Gil Vicente 13. O VELHO DA HORTA (1512)

a moça

Resumo:

Entra um Velho orando um pai-nosso parafraseado: após uma expressão latina Gil Vicente acrescenta uma extensão da idéia (Pater noster criador, qui es in coelis poderoso, santificetur, Senhor, Nomem tuum, vencedor, nos céus e terra piedoso). Vem uma Moça para comprar verdura. Ele se perde de amores e se declara de imediato. Ela colhe algo e parte. Vem o Parvo, a mando da Mulher, chamando-o para comer. Ele não quer comer nem beber. Ao contrário, pede que o criado traga a viola. Vem a Mulher. Discutem. Ela insinua que está com ciúmes e ele confessa sua paixão. Expulsa-a.  Canta. Vem Branca Gil, alcoviteira, também a comprar verduras. Ele fala de seu amor e ela diz que vai ajudá-lo. Quando ela descreve a mocinha, ele desmaia de emoção. Branca Gil inicia uma longa e engraçadíssima ladainha, pois que dá nome de santo e santa aos nobres que assistem e pede que favoreçam o pobre do Velho. Ele acorda e a partir daí ela começa a explorá-lo. Vai, cena após cena, pegando seu dinheiro para comprar presentinhos para a Moça. Entra o Alcaide com soldados e leva presa a Alcoviteira, para ser açoitada em público. Uma Mocinha vem fazer um pagamento e fala do casamento do Moça. O Velho se desespera e lamenta seu estado de miséria, porque perdeu a fortuna.

GV029. Moça

Qual es la niña

Que coge las flores,

Sino tiene amores.

Cogia la niña

La rosa florida,

El hortelanico

Prendas le pedia,

Sino tiene amores.

(canta Carmen Ziege)

GV030. Velho

Volvido nos han volvido,

Volvido nos han

Por una vecina mala

Meu amor tolheu-me a falla,

Volvido nos han.

(canta João Batista Carneiro)

GV031. Velho

Pues tengo razon, señora,

Razon es que me la oiga.

(canta João Batista Carneiro)

GV032. Mocinha

Hua moça tão fermosa,

Que vivia alli á Sé…

(canta Katia Santos)

Comentário:

O tema do Velho apaixonado volta à pena de Gil Vicente. Aqui retratado com pormenores até o final trágico, quando ele acaba na miséria e a alcoviteira é presa para ser açoitada (“Já fui açoitada tres vezes, enfim hei de viver!”). Novamente uma engraçada galeria de tipos: o bobo, a mulher ciumenta, o velho ridículo e a aproveitadeira. Estranho costume o de açoitar a alcoviteira, em público, com uma mitra de papelão sobre a cabeça; leva-nos a concluir que o castigo era formal já que a sociedade não podia prescindir daquele tipo de serviço.

Mais tarde, em 1534, na peça Auto da Cananéia, Gil Vicente voltará a fazer uma paráfrase do Pai-Nosso. Então, Cristo fala a primeira metade em latim e apresenta o desenvolvimento da idéia em português versificado; a seguir, a segunda metade em latim e novamente o desenvolvimento.

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GIL VICENTE 11. FARSA CHAMADA AUTO DAS FADAS (1512)

fada

Resumo:

    Ginevra Pereira, feiticeira, se apresenta diante da corte. Explica aos reis sua profissão e se diz necessária para resolver problemas de amor das pessoas. Para isso, diz ela, é preciso invocar os mortos, andar nua pelos cemitérios. Está sendo perseguida por um meirinho, que é um policial da justiça da época. Resolve fazer feitiços diante de todos, para mostrar seu poder. Chama um diabo e este chega, falando uma algaravia (um francês da Picardia, ininteligível). Discutem. Ela fala em “Jesu” e ele começa a falar português. Manda que ele vá às Ilhas perdidas e traga três fadas marinhas (sereias). Ele traz do inferno dois frades, havia entendido errado. A Feiticeira manda que um deles faça uma pregação. Tomando o mote de Virgílio “amor vincit omnia” (o amor vence tudo) ele prega, fazendo alusões aos amores das pessoas presentes. A seguir ela entoa uma engraçadíssima paródia de ladainha. Vêm as Fadas, cantando. Estas passam a ler a sorte aos reis, príncipe e infantes. Para os demais lêem a sorte, relacionando cada um deles a um animal.

GV027. Fadas e Sereias

Qual de nós vem mais cansada
Nesta cansada jornada?
Qual de nós vem mais cansada?

Nosso mar he fortunoso,
Nosso viver lacrimoso,
E o chegar rigoroso
Ao cabo desta jornada:
Qual de nós vem mais cansada
Nesta cansada jornada?

Nós partimos caminhando
Com lagrimas suspirando
Sem saber como nem quando
Fará fim nossa jornada.
Qual de nós vem mais cansada
Nesta cansada jornada?

(cantam Carmen Ziege e Kátia Santos)

Comentário:

Texto quase todo em português. A fala do diabo é, inicialmente, em francês irregular. E o sermão do frade é em espanhol e em decassílabos. Eis uma das mais engraçadas peças de Gil Vicente. Pena que o final não tenha muito significado para nós modernos, por constar de alusões aos nobres e seus vícios e virtudes. Cabe observar que, num Portugal tão católico (após pouco mais de 20 anos a Inquisição se instalaria no país), o Autor apresentasse um tema tão perigoso, quase justificando-o. A apresentação de uma feiticeira que resolve, principalmente, problemas de amor, é uma situação semelhante a da alcoviteira, mulher que faz intermediação entre os amantes, geralmente em adultério. Eis a pacífica convivência entre as normas éticas e uma moral explicitamente hipócrita, que não escapa à observação de Gil Vicente. Muito do humor vem desse impasse. Os diálogos são ágeis e cômicos.

A canção das Fadas tem um texto triste e lírico. O dramaturgo se firmava como um dos mais importantes de sua época, original e ousado.

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GIL VICENTE 02. AUTO PASTORIL CASTELHANO (1502)

o anjo

Resumo:

Pastores guardam seu gado. Quando estão dormindo, um anjo aparece a um deles e anuncia o nascimento do Redentor. Um pastor explica aos companheiros as profecias sobre o nascimento do menino. Vão-se ao presépio, oferecem seus presentes e saem cantando.

GV002. Gil

Menga Gil me quita el sueño,

Que no duermo.

(canta Geovani Dallagrana)

GV003. Anjo

Ha pastor!

Que es nacido el Redentor.

(canta Jaqueson Magrani)

GV004. Todos

Aburremos la majada,

Y todos con devocion

Vamos ver aquel garzon.

Veremos aquel niñito

De agora recien nacido.

Asmo que es le prometido

Nuestro Mexias bendito.

Cantemos a voz en grito.

Con hemencia y devocion,

Veremos aquel garzon.

(cantam Geovani Dallagrana, Gerson Marchiori e Graciano Santos)

GV005. Todos

Norabuena quedes, Menga,

Á la fe que Dios mantenga.

Zagala santa bendita,

Graciosa y morenita,

Nuestro ganado visita,

Que ningun mal no le venga.

Norabuena quedes, Menga,

Á la fe que Dios mantenga.

(canta João Batista Carneiro)

GV006. Todos

Laus Deo

(canta Kátia Santos)

Comentário:

Esta seria realmente a primeira peça de Gil Vicente, com personagens definidos e um pequeno enredo. Há o pastor solitário e sonhador, que conhece as profecias e citações em latim, há o que gosta das festas da aldeia. Ainda é em castelhano. Aqui também já percebemos uma das características vicentinas: a introdução de frases em latim, algumas delas com palavras modificadas, ora por causa da rima, ora da métrica. Um exemplo:

“Porque este es el cordero

qui tollis peccata mundo (mundi),

el nuestro Adan segundo,

y remedio del primero.”

Nesta peça também Gil Vicente introduziu pequenos trechos de canções conhecidas na época, algumas encontradas na íntegra em Cancioneiros famosos.

Há um interessante momento cômico, quando Silvestre fala da família de sua recém esposa, onde todos têm sobrenomes engraçados, quase puro deboche, e do dote que recebeu.

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