Alma desdobrada, cap. 255, 256 e 257.

Alma desdobrada, capítulos 255, 256 e 257.

 

255.

          e ele visitava todos esses porões, com sua poeira, com o seu mofo, com as suas coisinhas desajeitadas.

          mas havia uma porta, que o príncipe abria cheio de espanto, porque era um corredor diferente. era mais largo, mas era mais escuro. as escadas, estranho que fossem tão novas, porque pouquíssimo percorridas, mas com um ar de muito velhas; eram gastas.

          a porta também era diferente das outras, de um bronze sujo, enorme, trancas fortíssimas.

          e o príncipe descia por seus corredores, descia e descia… e chegava a um certo ponto em que começava a ouvir murmúrios, logo mugidos, a seguir urros… e ele tinha medo de continuar. ele tinha medo de continuar, por saber que lá embaixo morava um demônio.

          o príncipe nunca tinha visto este demônio, mas o imaginava terrível.

          deu-se que um dia esse príncipe se sentiu virado pelo avesso. e resolveu que chegara a hora de conhecer aquele seu demônio particular.

 

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Alma desdobrada, capítulos 247, 248, 249, 250, 251, 252, 253 e 254.

Alma desdobrada, capítulos 247, 248, 249, 250, 251, 252, 253 e 254.

 

247.

          estou deitado, espetadíssimo de agulhas. tentando que a acupuntura me livre da dor que sinto por Y… da confusa sensação de sofrimento sem saber por quê. sinto que se clareiam os labirintos de minha alma e, deitado e espetado, vou imaginando um balé intitulado viagem ao centro de mim mesmo. um homem desce aos porões de seu mundo interior e descobre que o terrível demônio que lá morava era todo um benfazejo duende, macio bebê paternal. mais tarde, no gravador, falei a história do príncipe duende.

 

248.

          era uma vez um príncipe que morava numa gruta. ele era bonito, porque era cheio de vida. era uma vez esse príncipe.

          ele tinha os olhos profundos e o rosto muito magro. algumas vezes ele se olhava no espelho e dizia sua cara hoje não está legal, você está feio, você parece um monstro. noutras vezes, ele se olhava no espelho e dizia que olhar incrível que você tem, menino. cara, como eu gosto de você. como seu cabelo está bonito hoje. e seus olhos, como se parecem com os olhos de sua mãe. às vezes você se parece com um hermafrodita. não o hermafrodita dos barrocos, delicado, bonitinho, adolescente. o hermafrodita adulto, com olhos sofridos e boca sensual.

          era uma vez esse príncipe.

          e ele morava numa gruta. e ele se aconchegava dentro da gruta, para dormir, quando findava o dia. e ele demorava um pouco pra dormir, porque gostava de pensar sobre o dia acabado. ele gostava de pensar.

          era uma vez esse príncipe, que gostava de pensar…

 

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Alma desdobrada, cap. 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245 e 246.

Alma desdobrada, capítulos 239, 240, 241, 242, 243, 244, 245 e 246.

 

239.

          nunca mais direi, de mim, sou homossexual; ou bissexual; ou voyeur; ou onanista; ou fetichista.

          sou o que sou: sexuado. e faço uso do sexo para dar e receber prazer.

          quem classifica pessoas por preferências sexuais está apenas dividindo para enfraquecer e governar; ou para se enfraquecer e se deixar governar.

 

240.

          figuinho, com todo o encanto misterioso de seus dois olhos, está lá embaixo, perto da cascata, morrendo. aplico-lhe injeções, dou-lhe comida na boca, figuinho está morrendo.

          estou só, ando no sótão, de um lado pro outro, desolado e cheio de angústia, porque rejeitado por quem me rejeita. eu choro, desespero e grito, em prantos: meu cavalo morre lá embaixo no escuro e eu nada posso fazer.

          figuinho, você nasceu em minha casa, levantou-se com suas pernas bambas, olhou-me e cheirou-me a mão. um dia tua mãe te coiceou, só porque você veio a mim. você a olhou com seus olhinhos de quem não entende a injustiça.

          e agora, lá embaixo, junto à água fria que corre, você está morrendo, com seus grandes olhos abertos.

          tenho dores fortes nos testículos, nas costas, nas pernas, mal posso caminhar. figuinho está morrendo. gilmar diz que é preciso matá-lo, ele não vai mesmo viver, é melhor pra ele. você é capaz de cuidar disso? sim.

          sinto que figuinho morre em meu lugar.

 

241.

          minhas mãos estão se enrugando. a meio caminho da velhice. não mais o que fui; ainda não o que virei a ser, se vier a ser. fala-se do passado, não do futuro.

          minhas mãos caminham em direção ao que não posso assegurar.

 

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