Alma desdobrada, cap. 221, 222, 223, 224, 225 e 226.

Alma desdobrada, capítulos 221, 222, 223, 224, 225 e 226.

 

221.

          o que pensamos sobre as pessoas vale mais do que aquilo que são as pessoas?

          quando pensamos, construímos um perfil com o que sentimos? ou com aquilo de que necessitamos?

          seria assim como pintar, de cada um, o retrato que queremos ter do outro?

          B…, você foi a primeira mulher de minha vida. e como isto me diz pouco!

          nunca te achei uma pessoa interessante. e, o mais importante, é que nunca acreditei em você. não cruel, mas honesto. tão só honesto.

          sempre te senti uma fêmea insegura em busca da inexperiência de minhas carnes.

          tenho cartas escritas a você que não são de todo loucas porque eis que eu escrevia a alguém que sonhava amar. não era você. você era a intermediária de meu desejo. que, afinal, se fazia por si só.

          fica de tudo a lembrança boa de alguém que num determinado momento me deu alguma segurança.

          sinto que te devorei para crescer. não tenho vergonha nem culpa, porque também sinto que fui devorado.

 

222.

          minhas bolas de fogo, bolas de energia, formigamento no plexo solar, orgasmo cósmico, que sei eu?, continuaram e continuam toda a vida. sempre é uma vibração que começa em todas as extremidades do meu corpo, vai se encaminhando para o plexo solar e aí se aloja, crescendo de uma maneira descomunal.

          eu as tenho quando algo forte me invade. uma grande emoção, uma grande tensão. sempre saio delas bem e aliviado.

          antigamente eu as tinha após ou durante um filme comovente. após um diálogo com V…. raramente com música, mas acontecia.

          depois, silenciaram e estive longo tempo esvaziado delas. no auge de minha crise por Y…, veio-me a bola de fogo enquanto chorava e ouvia o liebestod de wagner. senti, logo a seguir, que minha gastrite ou úlcera, se fechava em segundos, fazendo-se em meu estômago uma deliciosa sensação de neutralidade saudável.

          tive no último ano uma série dessas bolas de energia. numa noite, brincando com o ritmo de minha respiração, descobri uma maneira de induzi-las. não quis repetir, de medo, e por pensar melhor em deixá-las à sua consequente naturalidade.

          certa noite, gravando uma fita em que eu monologava sobre minha própria dor, resolvi provocá-la, para ouvir depois, no gravador. o resultado me surpreendeu: era o som de um orgasmo a um, um grande gozo, respirar que se acelera, gemidos que se levantam e murmúrios difusos que expressavam uma grande felicidade. a seguir, nessa mesma fita, numa dos momentos de mais agradável bem estar de minha vida, narrei meio que improvisando, meio que organizando, minha história do duende, cuja inspiração me tinha vindo durante minha primeira sessão de acupuntura.

 

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Alma desdobrada, cap. 217, 218, 219 e 220.

Alma desdobrada, capítulos 217, 218, 219 e 220.

 

217.

          pergunta:

          algum de meus encontros clandestinos valeu a pena?

          resposta dois: sim! todos!

          o que busca o homem na sua rápida passagem? a felicidade! e onde se acha ela? apenas num amor duradouro e pleno e completo e incorrupto? por que não, também num furtivo encontro de dois medos e dois anseios cheios de uma violência passageira? chegamo-nos, aproximano-nos um do outro e o animal que habita o fundo de minha alma busca o outro animal. e como dois répteis inofensivos, mas vivíssimos, cruzam-se em toques mínimos que fazem explodir as estrelas.

          a energia do mundo não cabe na espera de um amor completo e fatalmente grande. amo desesperadamente a Z… e não tenho como me fazer amado. circunstâncias! é preciso fazer navegar a nave dos meus anseios e permitir que minha volúpia estremeça de loucura ao furtivo contato de outro mundo em órbita solta, como o meu. ambos, em busca de águas passageiras apenas a diminuir suas pequenas sedes.

          e ainda não quero falar das coisas que aprendo.

          um homem pode habitar quantos homens?

 

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Alma desdobrada, cap. 213, 214. 215 e 216.

Alma desdobrada, capítulos 213, 214. 215 e 216.

 

213.

          saio do apartamento, indo para a chácara. sofro. isto foi ontem à noite. estou frustrado porque pretendia amar Z… até o seu orgasmo, mas ele não quis habitar o país do orgasmo, conduzido por mim. eu, que teimava em dirigir seus passos.

          resolvo rodar o carro, encontro um adolescente belo, macio, morto como um viciado. ele entra no carro. sua fala é cortada por palavras que nunca dirão a metade do que pretendem. ele aceita meu convite, que convite é esse? não uso a palavra trepar, não falo em foda, apenas perguntei se ele queria ir num lugar comigo. como eu já segurava seu sexo em ereção, ele entendeu a mensagem. pretendeu fazer um pacto que não ficou claro, tive que traduzi-lo, entendo, você não quer dar, só quer comer, é isto?, tudo bem, digo; cada qual sabe do que gosta.

          abraçados, nus, ele se entrega ao meu entregar-me. aqueço-o, descubro seus pedaços maiores de excitação, é uma agradável troca de prazer. seu orgasmo vem antes, ele participa do meu.

          no meio da noite escura, criatura, você sem nome, e nos entendemos na hora do prazer! a quem estariam destinados todos os nossos carinhos? a quem amaria você? você amaria a alguém?, adolescente semimorto!

          você me pergunta por bola, não sei o que é isto, não se faça de inocente!, você fala em maconha?, claro!, não tenho, não transo nada disto, se incomoda se eu puxo uma?, claro que não, você sabe o que faz.

          sou viciado!, cara! enquanto prepara o cigarro. me conta que tem pé de maconha no local de trabalho, uma padaria onde também mora. os donos sabem, mas fingem não saber.

          eu o levo pelas ruas, enquanto ele traga sua fumaça fétida. o carro recende forte, eu abro todos os vidros. insiste em me ver de novo, marco sexta-feira, mesma hora, mesmo lugar, sabendo já que não irei ao encontro. ele tosse, tosse muito, se cala.

          adolescente macio, foi bom ter você dentro de mim porque, enquanto você buscava o seu prazer, você não se amarrou a nenhuma ponte de moral ou culpa. seu corpo era um só vôo que tentava a sincronia com o meu vôo. voamos alto, fomos às esferas superiores, e voltamos à terra da polícia e das pessoas sem nenhuma liberdade.

          todavia, sua liberdade é pequena para mim, a casa de seu espanto é apertada para meus gestos pretensiosos, sua loucura é a de um anjo abatido diante de minha fúria de todos os deuses pagãos.

          não, não tenho a quem me dar de verdade.

          usei sua carne cor de rosa para amaciar minha dor. consegui transferi-la para depois. no transferir-se, ela amainou um tanto.

          é preciso saber resistir à dor absoluta.

 

214.

          o choro pode vir a ser uma forma de orgasmo. libertário, irrefreável, anárquico, absoluto. erupção necessária para que, em seguida, o vulcão tenha seu provisório adormecer. 

 

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