Esperanto? Pra quê? (4) Qual é a cultura….

ESPERANTO? PRA QUÊ? (4) QUAL É A CULTURA DO MUNDO?
(nota: Esta pequena série de textos foi feita para um “folder” com o objetivo de informar sobre o Esperanto, na ocasião em que fui presidente da Associação Paranaense de Esperanto (1988-1989). Eu achava que os textos de então eram muito sucintos. Minha intenção era divulgá-los entre pessoas mais interessadas no assunto. Observo que a parte escrita a partir da linha de asteriscos está sendo acrescentada agora.)

Você já ouviu falar em Shakespeare? Camões? Balzac? Goethe? Tagore? Garanto que já. A cultura internacional faz pipocar aqui e ali nomes que aparecem e não mais se apagam. Em determinadas ocasiões há uma nervosa efervescência, responsável por uma verdadeira erupção de gênios. É o caso da Grécia no tempo de Péricles: Ésquilo, Sófocles, Eurípides, Aristófanes, Sócrates, Platão, Aristóteles. E veja que foram enfocados apenas o teatro e a filosofia… É o caso do renascimento italiano, Giotto, della Francesca, Botticelli, Leonardo, Michelangelo… O romantismo musical alemão, Beethoven, Schubert, Mendelssohn, Schumann, Brahms, Wagner… aqui é preciso parar para respirar!
Essa foi a cultura que herdamos e que alcançou diversas regiões da terra. No nosso caso, a fixação de uma cultura provocou uma mistura com os elementos indígena e negro. Como se terá dado essa união de diversidades em outros países? Na Finlândia, por exemplo, cuja língua é parenta do turco e do mongol e cujo padrão de vida é escandinavo? No Japão, com sua herança milenar e a atual voragem tecnológica? Ou na África, com sua multiplicidade tribal de deuses e ritos frente a um processo burilado pelo tempo e pela paciência dos clássicos? E como será que os povos recebem a “nossa” participação nesse imenso caleidoscópio? Que países nos traduzem? E por que será que estamos limitados ao acesso a “determinadas” culturas? No Brasil, por exemplo, assiste-se a um grande número de medíocres filmes americanos enquanto o mundo, como um feto fecundo, rebenta esporos de puríssima estética. Ou será que não existiria um excelente cinema suiço, grego, turco, indiano, o que seja? A que campos de concentração culturais nos condenam as hegemonias linguísticas (linguísticas?)? Que armas temos para a libertação?
Enfim, como ter acesso a culturas outras que são, como todas, a manifestação dessa bruta mistura de ingredientes étnicos que está plantada nos corações de todos os povos?

Você já ouviu falar de Aleksis Kivi? Havlicek-Borovsky? Sandor Petöfi? Ivan Vazov?

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Isto mesmo. Já ouviu falar destes nomes? Será que estariam à altura de um Hemingway? Ou simplesmente obrigariam Hemingway a lamber a poeira sob seus pés?
Falei até agora de alguns aspectos em que o estudo do Esperanto apresenta vantagens sobre outras línguas, a não ser que a pessoa esteja planejando viver ou estudar ou trabalhar num país de língua desconhecida. O viajar, o corresponder-se, o resistir a um domínio falso de uma língua que se auto-denomina a mais importante de todas, etc.
Quero falar agora tão só em meu nome: se descobri maravilhas no mundo esperantista, a maravilha das maravilhas é certamente o acesso às obras-primas da humanidade, sem intermediários. Costumamos descobrir um cinema nacional qualquer, a partir de um prêmio em Cannes ou, menos frequente por haver maior manipulação, um óscar qualquer de filme estrangeiro. O mesmo costuma acontecer com algumas literaturas. Os franceses descobriram Milan Kundera e eis-nos traduzindo o autor. Recebemos, portanto, influências já filtradas por culturas que, babaquíssimamente, assumimos como mais importantes do que as nossas. Continuamos índios, a deleitar-nos com contas de vidro e a curvar-nos ante os brancos inteligentes e divinizados. Há um pouquinho de lucro nisso: é bom que as tragédias gregas, os trabalhos de Shakespeare, o grande acervo da música ocidental, sejam passados de geração a geração. Mais do que bom, é inevitável. Já se descobriu que nenhuma ditadura (incluindo as ditaduras da burrice) calará por eterno o poeta obstinado. E menos ainda os gênios realmente geniais.

Quero afirmar com ousadia que o maior trunfo do Esperanto é essa doação quase anônima de obras-primas a toda a humanidade. Dia após dia cresce o número de trabalhos fantásticos que são traduzidos para o Esperanto. Que vantagem Maria leva?
Duas!
Primeiro, o tradutor domina à perfeição a língua a ser traduzida. Poucos brasileiros ou portugueses estariam à altura de traduzir uma sátira tcheca em versos, O batizado do czar Vladimir, de Havlicek-Borovsky… Menos ainda um tcheco, que dominasse o português. E, se algum coreano está descobrindo os prazeres de uma viagem com Vasco da Gama, lendo Os Lusíadas em Esperanto, traduzido por Leopoldo Knoedt, digo que é quase impossível a um escritor coreano passar para o Esperanto ou o coreano o belíssimo texto de Camões.  Há exceções; O Alcorão foi traduzido para o Esperanto por um italiano, professor de árabe. É pouco? Quer mais?
Segundo, os intelectuais que traduzem obras de seus países para o Esperanto, geralmente escolhem aquelas que se colocam nos pináculos de suas culturas nacionais. Estamos só no começo. De Dostoiévski temos apenas algumas novelas e o Crime e Castigo. É quase que ler o original… Mas falta muito…
Termino com uma pequena relação desses livros fantásticos que li ultimamente, de encher de inveja qualquer professor de literatura… Viagem a Kazohinio, de Sandor Szathmari, Kalevala, epopéia finlandesa, Sete Irmãos, de Aleksis Kivi, Antologia da Literatura Oral da Sérvia, A maravilhosa viagem de Nils Holgersson, de Selma Lagerlöff (há uma tradução, encolhida, em português), Eugênio Oneguin, de Puchkin… Isto, além de uma coleção imensa de livros que bem conhecemos, os ocidentais, mas que ficam atualmente à disposição de leitores da Ásia e da África, Os Lusíadas, Cem Anos de Solidão, A História de Heródoto, O Livro das Maravilhas, de Marco Polo, Don Quixote, A Divina Comédia… 
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Esperanto? Pra quê? (3) O que é hegemonia…

ESPERANTO? PRA QUÊ? (3) O QUE SIGNIFICA HEGEMONIA LINGUÍSTICA?…
(nota: Esta pequena série de textos foi feita para um “folder” com o objetivo de informar sobre o Esperanto, na ocasião em que fui presidente da Associação Paranaense de Esperanto (1988-1989). Eu achava que os textos de então eram muito sucintos. Minha intenção era divulgá-los entre pessoas mais interessadas no assunto. Observo que a parte escrita a partir da linha de asteriscos está sendo acrescentada agora.)

Quando se analisa um Atlas Histórico, verifica-se correntes migratórias ao longo de toda a história da humanidade. Muitas são as causas que levam um grupo de uma determinada cultura à ocupação de outra região. O resultado porém, sempre, foi um só: uma inevitável fusão de ingredientes culturais, cujas proporções variam.
A língua de um grupo é um desses ingredientes. A língua é o absoluto inventário de toda cultura. Não existe em nenhum ponto da história do homem algo a que não se atribua um nome ou um nome desvinculado de seu objeto.
Voltando-se ao Atlas, percebe-se que todas as ocupações se deram apenas de duas maneiras: ocupação de uma região vazia ou conquista. Não se pode dizer que toda a conquista tenha sido feita através da força. Existem também a persuasão e a sedução.
Será verdade que as línguas se impõem e morrem como se impõem e morrem os impérios? Não se pode negar que, qualquer que seja a causa, determinadas línguas são mais importantes em determinadas épocas. E a importância de uma língua significa uma certa hegemonia do país que a veicula. Nem sempre uma língua se impõe sobre outra através de ordens do tipo “tal língua ou a morte”.  Muitas vezes um grupo aceita outra língua por considerá-la vantajosa no seu dia a dia.
A civilização abomina a violência, mas não consegue aniquilá-la. A violência veste máscaras e continua a fazer de vítimas a povos inteiros. Suavemente uma cultura se impõe à outra através de gastos em propaganda sobre filmes e livros e canções. Tudo através de uma língua. Num tempo já foi dito que ópera só em italiano (pobre Mozart!), filosofia só em alemão (pobre Russel!), cinema só em inglês (pobres de nós todos). O que não é dito é que atrás do filme vem o carro a ser vendido, atrás do livro vem um estilo de pensamento e atrás da canção uma maneira de ver o mundo. Trocamos a liberdade de descobrir nossas formas de vida pela liberdade de engolir formas de vida alheias aos nossos interesses.
É inegável a substituição de certos fatores culturais por outros mais complexos: o culto ao deus Dionísio se transformou na tragédia grega; é dessa forma que a civilização progride. O povo que influencia outro também sofre influências internas através de alterações provocadas por grupos mais fortes.
Ao contrário, é altamente questionável acreditar que só dessa forma se dê o progresso: isto é, para que haja progresso não pode haver a convivência entre culturas diferentes.

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O texto acima foi escrito antes do advento do computador. Se para cada objeto ou idéia é preciso uma palavra, o que aconteceu recentemente foi que o mundo inteiro ficou à mercê de uma inevitável avalanche de palavras inglesas. O muito curioso é que a maioria dessas palavras são do dia a dia dos falantes do inglês; exemplos, “to delete”, “site”, “link”.
Quero dizer com isto que palavras da língua inglesa já existentes foram adaptadas para algumas “ações” ou “ferramentas” ofertadas pelo computador. Mas, por causa de uma série de atributos ou partes da máquina, houve, sim, a necessidade da criação de novas palavras. Isto não é hegemonia mas é uma das facetas que a hegemonia apresenta, já que geralmente são os países mais avançados aqueles que espalham pelo mundo os novos filhos do progresso.
Não reconhecer que o inglês seja língua hegemônica atualmente é querer dar murro em ponta de faca. Mas afirmar que ela é internacional é burrice. Em muitos países muçulmanos o árabe é a língua mais falada (pensemos nas línguas tribais da África). O russo se mantém ainda como língua de comunicação nos países da falecida cortina de ferro. O mandarim e o hindi são línguas hegemônicas.
Afirmar que o mundo não precisa de uma língua internacional também é dar murro em ponta de faca. Mas admitir que essa língua tem que ser o inglês também é burrice.
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Esperanto? Pra quê? (2) Correspondendo-se…

ESPERANTO? PRA QUÊ? (2) CORRESPONDENDO-SE…

(nota: Esta pequena série de textos foi feita para um “folder” com o objetivo de informar sobre o Esperanto, na ocasião em que fui presidente da Associação Paranaense de Esperanto (1988-1989). Eu achava que os textos de então eram muito sucintos. Minha intenção era divulgá-los entre pessoas mais interessadas no assunto. Observo que a parte escrita a partir da linha de asteriscos está sendo acrescentada agora.)

    Um costume muito difundido antigamente e que está perdendo terreno nas relações humanas é o da correspondência. As causas são fartamente apontadas: viaja-se com mais frequência, o telefone contacta imediatamente, falta tempo para dedicar-se a esta tarefa de um aprofundamento suave e perene. Todavia, ainda que as distâncias se tenham encurtado, o planeta continua grande e caro para nós, terceiro-mundistas. A correspondência ainda é um meio de conversar com pessoas de outros países, acrescentar ao nosso humano aquele humano que nos é tão distante e ao mesmo tempo tão próximo.
    Mas eis que se levantam as águas da incomunicabilidade.
    Em que língua escrever? Na minha? Se for possível, excelente! Se não, eis-me diante de dicionários-labirintos, onde o Minotauro não devora mas transforma minhas emoções e meus conhecimentos em arremedos e confusão.
    É fácil falar de coração a coração? Ou dissertar sobre filosofia? Ou discutir algum novo aspecto da ciência? Na minha língua, até que pode ser. Se meu/minha correspondente não alcança minha ilha, como resolver o problema? Como decidir qual de nós merece o domínio de campo? Que armas serão usadas nessa batalha amiga, a minha língua ou a de meu correspondente? Que critério escolher?

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    Apesar de atualmente a internet ter acelerado e facilitado, de maneira inesperada e absoluta, a comunicação entre as pessoas, o problema da língua continua soberano, implacável, humilhante. A única diferença entre falar ou escrever numa língua que não dominamos é que na escrita temos mais tempo para correções e busca de palavras ou expressões. Quem está escrevendo na sua língua é sempre um concorrente mais forte. E toda pessoa que gosta de línguas e as estuda sabe das mil dificuldades para expressar algo mais complexo do que “minha cidade é bonita” ou “está chovendo bastante aqui”.
    Quase todo estudante de Esperanto recebe, em suas primeiras aulas, listas de pessoas do mundo inteiro para iniciar uma correspondência. Elas aparecem nas principais revistas internacionais. Na maioria das vezes estas listas apresentam nomes de iniciantes no estudo, para que a correspondência entre os elementos se torne uma prática a mais, podendo haver, inclusive, correção dos textos em sala de aula.
    Para aqueles que já alcançaram um domínio sobre a língua e conseguem escrever mensagens com fluência, a vantagem do Esperanto é a igualdade de posição entre os dois correspondentes. Vou citar exemplos.
    Musiquei há anos uma peça teatral de Marjorie Boulton, a fabulosa escritora inglesa bilingue. Encaminhei a ela mensagem em Esperanto, solicitando autorização para fazer um cd doméstico para distribuição entre os amigos. Recebi a autorização, num simpaticíssimo cartão onde se via um gatinho. Não me custou suor nem lágrimas. Se eu tivesse que escrever na língua dela, a comunicação me dificultaria um bom tanto e certamente pesaria na balança o fato de eu saber que ela é doutora em literatura.
    Mandei uma obra minha, bilingue, para os membros da Academia Internacional de Esperanto. Recebi, dentre outras mensagens, uma carta de um sueco, Christer Kiselman, acompanhada de dois artigos excelentes sobre as origens do Esperanto. Tivesse eu recebido este material em inglês, não o teria decifrado com tanta facilidade e tanto maior prazer.
    Há alguns anos, lendo pela primeira vez na vida – que vergonha! – a História de Heródoto, traduzida do grego antigo para o Esperanto, por Spiros Sarafian, encontrei num capítulo sobre o Egito Antigo uma narração que deduzi ser a origem de um intrigante conto que ouvi da boca de minha avó materna, analfabeta. Mensagem pra lá, mensagem pra cá, recebi a autorização do autor para postar o capítulo no meu saite, para que os eventuais leitores possam comparar as versões com dois mil e quinhentos anos de intervalo.
    Por que um brasileiro e um sueco ou um brasileiro e um grego deveriam se corresponder em inglês? Que condenação absurda e burra é esta?

    O objetivo do Esperanto, que é a facilitação na comunicação entre falantes de línguas diferentes, é atingido com a maior eficácia, na correspondência entre as pessoas. A internet atualmente enriquece de possibilidades o nosso dia a dia. O Esperanto já é um dos idiomas mais veiculados pela internet.

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