GIL VICENTE 01.  AUTO DA VISITAÇÃO (MONÓLOGO DO VAQUEIRO) – (1502)

o vaqueiro

Resumo:

     O rei: D. Manuel. A rainha: D. Maria. A noite: 07 de junho de 1502.  O príncipe João, que será o rei João III de Portugal, nasceu ontem. Agora, com a corte reunida, Gil Vicente, vestido de vaqueiro, apresenta-se com o seu Auto da Visitação. Sua entrada já é teatral: levou, do lado de fora, umas porradas de uns criados mas conseguiu bater pelo menos num deles. Admira a câmara, dirige-se à rainha e elogia o príncipe e seus parentes. Anuncia que outros companheiros do povo trazem presentes simples e, baseado em sua experiência, eles também terão arrancados os seus cabelos.

GV001. Vaqueiro (fala)

Pardiez! siete arrepelones

Me pegaron á la entrada,

Mas yo dí una puñada

Á uno de los rascones.

Empero, si yo tal supiera,

No veniera,

Y si  veniera, no entrára,

Y si entrára, yo mirára

De manera,

Que ninguno no me diera.

Mas andar, lo hecho es hecho:

(fala: Jorge Teles)

Continue lendo “GIL VICENTE 01.  AUTO DA VISITAÇÃO (MONÓLOGO DO VAQUEIRO) – (1502)”

PROJETO GIL VICENTE (apresentação)   

Nos três primeiros anos da Faculdade (Letras – Português) fui diretor do Grupo Gil Vicente, criado pela Professora Cecília Teixeira de Oliveira Zokner, diretora do Centro de Estudos Portugueses da Universidade Federal do Paraná. Nesse período montamos O Auto da India, O Velho da Horta e uma pantomima contando o episódio de Inês de Castro, com leitura de Camões na cena final (era o ano do quarto centenário da publicação de Os Lusíadas, 1972). O Grupo continuou, mas eu saí. Para as duas peças de Gil Vicente tinha criado melodias simples para as canções. Nessa ocasião adquiri a publicação da obra completa do autor, editada pela Lello & Irmão Editores (hoje Lello Editores Ltda.). Ao final do livro, além de excelentes glossários e índice, aparece a lista quase completa de todos os versos cantados. Na qualidade de músico amador, com rústicos conhecimentos de acordes para violão, aqueles versos eram uma tentação, pelo lirismo de alguns dos textos.

     Passou-se o tempo. Em maio de 2001, após uma série pequena de apresentações de O Corvo, de Poe, para a qual tinha feito uma tradução mais coloquial para o português e, no computador, uma música incidental, me senti num vácuo. “O que virá agora?”, abrindo ao acaso este ou aquele livro. E o Gil Vicente me deu aquele susto!  Em 2002, Quinhentos anos do Monólogo do Vaqueiro… É agora ou nunca!

A primeira tarefa foi compilar o material todo. Em que ordem? Não gosto da publicação por modalidade de peça:  não dá idéia da evolução do autor. No caso de Gil Vicente nem todas as datações são precisas. Fuçando aqui e ali, acabei por optar por uma sequência, em alguns aspectos discutível, mas suficiente para mostrar o fabuloso crescimento do  trabalho vicentino. Seis peças não apresentam canção. Para estas criaria um interlúdio musical como fundo de um texto dito por um personagem.

E o estilo? Não tendo conhecimento dos aspectos técnicos da música portuguesa na época nem acreditando que um tal resultado pudesse ser expressivo, resolvi me dar toda a possível liberdade para criar. Um ou outro texto mais medieval poderia receber um tratamento mais primitivo, isto de flautas e tamborins, por exemplo.

E à média de uma canção por dia, iniciei  a empreitada. “Teria eu capacidade para criar diferentes melodias para 150 títulos?” A 10 de maio escrevi no meu diário: “Estou criando melodias para as canções de Gil Vicente”. Dia 19 de maio: “Trabalho firme com as canções”. Ao chegar à canção número 32, “Muy graciosa es la doncella”, percebi que ninguém me seguraria mais. 29 de julho: “Estou na canção 61”. 07 de agosto: “Cheguei na 71“. 23 de agosto: “Passei a trabalhar pela manhã e à noite: atingi a canção 90”. Etc, etc. 21 de outubro: “Trabalhei pesado: terminei de manhã a última das 150 canções”.

O trabalho foi mais ou menos assim: de madrugada, geralmente das três às seis, compunha as melodias no teclado, anotando notas e acordes. No computador, depois, criava os arranjos, escolhia os instrumentos e dava o acabamento final. Novembro e dezembro foi para rever tudo e organizar as partituras para registro de direitos autorais (460 páginas!).

No feriadão de Natal gravei tudo no meu improvisado estúdio. Que decepção! Quatro horas, uma voz quase nunca afinada, saiu uma caca. Minha intenção, ai de mim!, quanta santa e infantil ingenuidade!, era enviar a editoras e gravadoras o material para ser lançado na semana do centenário…

Ainda que podendo não haver tempo hábil para posterior lançamento, tive que aceitar a idéia de regravar tudo, com vozes decentes e num estúdio com um aparato profissional. Conversei com o maestro Théo de Petrus, regente do coral  Canarinhos de Campo Largo. Telefonei para os cantores adultos, convidei Kátia Santos, à época estudante de canto lírico, e dois amigos, amadores como eu. Os cantores mirins emprestariam suas vozes a seis canções, entre as quais dois romances. Todo o trabalho dos cantores foi sem pagamento,  visando acertos futuros.

Ensaiamos, gravamos, repetimos e aperfeiçoamos, até o final de meu crédito junto ao Banco do Brasil. Não é fácil, brasileiro, funcionário aposentado por uma dessas estatais que não ajustam os salários de acordo com a inflação e servem de caixa dois para Brasília (*)… mas não falemos de porcos… acho que aconteceu um milagre. Ainda que algumas gravações precisassem de uma última burilada, o resultado geral foi satisfatório. E foi pena que um imprevisto impediu que os canarinhos gravassem. Nos ensaios percebi que a participação deles seria o ponto alto do trabalho.

Durante o período de ensaios resolvi fazer resumos e comentários de cada peça, para que os cantores se situassem melhor dentro do contexto de cada obra. Daí me veio a idéia de publicar os discos como anexos de revistas. Como uma revista apenas com texto não é tão atraente, resolvi acrescentar a cada resumo o desenho de um personagem, emoldurado como se fosse a carta de um baralho antigo. Os textos visam um público de estudantes jovens.        

     Este é o trabalho que pretendo, a partir de agora, incluir, peça após peça, neste “site”.

(*) IRB Brasil Resseguros S.A.

 

INTRODUÇÃO.   

Para se penetrar no fantástico mundo que é a obra teatral de Gil Vicente, algumas informação são necessárias.

Durante mais ou menos oitocentos anos a Europa viveu um período chamado Idade Média. Ruíra o último grande império agrário, Roma, por diversos motivos, um dos quais, o próprio tamanho. O Cristianismo se firmara como religião oficial e marcou todo este período. Todavia, aquela religião pura que os apóstolos tinham difundido foi se transformando aos poucos num jogo político sujo, criminoso e depravado. Papa era o que gastava mais dinheiro com compra de votos, venenos, punhais e corrupção. Aqueles mesmos que protegiam a Leonardo, Michelangelo e Rafael.

Durante toda a Idade Média o teatro, que vivera dias de glória na Grécia e  menos glória em Roma, se transformara numa arte exercida a custo por saltimbancos que moravam em carroções e visitavam as cidades com suas atrações, meio circenses, meio religiosas. No auge da Idade Média foi recriado dentro das igrejas um tipo de teatro para ensinar a religião e mais para a frente as apresentações passaram a ser feitas em frente às igrejas. Em 1210 o papa Inocente III proibiu os religiosos de exercer as atividades teatrais. Grupos leigos as assumiram.

As peças constavam de três categorias: mistérios, onde eram encenadas cenas tiradas da Bíblia, às vezes durando dias; milagres, que contavam milagres dos santos, conforme a tradição católica; moralidades, que ensinavam algo à platéia. Como mistérios, podemos citar todas as paixões de Cristo que ainda são encenadas no mundo inteiro, por ocasião da semana santa. Como milagre, um bom exemplo seria uma peça que contasse sobre o encontro de Cristo com Verônica. O Auto da Alma de Gil Vicente é um exemplo de moralidade.

Uma série de fatores deram fim à Idade Média e entre esta e a Idade Moderna aconteceu o renascimento. Gil Vicente pertence a esta transação. O renascimento não se deu ao mesmo tempo em toda a Europa. A península ibérica, patrocinadora dos grandes descobrimentos, artisticamente estava atrasada em relação à Itália, por exemplo.

 

BIOGRAFIA DE GIL VICENTE 

A biografia de Gil Vicente, como a de tantas outras importantes figuras da cultura mundial, está aprisionada em nebulosas de suposições. Poucos documentos, poucas pistas. É impressionante como, apesar da escassez de dados relacionados a sua pessoa, sua obra tenha permanecido quase que intacta, com apenas três vazios provocados pelos censores religiosos. Este fato é mais uma prova de que durante seu tempo ele reinou absoluto como um dos mais apreciados fazedores de cultura. Gil Vicente não pretendia fazer imprimir sua obra, ele assim se manifesta numa carta ao Rei D. João III, mas o faz a pedido deste, que considerou, entre outras coisas, que algumas peças não deveriam se perder por serem “de devoção”. Nasceu Gil Vicente em Lisboa, Guimarães ou Barcelos? Teria sido em 1465? Casou-se com Branca Bezerra com quem teve dois filhos: Gaspar e Belchior. Enviuvou em 1514? Casado com Melícia Rodrigues foi pai de Paula, Luís e Valéria. Um documento de 1513 menciona um Gil Vicente ourives da rainha D. Leonor e Mestre da balança. Alguém escreveu à margem do papel: “Gil Vicente trovador”. Tal anotação seria digna de crédito? A história do homem apresenta tantos e tantos “registros” sem qualquer veracidade… Certo é que a 08 de junho de 1502 Gil Vicente apresentou um monólogo à corte e a partir de então, durante trinta e quatro anos, contribuiu para os grandes acontecimentos da realeza portuguesa com apresentações teatrais. Seu trabalho se manifesta como um dos mais ricos arquivos de seu tempo. A fala de rústicos, pastores, nobres, religiosos… os costumes, a medicina, as superstições, os diferentes grupos étnicos que povoavam seu país… os vícios e as virtudes… as crenças e os hábitos ligados à religião…

A obra de Gil Vicente navega com facilidade entre muitos gêneros. Deixou-nos pastorais, farsas, comédias, autos de natal, cenas populares, dramas sentimentais, dramas hieráticos, milagres, moralidades… Sua linguagem é apropriada a cada personagem e situação, apresentando com muita naturalidade, seja um debochado linguajar carregado de expressões chulas, seja um refinado delírio poético. É através da obra que tentamos identificar Gil Vicente. Por suas citações sabemos da extensão de sua cultura, lidando com maestria com as línguas portuguesa e castelhana. O latim passeia pelos corredores de sua técnica poética com pouquíssimas impropriedades. Seus personagens repetem frases de Erasmo, o grande humanista que projetava devolver o cristianismo aos cristãos. E, principalmente, por seus virulentos deboches contra alguns aspectos de sua sociedade, conhecemos sua ética. Entretanto, por ser protegido na corte, Gil Vicente nunca levantou contra ela o dedo crítico. Este aspecto fala mais de seu tempo do que dele mesmo, já que a realeza era considerada uma coisa não só natural mas protegida por Deus. Contentemo-nos, pois, com sua obra. Navegando por suas páginas encontraremos um homem com um pé na idade média e o outro no renascimento. Explorou as formas antigas e esgotou-as, indicando os novos rumos a ser tomados. Nisto, ele se parece com Bach.

Poemaĉo kaj poemeto

Poemaĉo:

 

Dormema avino.

 

Avineto dormas, dormas,

pro dormemo kaj pro laco.

Avineto, kiam dormas,

furzas, furzas sur matraco.


Poemeto: 

 

La freneza horloĝo

 

Ĉik-tak-ĉik-tak.

Je la unua, kudril’ sentrua.

Ĉik-tak-ĉik-tak.

Kaj je la dua, silento brua.

Ĉik-tak-ĉik-tak. 

Kaj je la tria, multaĵ’ nenia.

Ĉik-tak-ĉik-tak. 

Kaj je la kvara, dolĉaĵ’ amara.

Ĉik-tak-ĉik-tak. 

Kaj je la kvina, japano ĉina.

Ĉik-tak-ĉik-tak. 

Kaj je la sesa, neado jesa.

Ĉik-tak-ĉik-tak. 

Kaj je la sepa, avino nepa.

Ĉik-tak-ĉik-tak. 

Kaj je la oka, amaso poka.

Ĉik-tak-ĉik-tak. 

Kaj je la naŭa, samec’ kontraŭa.

Ĉik-tak-ĉik-tak. 

Kaj je la deka, likvaĵo seka.

Ĉik-tak-ĉik-tak. 

Je l’ dekunua, feraĵ’ bambua.

Ĉik-tak-ĉik-tak. 

Je la dekdua, nigraĵo blua.