis mi alegría,
Que en los reinos de Inglaterra
Mas claras aguas habia,
Y mas hermosos jardines,
Y vuesos, señora mia.
Terneis trecientas doncellas
De alta genealogia:
De plata son los palacios
Para vuesa señoria,
De esmeraldas y jacintos
De oro fino de Turquía,
Con letreros esmaltados
Que cuentan la vida mia,
Cuentan los vivos dolores
Que me distes aquel dia
Cuando con Primalion
Fuertemente combatia:
Señora, vos me matastes,
Que yo á él no lo temia.
Sus lágrimas consolaba
Flerida que esto oía;
Fueronse á las galeras
Que Don Duardos tenia,
Cincuenta eran por cuenta,
Todas van en compañia:
Al son de sus dulces remos
La Princesa se adormia
En brazos de Don Duardos,
Que bien le pertenecia.
Sepan quantos son nacidos
Aquesta sentencia mia:
Que contra la muerte y amor
Nadie no tiene valia.

(canta Jorge Teles)

Comentário:

Dom Duardos foi a peça escolhida por Everett W. Hesse e Juan O. Valencia para figurar no livro El Teatro anterior a Lope de Vega, da Editora Ediciones Alcalá, S.A., Madrid, de 1971. Segundo os autores, no prefácio referente ao autor português, “Gil Vicente es la figura más importante del teatro español durante el reinado de Carlos V… la contribuición más importante de Gil Vicente al teatro consiste en la estilización poética de la realidade, la cual confiere a su obra rapidez y gracia, carácter simbólico, y conocimiento profundo de la naturaleza humana, debido a la catarsis poética de los personajes vicentinos.”
Dom Duardos… eis Gil Vicente num de seus mais impressionantes momentos. De acordo com todos os críticos, foi a primeira vez em que um tema dos livros de cavalaria subiu ao palco. A linguagem, antes, quase sempre de pastores e camponeses, agora é elegante, espirituosa. Gil Vicente faz com que o protagonista nos brinde com três solilóquios: estamos não mais diante de um confronto entre personagens, mas diante de um confronto de personagem consigo mesmo; há então um aprofundamento do conflito com sua dilaceração dolorosa (não nos esqueçamos dos solilóquios de Hamlet). O grande tema desta peça é o amor. Diz Dom Duardos: “o amor que aqui me trouxe, ainda que eu seja humilde, ele não o é”. E há também nesta obra um aprofundado relacionamento entre personagens e a paisagem onde agem, no caso, o jardim de Flérida.
Se o tema medieval por excelência era a morte e as figuras flutuassem entre alegorias celestiais e demoníacas alegorias, aqui se vê corações e mentes em conflitos apaixonados, deambulando em espaços físicos bem definidos. Duzentos anos antes Giotto fizera o mesmo com a pintura: deu chão e paisagem para suas criaturas. Gil Vicente ainda não é renascentista, como os italianos seus contemporâneos, mas já não mais é medieval. Ousaria garantir que justamente nisto está sua glória maior.

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GIL VICENTE 26. FRÁGOA D’AMOR (1525)

mercúrio

Resumo:

Um peregrino explica que Portugal está para conquistar um castelo espanhol, símbolo da rainha Catarina que se casará com o rei português, D. João III. Vênus entra chorando à procura de seu filho Cupido. Ele está organizando com outros deuses uma grande forja para refazer as pessoas, para que todos estejam à altura da rainha. Armou-se no palco um castelo com uma grande forja e de lá saem quatro deuses e quatro serranas, estas representando os quatro prazeres do amor: o olhar enamorado, o falar amoroso, o ouvir com amor, o ser fiel ao amor. Vem um negro. Entra na forja. As serranas cantam uma cantiga e os deuses batem os martelos. Sai o negro inteiramente branco mas com a fala estropiada como antes. Vem uma velha encurvada; é a Justiça, tem a vara torcida e a balança quebrada. Quer ter mãos menores para não receber tanto dinheiro de suborno. Entra na forja mas não endireita. Tiram dela as escórias dos subornos, duas galinhas, duas perdizes e dois sacos de dinheiro, após o quê, ela volta a ser bela. Um Frade quer virar leigo porque há demasiados frades em Portugal. Cupido pede uma Autorização de seu superior. Um Fidalgo quer voltar a ser criança. Outro quer rejuvenecer mas sem que diminua o dinheiro que possui. Volta o Frade com bastante carvão, para ser forjado de novo e se livrar dos afazeres religiosos. Após sua refundição, terminam a peça cantando.

… Peregrino (Vide Cortes de Júpiter, GV049)
Nunca fue pena mayor
Ni tormento tan estraño,
Que iguale con el dolor.

GV080. Romeiro

Donde estás que no te veo,
Que es de tí, esperanza mia?

(canta Gerson Marchiori)

GV081. Venus

Tristeza, quien á vos me dió,
Pues no fue la culpa mia,
No se la merecí, no.

(canta Kátia Santos)

GV082. Negro

Le bella mal maruvada
De linde que a mi ve,
Vejo-ta triste nojada,
Dize tu razão puruque.
A mi cuida que doromia
Quando ma foram cassá;
Se acordaro a mi jazia
Esse nunca a mi lembrá.
Le bella mal maruvada
Não sei quem cassa a mi,
Mia marido não vale nada,
Mi sabe razão puruque.

(canta Graciano Santos)

GV083. Serranas

El que quisiere apurarse,
Vengase muy sin temor
Á la fragoa del amor.

Todo oro que se afina
Es de mas fina valía,
Porque tiene mejoria
De cuando estaba en la mina.
Ansí se apura y refina
El hombre y cobra valor
En la fragoa del Amor.

El fuego vivo y ardiente
Mejor apura el metal,
Y cuanto mas, mejor sal,
Mas claro y mas excelente.
Ansi el vivir presente
Se pára mucho mejor
En la fragoa del Amor.

Quanto persona mas alta,
Se debe querer mas fina,
Porque es de mas fina mina,
Donde no se espera falta.
Mas tal oro no se esmalta,
Ni cobra rico color
Sin la fragoa del amor.

(cantam Carmen Ziege e Kátia Santos)

Comentário:

Gil Vicente não perdia a chance de exibir os pecados da sociedade, embrulhando-os numa visão crítica de ironia e zombaria. Percebe-se que à medida que seu trabalho era mais reconhecido (a rainha no caso era irmã do mais poderoso rei europeu, Carlos V), ganhava coragem e aumentava a dosagem do veneno moralizante que tinha em sua pena. Desta obra, diversas frases foram suprimidas pelo Index Católico. Considerando-se também a sua obra não teatral, cartas e sermões, percebe-se que devia gozar de um prestígio muito grande na corte. Brincando, sugeria mudanças. Aqui faz uma censura á venalidade da justiça e à quantidade de padres em Portugal, o que fazia diminuir o número de trabalhadores que produziam. Como acontece em algumas peças, há indicação de que a canção das serranas é de autoria do próprio escritor.

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GIL VICENTE 25. O JUIZ DA BEIRA (1525)

pero marques

Resumo:

Pero Marques, o marido de Inês Pereira, é juiz em Beira. Houve mexericos sobre seu desempenho e ele é chamado para que julgue na corte, diante do rei. Para mostrar que ele é um rústico, o Porteiro apresenta a ele uma cadeira, para que se sente durante o julgamento. Ele não sabe de que lado deve se sentar e exige um banquinho. Vem Ana Dias e reclama justiça, pois sua filha foi violada. O Juiz diz que são coisas de moços. Diz também que se deve verificar o trigal onde o fato aconteceu. Se as plantas estiverem muito amassadas. é sinal de que houve violência; do contrário, não. Vem um sapateiro e discute com Ana Dias. Ela alcovitou e seduziu sua filha para o pecado, convidando-a a visitar um jovem. O Juiz dá a sentença: se fosse um convite para trabalhar, será que a moça iria? Mas manda que Ana Dias seja açoitada. Vem um Escudeiro. Apaixonou-se por uma moura e usou os serviços de Ana Dias. Gastou o que tinha e não conseguiu a moça. O Juiz absolve a alcoviteira. O mesmo escudeiro pede que o criado lhe devolva a roupa nova, já que não quer trabalhar mais para ele. O Juiz faz o julgamento, deixando o caso como está. Vêm quatro irmãos discutir uma herança, um asno deixado pelo pai. Cada um tem uma característica principal: um é preguiçoso, um é dançarino, um é esgrimista e um é apaixonado. O Juiz quer que o asno seja citado para a próxima audiência, para que conclua o julgamento. Cantam todos e acaba-se a comédia.

GV078. Amador

Leixar quero amor vosso,
Mas não posso.

(canta Jaqueson Magrani)

GV079. Todos

Vamos ver as Sintrans,
Senhores, á nossa terra,
Que o melhor está na serra.
As serranas Coimbrans
E as da serra da Estrela,
Por mais que ninguem se vela,
Valem mais que as cidadans:
São pastoras tão louçans,
Que a todos fazem guerra
Bem desde o cume da serra.

(canta João Batista Carneiro)

 

Comentário:

Leve comédia com personagens engraçados, em situações típicas da época. O fato de o Juiz ser o personagem de uma peça anterior prova muito que aquela peça realmente tinha agradado. Há toda uma crítica a julgamentos muito parciais, pois, na verdade, todas as decisões do Juiz são inusitadas. Pero Marques representa aqui uma justiça ingênua, desatada dos labirintos da lei, mas que se revela como verdadeira sabedoria popular. A literatura oral de todos os povos apresenta casos semelhantes.
É bom citar os julgamentos rápidos e inteligentíssimos de Sancho Pança, no capítulo 45 da segunda parte do Don Quixote de Cervantes (1547-1616). Num dos casos mais difíceis, verdadeira charada apresentada para julgamento (capítulo 51), Sancho diz que o homem deve continuar vivo pois quando a Justiça está em dúvida, recorre-se à misericórdia.
No Alcorão, num trecho que narra parte da história de José no Egito, há também um julgamento simples a respeito da calúnia da mulher do egípcio que comprara José (não é mencionado o nome Putifar): esta diz que o jovem tentou violentá-la e ele desmente. Um testemunho da familia dela sentencia: se a túnica de José estiver rasgada na frente, ela fala a verdade; se estiver rasgada atrás, ele está sendo sincero (capítulo 12, 22 a 30).

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