a cruzada das crianças – bertold brecht

A CRUZADA DAS CRIANÇAS 1939 – Bertold Brecht (1898-1956)

Nota: Meus 5 anos de Goethe não me autorizaram a traduzir do alemão, muito menos versos de Brecht. Fiz o que pude e minha amiga e colega na Faculdade, Adelaide Rudolf, professora e tradutora do Goethe Institut de Curitiba, muito ajudou em algumas dificuldades.

No ano 39, houve na Polônia
uma sangrenta batalha
que a aldeias e cidades,
numa fúria selvagem, amortalha.

As irmãs ali perderam seus irmãos
e as mulheres perderam seus maridos,
e entre fogo e escombros, as crianças
procuravam, em vão, aos pais perdidos.

E da Polônia não chegava mais
nem carta nem notícias de jornal
mas lá pros lados do leste
corria uma história sem igual.

Numa cidade, debaixo da neve,
lá pro leste, segundo se falava,
uma cruzada de crianças,
então, na Polônia começava.

As crianças famintas se juntavam
seguindo a passos curtos os caminhos
e iam recolhendo outras crianças
nas ruínas dos povoados vizinhos.

Queriam escapulir das batalhas
e daquele pesadelo tão voraz
e poder chegar a uma terra
onde pudessem encontrar a paz.
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oração a Deus – voltaire

ORAÇÃO A DEUS – VOLTAIRE (1694-1778)

    Não é mais aos homens, portanto, que eu me dirijo, mas a você, Deus de todos os seres, de todos os mundos e de todos os tempos; se a frágeis criaturas perdidas na imensidão e imperceptíveis ao resto do universo, for permitido ousar pedir algo a você, você que tudo concedeu, você cujos decretos são tanto imutáveis quanto eternos, digne-se olhar com piedade aos erros ligados à nossa natureza; que tais erros não se transformem em calamidades. Você não nos deu um coração para odiar nem mãos para nos degolarmos uns aos outros; faça com que nos ajudemos mutuamente a suportar o fardo de uma vida penosa e passageira; que as pequenas diferenças entre as roupas que cobrem nossos corpos débeis, entre todas as nossas línguas insuficientes, entre todos os nossos costumes ridículos, entre todas as nossas leis imperfeitas, entre todas as nossas opiniões insensatas, entre todas as nossas condições tão desproporcionais a nossos olhos, mas tão iguais diante de você; que todas estas pequenas nuances que distinguem os átomos chamados homens, não sejam sinais de ódio e de perseguição; que aqueles que acendem velas em pleno meio-dia, para celebrar você, suportem aqueles que se contentam com a luz de seu sol; que aqueles que colocam sobre a roupa um véu branco para dizer que é preciso amar você, não detestem os que dizem o mesmo debaixo de um manto de lã negra; que aqueles cujas roupas são tingidas de vermelho ou púrpura, que dominam uma parcelazinha de uma porçãozinha do barro  deste mundo e que possuem alguns fragmentos redondos de certo metal, usufruam sem orgulho daquilo que eles chamam de grandeza e riqueza, e que os outros os olhem sem inveja: pois você sabe que nessas vaidades não há o que invejar nem do que se orgulhar.

    Possam todos os homens lembrar-se de que são irmãos! Que todos tenham horror à tirania exercida sobre as almas, do mesmo modo como acham execrável a bandidagem que toma à força o fruto do trabalho e da indústria pacífica! Se os flagelos da guerra são inevitáveis, não nos odiemos, não nos dilaceremos uns aos outros no seio da paz e empreguemos o instante de nossa existência a bendizer igualmente em mil línguas diversas, do Sião à Califórnia, a sua bondade, que nos concedeu este instante.

do livro Tratado sobre a Tolerância por ocasião da morte de Jean Calas (1763), capítulo XXIII.

 

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A propósito da tradução de Medéia…

A propósito da tradução de Medéia, de Eurípides…

Comentários sobre tradução de textos clássicos.

Primeira reflexão: Todas as tragédias gregas são em versos. Não há rimas mas as frases apresentam ritmos ordenados (sequência de repetições de sílabas fortes e fracas). Os versos variam no número de sílabas e nas diferenças de ritmos, conforme sejam falas, falas com fundo musical, solos, corais; os corais variam conforme a emoção do texto cantado.

Segunda reflexão: De acordo com as características de cada língua, uma mesma idéia pode ser representada por frases curtas ou longas. Sabe-se que línguas que abusam das preposições apresentam textos mais longos do que aquelas línguas sintéticas, com declinações. Uma mesma frase varia, pois, em tamanho, de língua para língua. A língua inglesa, por exemplo, apesar de fazer uso de preposições, tem grande quantidade de vocábulos curtos, o que resulta em textos de frases curtas. (Há uma frase que, de brincadeira, é citada aos iniciantes no estudo da língua, para mostrar exatamente o contrário: Era uma vez um velhinho… Once upon a time, there was a litlle old man…)

Terceira reflexão: Esta diferença entre as características das línguas é um grande desafio para quem pretende traduzir, versificando, um texto em versos. A estrutura de um texto versificado acaba sendo uma jaula com medidas rígidas, onde devem ser ajustados a idéia, o número de sílabas, o ritmo e – mais modernamente – a rima.

Quarta reflexão: Esta dificuldade é resolvida de duas maneiras: 1. abandona-se a estrutura original em versos, assumindo-se a prosa; é um voo livre em direção à fidelidade. 2. aceita-se a jaula, ajustando dentro dela os elementos que compõem o texto, novamente, a idéia, o número de sílabas, o ritmo e a rima.
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