Agamenon – Ésquilo

AGAMENON, de Ésquilo (tradução adaptada)

Nota: Fiz esta tradução adaptada para estudantes em 1973, visando uma futura leitura dramática. O objetivo era a demonstração do que é uma típica tragédia grega, na maioria das vezes nada mais que uma sequência de crimes hediondos, o homem antigo tentando criar critérios para uma justiça tão difícil de ser alcançada. O trabalho permaneceu até então no manuscrito, sendo resgatado agora. Parti de um texto em francês de Leconte de Lisle (1818-1894) e andei dando umas fuçadas num outro texto, também em francês, cuja brochura extraviou-se. Sei que em 1963/1964 foi publicada uma tradução em português (integral?), mas não sei se direto do grego.

    Ao fundo o portal do Palácio dos Atridas.

VIGIA: Eu bem gostaria que os deuses terminassem minhas penas, vigiar desde tanto tempo, como um cão, a ponto de conhecer com exatidão a rota das estrelas. E eis-me de novo vigilante, esperando o sinal de fogo que de Tróia deverá trazer a notícia da vitória; assim exigiu o coração da rainha Clitemnestra. E aqui, querendo cantar e assobiar para espantar o sono, acabo falando sozinho, lamentando a sorte dessa casa, o palácio de Agamenon, onde não existe mais a ordem antiga. (Vê a luz distante).
    Salve, archote, que faz nascer o dia dentro da noite e Argos se encher de coros para festejar o sucesso!
    Rainha! Rainha! Acordem todos, Tróia foi destruída, o sinal de fogo está proclamando de longe, Tróia caiu e Agamenon está de volta! Acordem todos! Quero ser um dos primeiros a saudá-lo! Já nem sei o que digo. Se o palácio pudesse falar, ele mesmo gritaria a novidade. Acordem! Acordem! Tróia caiu e o rei está de volta! (Desaparece no palácio. Pela direita, entram lentamente doze velhos, indo até a Orquestra).

CORO: Há dez anos já, que Príamo, o rei de Tróia, se viu diante de seu pior inimigo, Agamenon, que partiu deste país com uma frota de mil navios.
    Terríveis como abutres, gritavam cheios de ira. Qual foi a divindade, Apolo, Pan ou Zeus?, quem fez despencar sobre os culpados a fúria vingadora?
    Por causa de uma mulher, Helena, braços cansaram-se nas lutas, joelhos cairam na poeira dos campos de batalha, lanças foram quebradas, conforme a sorte que o deus tenha reservado a gregos e a troianos.
    O destino dos guerreiros já foi fixado. Aumentem eles o fogo dos sacrifícios, mais madeira e mais óleo! Nada adiantará agora! A inflexível cólera rejeitará as oferendas flamejantes!
    E nós, pobres velhos, temos que ficar por aqui à espera, errantes como um espectro que vaga em pleno dia. (Olham para o lado do palácio).
    E por que é que a rainha Clitemnestra, filha de Tíndaro, sacrificou aos deuses? Todos os altares estão queimando, os altares dos deuses do céu e os do inferno; os da casa e os da praça.

    Eu não compreendo estes sacrifícios e minha alma ansiosa, ora se enche de torturas, ora se vê devorada pela esperança.

    Eu quero, entretanto, lembrar do poderoso presságio que ocorreu quando da partida de nossos guerreiros vigorosos. Os deuses deixaram ainda uma força aos homens velhos: a fé. Direi do que aconteceu quando nossos reis se colocaram à frente dos vasos de guerra, lanças e braços dispostos à vingança; surgiram duas águias no céu, uma negra e uma branca. Surgiram do lado direito, devorando ambas uma lebre prenhe, gorda de filhotes, impedida que foi de fazer sua última carreira.
    O presságio é triste; que a vitória triunfe!
    Diante daquela visão, o adivinho da armada reconheceu nas águias os dois reis gregos, os irmãos Meneláu e Agamenon, e assim interpretou este presságio:
    Sim, com o tempo, nossos reis vencerão Tróia e os tesouros de Príamo serão despojos dos gregos. Mas cuidado! Algum deus indignado poderá evitar a ruína de Tróia.
    Ah!, é preciso implorar em grandes brados, é preciso implorar a Ártemis para que não venham ventos contrários, impedindo as naus da Grécia a sair ao mar, exigindo dos gregos algum terrível sacrifício, que venha despejar entre nós a discórdia. Pois a deusa Cólera está atenta e não se esquece jamais. Ela quer vingar uma criança!
    Tenho medo. Zeus ordenou que todo crime fosse punido. Não quero me lembrar das palavras do adivinho, quando anunciou as decisões divinas! Para que os ventos levassem nossos guerreiros a Tróia, era preciso que o rei Agamenon sacrificasse a Ártemis a sua própria filha!
    Os ventos não sopravam, os alimentos escasseavam, os tripulantes ameaçavam se dispersar e aquela demora sempre renovada enchia os guerreiros de aflição. Mas quando o adivinho pronunciou o nome de Ártemis e proclamou a sentença, todos bradaram desesperados.
    Agamenon se encheu de terror e falou: A sorte é cruel. Como ousarei degolar minha filhinha nos altares sagrados, manchando-me com seu sangue? Como ousarei desertar e abandonar meus guerreiros?
    Mas ele decidiu, de modo impuro, o sacrílego! Ele ousou sacrificar sua filha para que o mar levasse os navios, para ajudar uma armada a retomar uma mulher!
    Foi tudo vão, os apelos, as orações, nada convenceu aquele coração embriagado pela guerra. Ela foi levada como cabra, com os véus estraçalhados, apegada em desespero à terra, até que os guerreiros a amordaçaram e a amarraram para que cessassem as imprecações, impedindo-a de lançar sobre o pai alguma tremenda maldição.
    Tiraram seus véus e seu olhar feriu os carrascos.
    O que aconteceu depois, eu não vi. Eu não quero dizer.
    O futuro chegará quando for a hora. Até chegar, é preciso esperar; não adianta lamentar, por enquanto.
    (Surge Clitemnestra).
    Viemos homenagear teu poder, rainha, já que está vazio o trono de seu esposo. Que doce esperança é esta que te faz sacrificar a todos os deuses?

CLITEMNESTRA: Doce esperança será a aurora do próximo dia! Sua alegria há de sobrepujar qualquer expectativa. Os gregos conquistaram a cidade de Príamo.

CORO: Como? Tenho medo de acreditar!

CLITEMNESTRA: Tróia caiu! Estou falando claro?

CORO: A alegria me enche de lágrimas.

CLITEMNESTRA: Sim, seus olhos falam de seus sentimentos.

CORO: Mas você está segura disto?

CLITEMNESTRA: Tenho certeza! A não ser que algum deus esteja a me enganar.

CORO: Você se fia em sonhos?

CLITEMNESTRA: Não acredito nas visões de quem sonha.

CORO: Algum rumor que voou até o palácio?

CLITEMNESTRA: Seria eu uma criança para acreditar em qualquer coisa?

CORO: Quando caiu Tróia?

CLITEMNESTRA: Há poucas noites. E o rei Agamenon está chegando.

CORO: E que mensageiro seria tão veloz?, para chegar tão rápido.

CLITEMNESTRA: O fogo. Porque a fogueira era o sinal combinado. Como atletas que levam a tocha, nossos homens acenderam os fogos, um avisando ao outro, até que o último deles vibrou no ar o sinal de luz que foi visto por nossa casa. O aviso de que Tróia ruiu e Agamenon está chegando. Quando a distância era grande, armaram enormes fogueiras, conforme o combinado, e, assim, o aviso caminhou veloz, de colina em colina, voando sobre os abismos e engolindo as distâncias, até que chegou até nós.

CORO: O que você diz, rainha, é extraordinário. Quero agradecer aos deuses.

CLITEMNESTRA: A esta altura os gregos já destruíram Tróia. Eu imagino a cidade retumbar com os dois clamores que jamais se misturam: o dos vencidos e o dos vencedores. Uns, caídos no chão, abraçados aos cadáveres dos irmãos ou filhos de pais felizes, gemendo do fundo da garganta agora escrava, gemendo a morte daqueles a quem amavam. Os outros, farejando os despojos, roubando da cidade alguma coisa para comer. Tenho medo de que acabem não respeitando os deuses do país, para que não sintam o gosto da derrota após terem vencido. Que não tenham pretendido pilhagens sacrílegas. Pois que ainda terão que fazer o mesmo caminho para voltar. Que não tenham ultrajado os deuses, para que a vingança não seja despertada e venha exigir a expiação por algum crime cometido. Eis o que penso. Possa tudo correr bem daqui pra frente.

CORO: Você fala com sabedoria, rainha. Agora, quero dar glória aos deuses. (ela entra no palácio)
    Oh, Zeus, oh, noite amiga, que conquistou para nós tamanho esplendor.
    Levaram a ruína a Tróia, e nem criança nem homem feito conseguiu escapar da escravidão humilhante.
    Honro a Zeus que nos trouxe a vitória.
    Foi Páris que escolheu este destino para sua gente, traindo a amizade de quem o hospedou com um rapto adúltero.
    E Helena ousou o que ninguém ousara, entregando sua pátria aos preparativos de guerra e levando a Tróia a morte como um dote indesejável.
    E quantos, quantos, quantos se foram para cumprir destino tão funesto? Nós nos lembramos bem de todos os que partiram. Mas muitas casas só receberão as urnas com cinzas.
    Quantos gemidos, glorificando os heróis mortos em combate, caídos em luta sangrenta, por uma mulher que não lhes representava nada.
    Não seja o homem jamais um destruidor de cidades ou um escravo submisso!
    Tenho um medo escondido: os deuses e as fúrias não se aquietarão até se vingarem daqueles que derrubaram tantas vidas, troianas ou gregas.
    A notícia feliz está percorrendo rápido nossa cidade! Todos acordam, todos se levantam. Mas quem garantirá que isto não seja um engano, provocado por alguma divindade?
    Será suficiente uma tocha acesa, para que se deixe de sofrer? As mulheres geralmente acreditam mais no que desejam do que na realidade. Clitemnestra estará com razão?
    Saberemos já se estas tochas com suas luzes distantes e seus sinais de fogo estavam dizendo a verdade ou se tudo não passou da sedução de um sonho. Vejo um arauto que vem da praia, a cabeça coberta com ramos de oliveira. Ele há de trazer alguma novidade. Ou dirá de nossa vitória e de nosso rei… ou dirá… a idéia me enche de horror! Tomara seja um sucesso a acrescentar ao nosso sucesso! (entra um Arauto)

ARAUTO: Argos! Argos, terra de meus pais… Depois de dez anos, finalmente chego aqui. E de tanta esperança estropiada, pelo menos esta eu consegui atingir.
    Já tinha mesmo perdido a glória de poder me sepultar sob esta doce poeira de meu país!
    Enfim, cheguei, terra minha! Enfim, cheguei, sol de minha pátria! Ah, deuses protetores e benévolos! O mesmo palácio esquecido, com seus pórticos e esta estátua divina, cheia de sol.
    Que o seu olhar, deus Apolo, se encha novamente de luz ao receber o nosso rei ausente! Agamenon chega para encher de dia esta noite tão longa. Agamenon está de volta! Aquele que derrubou Tróia, revirou a terra, destruiu altares e templos de deuses estrangeiros, aniquilando toda a raça inimiga. Ninguém poderá dizer que o crime de Páris não foi castigado com dignidade! Raptando Helena e roubando nossos tesouros, ele atraiu a dor e a morte e a vingança sangrenta sobre sua gente. A foice da morte espalhou na casa e na pátria troiana o desespero e a dor.

CORO: Seja benvindo, mensageiro de meu rei.

ARAUTO: Benvindo, sim! Já não tenho medo de morrer.

CORO: Você sentiu saudades?

ARAUTO: Foi tanta a dor que não consigo conter meu choro!

CORO: Então você entende o nosso sofrimento.

ARAUTO: Como? Então esta terra também chorava por nós?

CORO: Quanta noite, à espera de alguma notícia, até que o pranto nos vencia.

ARAUTO: Mas por que tanta intranquilidade? Aqui tudo respirava segurança e sobre nenhuma cabeça pairava alguma ameaça iminente.

CORO: Sobre o que está acontecendo aqui, o melhor é ficar calado.

ARAUTO: Se eu tivesse tempo para contar de nossas canseiras… A vida debaixo das tempestades, os perigos sem fim que o mar apresentou aos nossos navios… E no cerco da cidade, dormindo a céu aberto, debaixo da umidade, as vestes cheias de vermes imundos! E o inverno eterno, tão frio a ponto de matar os passarinhos! E o verão, onde tudo parava debaixo daquele torpor horrível, sem a mais leve brisa.
    Mas de que serviriam estes lamentos? De que adiantaria lembrar aos vivos aqueles que não mais poderão se levantar da terra, trazendo à mente o desígnio de um destino fatal?
    Não, não, não… Chega de dor! Chega de miséria! Vou apenas repetir a mensagem recebida: Tróia caiu e a armada grega consagrou todos os despojos aos deuses protetores da Grécia!

CORO: Confesso que meu coração se enche de alegria. Mas é preciso levar esta mensagem ao palácio! Esta felicidade pertence a Clitemnestra. (entra Clitemnestra)

CLITEMNESTRA: Ah, há quanto tempo já que o mensageiro de fogo chegou ao palácio anunciando a destruição de Tróia. Meu coração se encheu de alegria. E apesar de não contar com a aprovação geral, fiz com meus criados fossem a todos os templos, para reavivar as adormecidas chamas dos altares. Todos me tomavam por louca mas eu me mantive fiel à mensagem que recebi.
    Para que ouvir agora narrativas da tua boca? Vou esperar o próprio rei, que retornou salvo da guerra.
    Que dia será mais iluminado a uma mulher do que aquele em que recebe de volta o seu marido, guardado por alguma divindade protetora.
    Vai até o navio e diz a Agamenon que estou aqui à espera, como sempre estive, cadela fiel e vigilante. E diga mais: que durante esta tão longa ausência, estive ignorante dos prazeres de um leito adúltero. Eis uma verdade que torna nobre a mulher que a profere. (volta para dentro do palácio)

CORO: A rainha não poderia ter sido mais clara. É preciso que você obedeça. Mas antes
eu gostaria de saber se o rei Meneláu, irmão de nosso rei, está a salvo.

ARAUTO: Se eu inventasse agora mentiras sedutoras, elas não durariam muito.

CORO: Fala a verdade!

ARAUTO: O navio do rei Meneláu desapareceu.

CORO: Vocês partiram juntos de Tróia? Foi a mesma tempestade que os separou?

ARAUTO: Foi exatamente isto que aconteceu.

CORO: E que dizem aqueles que se salvaram? Meneláu está vivo ou morto?

ARAUTO: Ninguém o saberia dizer.

CORO: Conte como aconteceu. Como foi esta tempestade que os deuses enviaram aos gregos?

ARAUTO: Cada coisa no seu lugar: não convém misturar os desastres dessa narrativa com as alegrias de um dia como o de hoje.
    Se eu chegasse, vindo da catástrofe, para trazer as mensagens de dor e de luto, contar das misérias da guerra e da fome, então uma dor a mais não justificaria ser negada. Mas eu entrei aqui coberto de ramos de oliveira, espalhei por onde passei um urro de alegria, como poderia agora ficar falando de tempestades e cadáveres boiando?

CORO: Somos velhos. Na nossa inatividade ansiamos por devorar todas as narrativas, para viver na imaginação o que nossos filhos e amigos sofreram na própria carne.

ARAUTO: Compreendo esta expectativa. Não teria muito a contar.
    Dois inimigos ferozes, água e fogo, se aliaram para nos destruir. Era uma noite escura e os ventos começaram a bater os navios uns contra os outros. Ouvíamos os estrondos no meio do nevoeiro e os vagalhões engoliram pedaços inteiros dos nossos barcos.
    Quando clareou o dia, o mar à nossa volta era só destroços e cadáveres. Por um milagre, não sofremos nenhum dano.
    Não sabemos dos outros, se continuam vivos ou se morreram. Talvez, a esta altura, estejam dizendo o mesmo de nós.
    Foi assim que Meneláu e os outros se perderam de nós. (sai)

CORO: Que fatalidade esta, que por causa duma só mulher se tenha perdido homens, barcos e cidades.
    Ela fugiu com o príncipe troiano e não sabia que, seguindo o sulco desmanchado de seu navio, multidões em fúria avançavam, munidos de escudos, para travar a luta sanguinária.
    A velha cidade do rei Príamo ainda não tinha acabado de entoar os cânticos sagrados pelas bodas de Páris e já gemia os cânticos da morte, vendo cair um a um os seus filhos.
    É como se tivessem criado um filhote de leão, separado da mãe. Foi alimentado, foi acariciado por velhos e crianças, enchendo a casa de risos.
    Mas ele cresceu e devorou aqueles que o amavam, devolvendo tristeza e sangue à casa que o criou.
    Foi uma sacerdotiza da Dor que eles criaram, enviada por algum deus funesto.
    Foi assim que ela chegou à cidade de Príamo, Helena, bela e serena, jóia inigualável, flor de desejo que espeta o coração. Mas, de repente, eis que a noiva leva à casa de Príamo a vingança que não se aquieta, sendo de dor e de lágrimas o dote que doou a Paris.
    Os homens têm dito sempre: felicidade que cresce muito, não morre estéril; da riqueza pode ser gerada a desgraça. Mas eu digo: não é a riqueza que gera a desgraça. É a impiedade! É a impiedade que gera filhos e filhas hediondos, desgraças e misérias intermináveis.
    A injustiça há de parir, agora ou depois, outra injustiça e atrás de cada injustiça há de voar invencível e negra a deusa do sofrimento.
    Ma a justiça brilha sobre os telhados escuros das casas onde existe a piedade. Não se ilude com o ouro dos palácios, mas escolhe apenas o que é puro, desconhecendo a glória ou a violência. E é a justiça que ditará sempre a última sentença.
(entram dois carros; num, Agamenon; no outro, Cassandra; Agamenon desce)

    Agamenon, nosso rei, como te saudar? De que maneira dizer de nossa veneração, sem estar aquém das honras devidas ou sem ultrapassá-las?
    Nós poderíamos gemer apenas na aparência ou poderíamos fingir um sorriso falso. Mas como rei, será necessário não se enganar com os olhos de quem fala, sabendo se é adulação enganosa ou dedicação.
    Fica sabendo que não aprovamos a decisão da guerra, apenas por causa de Helena, tentando trazer aquela desavergonhada de volta à casa e provocando a morte de muitos guerreiros.
    Mas depois passamos a desejar tua vitória e agora nos devotamos a quem partiu e venceu.
    Se for da tua vontade, será conveniente se inteirar sobre a lealdade daqueles que ficaram.

AGAMENON: Antes de tudo, quero saudar minha cidade e meus deuses, os protetores que me permitiram a vingança justa.
    Foi exatamente como eles o desejaram.  Escolheram a destruição da cidade de Tróia, desejaram aquele fumo negro e aquela cinza agonizante. Foram eles, que resolveram sobre nossa fúria, que decidiram sobre nossa vitória, inspirando o cavalo enganador, de cujas entranhas foi vomitado, no silêncio da meia-noite, o ferro sanguinário e o fogo destruidor.
    Eis os agradecimentos que dirijo às divindades de nossa terra.
    Quanto às tuas palavras, velhos amigos, penso como vocês e digo ainda:
    Acredito que haja amigos fiéis e acredito que haja traidores. Mas será nas assembléias públicas que resolveremos sobre o que não estiver correto. O mal será cortado e queimado, para que a cidade goze da antiga tranquilidade.
    Agora devo entrar, para honrar no sagrado de meu lar as divindades que me protegeram, trazendo-me de volta.

CLITEMNESTRA: (entra) Honrados cidadãos de nossa velha Argos, não quero ter vergonha de falar de meus sentimentos diante de todos. A ocasião impede que eu seja tímida. Não estou repetindo alguma lição que tenha decorado; mas preciso falar de meus sofrimentos durante a ausência de meu marido. Para uma mulher, bastaria a separação, para amargurar todo o período de ausência. Mas não cessavam de chegar aquelas terríveis mensagens que recebíamos, todas anunciando as misérias que sofria o rei. Se este homem tivesse sido ferido tantas vezes, de quantas tive notícias, ou se tivesse, de fato, morrido tantas vezes quantas me fizeram sabedora… ele haveria de se vangloriar por possuir o dom de muitas vidas.
    Quantas vezes, por tais rumores, desejei a morte.
    É por tudo isto que não está em casa o nosso filho Orestes, prova da minha fidelidade. Temendo uma revolta do Conselho, desiludido pela demora de sua volta, enviei-o à Fócida, para que não corresse o risco de ser morto pelos nossos homens cheios de ira. Minhas lágrimas secaram. Na obstinada vigilância de teus sinais de fogo fugiram a luz de meus olhos.
    E agora, depois de tanto sofrer, posso enfim te chamar de cão fiel, coluna mestra de minha casa, terra que surge de repente ao marinheiro sem esperança.
    Minha alegria vem expulsar o muito que sofri.
    Agora, entra no palácio, mas sem pisar no chão, meu rei. Estes pés que destruiram Tróia… por que demoram, escravas, a cobrir o chão como já ordenei?
    Que se faça para teus pés um caminho púrpura, por onde a Justiça te conduzirá à inesperada porta de tua nova morada!
    Depois, com o auxílio dos deuses, um pensamento que nem o sono consegue vencer, um pensamento decidido cumprirá a vontade do Destino!

AGAMENON: Clitemnestra, guardiã de minha lareira, demorada foi minha ausência e demoradas foram tuas palavras. Mas por que está me louvando? Melhor seria ouvir elogios de estranhos. E por que essa acolhida tão luxuosa e cheia de honrarias, como se eu fora um deus ou você mesma uma bárbara? Este caminho púrpura pode acordar a inveja. Tenho receio de caminhar sobre tantos tecidos, sou mortal, não a estátua de uma divindade sob a qual é costume estender tapeçarias preciosas.

CLITEMNESTRA: Mas por que estes cuidados? Alguma promessa escondida?

AGAMENON: Só a teria feito, se alguém me tivesse instruído.

CLITEMNESTRA: Se Príamo tivesse vencido, não teria caminhado com glória sobre as tapeçarias?

AGAMENON: Acredito que sim. Mas eu temo a voz de meu povo. Sua força é muito grande.

CLITEMNESTRA: A inveja só atinge aquele que é digno de ser invejado.

AGAMENON: É tão importante assim que eu me convença e aceite a tua proposta?

CLITEMNESTRA: Sim. Gostaria que você entrasse no palácio com toda a glória.

AGAMENON: Então, que seja. Escravo, desamarre minhas sandálias. No pisar estes tecidos, não me vejam os deuses, pois é vergonhoso pretender igualar-se aos imortais.
    Está vendo esta estrangeira? É Cassandra, a filha do rei Príamo. Coube-me por sorteio, quando os despojos foram retalhados entre os chefes gregos. Trata-a com doçura, pois ninguém escolhe a escravidão por sua própria vontade.
    E, como você me convenceu, entrarei em minha casa pisando no vermelho desses tecidos (entra).

CLITEMNESTRA: É o mar infinito e interminável. Esse mar alimenta e renova as tintas da púrpura com que pintamos nossos tecidos. Temos a púrpura e a prata. Nossa casa continua rica.
    Obediente ao oráculo fatal, no desejo de receber essa visita tão cara, mais púrpura teria espalhado no chão, se os deuses o tivessem ordenado.
    A tua volta, Agamenon, é como o dia de verão no meio do inverno. Chegou minha hora.
    Zeus, Zeus, poderoso, aquele que dá o fim a todas as coisas, dá agora fim a meus desejos. Realiza por meio de mim aquilo que é justo realizar. (entra no palácio, cuja porta fica aberta)

CORO: Por que de repente sinto este terror que voa em torno de meu coração carregado de pressentimentos? Por que pairou na minha garganta comovida um cântico engasgado, um cântico profético? Por que não consigo cuspir e esquecer, como se faz com estes sonhos obscuros, devolvendo à minha calma a sua doce segurança?
    Já envelheceu o tempo, desde os dias distantes em que as areias foram pisadas com violência, sob os pés de nossos marinheiros armados. E agora, apesar de estar vendo o seu regresso com meus próprios olhos, apesar de ser eu mesmo testemunha da vitória, sinto no fundo da alma um cântico sem lira, um trinado de fúrias, nunca antes entoado, sem ter a pequena coragem de ter esperança!
    Tenho medo porque sei que é sempre realidade este anúncio de minhas profundezes, quando sinto dentro de mim a louca dança que agita minhas entranhas carentes de justiça!
    Tomara seja tudo isto mentira ditada pelos meus receios.
    É verdade que a casa é rica e próspera. Como hábeis timoneiros, sua barca foi manobrada no meio dos recifes escondidos. Os deuses protetores e as estações fecundas afastaram a fome e a doença do palácio de Agamenon.
    Mas, uma vez derramado o sangue negro num assassinato cruel, nenhum mágico o fará correr novamente nas veias daquela que caiu. Teria sido em vão que Zeus fulminou aquele que teve a ousadia de ressuscitar um homem? Não foi bem para nos avisar que a morte é irreparável?
    Ah, se meu coração não estivesse oprimido por alguma divindade, ele poderia se adiantar aos fatos, adivinhar o horror e proferir a terrível revelação. Mas eu só consigo tremer de dor, sem que uma palavra mais certeira desvende o conselho de meu peito em fogo. (Clitemnestra surge no pórtico)

CLITEMNESTRA: Cassandra, entra também. Uma vez que Zeus te destinou a ser nossa hóspede, abandone o orgulho e venha. Quando a escravidão é inevitável, melhor que seja para servir numa casa próspera. Aqui você terá toda a atenção.

CORO: Cassandra! Foi com você que ela falou. Colhida nesta rede do destino, o único remédio é obedecer. Ah, você tenciona desobedecer?

CLITEMNESTRA: Se sua linguagem não for bárbara e confusa, como a da andorinha, creio que conseguirei convencê-la.

CORO: Cassandra! É melhor assim! Venha! Obedeça!

CLITEMNESTRA: Não tenho tempo para perder aqui. Lá dentro está a vítima pronta para o sacrifício, à espera do golpe mortal, diante do altar. Se você me entende, venha! Mas se não me entende, ou se não consegue falar a nossa língua, fala-nos com teus gestos estrangeiros.

CORO: Tenho a impressão de que não entende nada. Tem bem o ar da caça que acabou de ser feita prisioneira. (Cassandra entra em delírio profético)

CLITEMNESTRA: Mas ela está entrando em delírio profético! Não consegue ainda aceitar o freio, sem o molhar com a espuma cheia de sangue. Não quero mais ficar aqui. (entra)

CORO: Cassandra! Cede aos acontecimentos. Venha! Nós sentimos uma imensa compaixão por ti.

CASSANDRA: Ah, Éter, deus do ar! Gaia, deusa da terra! Apolo! Apolo!

CORO: Por que invocar Apolo com esta voz? Ele é um deus festivo, não aceita o culto dos gemidos.

CASSANDRA: Ah, Éter, deus do ar! Gaia, deusa da terra! Apolo! Apolo!

CORO: Novamente ela invoca esse deus a quem não se deve jamais dirigir algum lamento!

CASSANDRA: Apolo! Apolo! Estou sendo destruída novamente. Onde me trouxe este teu caminho negro?

CORO: Está adivinhando a própria desgraça. Reparem como é o sopro da divindade, que penetra em sua alma escrava.

CASSANDRA: Apolo! Apolo! Estou sendo destruída novamente. Onde me trouxe este teu caminho negro? A que morada? A que morada?

CORO: À morada do rei Agamenon! À casa dos Atridas!

CASSANDRA: Ah! A casa dos Atridas! Odiada pelos deuses, cúmplice de assassínios, ao matadouro cheio de cabeças degoladas e encharcado de sangue!

CORO: A estrangeira tem um faro de cadela! Está farejando e acabará por descobrir algum rastro de sangue!

CASSANDRA: Ah! Eu acredito neste testemunho: uma virgem amordaçada, chorando diante da assembléia guerreira!

CORO: Já conhecemos tua fama de adivinha! Não precisamos de profeta!

CASSANDRA: E foi o próprio pai, o rei, que ousou degolá-la? Foi o próprio pai que a assassinou, para que os ventos levassem a morte além dos mares?

CORO: Já conhecemos estes males.

CASSANDRA: E que festim hediondo se prepara agora neste palácio? E a salvação está tão longe!…

CORO: Não estou compreendendo mais o que ela vaticina…

CASSANDRA: Ah, desgraçada! Como ela tem coragem para isto? Está dando banho no marido, para depois… como dizer? Está chegando a hora! Dois braços que se levantam, um depois do outro, para ferir!

CORO: Suas palavras são incompreensíveis demais! Não estou entendendo…

CASSANDRA: E que rede é esta? Não é a rede do inferno? Mas não é ela mesma, a cúmplice do assassinato? O bando louco das fúrias soltará finalmente o grito de vitória diante da consumação de sacrifício tão hediondo!

CORO: Que divindades terríveis são estas que você está querendo atrair ao palácio?
    Sobre a minha alma se precipita uma onda densa, como aquelas que acompanham os guerreiros abatidos, no  momento fugidio dos últimos clarões da vida.

CASSANDRA: Cuidado! Cuidado com a vaca! Ela apanhará na rede o touro dos chifres negros e ele será ferido de morte! Cairá na banheira de seu último banho. Prestem atenção na história dessa banheira assassina!

CORO: Estou começando a ter medo desse terrível oráculo! Tenho medo de estar compreendendo a verdade…

CASSANDRA: Ah! E eu? E eu? Que sorte terrível!
    Apolo, Apolo! Até onde me trouxe este teu caminho negro, se não para morrer também? Para quê? Para quê?

CORO: Está delirando e prevendo a própria morte. Mais parece o rouxinol a chorar uma vida cheia de dor.

CASSANDRA: Ah, o destino do rouxinol não é como o meu. A ele os deuses deram asas e uma vida sem lágrimas. Mas a mim, o que me espera lá dentro é o fio agudo de uma espada!

CORO: E de onde te vêem estas profecias de desgraças? Por que este gemido interminável e estes apelos? De quem são estas palavras sinistras?

CASSANDRA: Ah, bodas de Páris, meu irmão, que perdeu toda a nossa gente. Ah!, rio de minha terra, há tão pouco estive eu a profetizar em tuas margens! E daqui a poucos momentos estarei profetizando nas margens do rio do inferno!

CORO: Eis aí uma frase clara e dolorosa. O oráculo já é certeiro e parece ferir com a sua infelicidade.

CASSANDRA: Ah, minha pátria, minha Tróia, arrasada para sempre! De que valeram as hecatombes aos deuses, quando meu pai degolava e queimava os melhores bois de nossos prados? E eu, eu também serei sacrificada, com o espírito perdido nas chamas do delírio…

CORO: São as mesmas misérias que ela chora. Que deus estaria perdendo esta criatura? Que cólera divina estaria obrigando-a a estes lamentos tão proféticos? (Cassandra desce do carro)

CASSANDRA: O oráculo não será mais velado. Já não falarei enigmas, quando começar a vaticinar noutro vagalhão de previsões mais terríveis.
    Sejam testemunhas de minhas predições. Elas continuam neste palácio, as fúrias vingativas, entoando o hino de desgraças com vozes dilaceradas. Aqui já estavam alojadas, nos criminosos festins da casa dos Atridas, o palácio de Agamenon. Foi aqui que se alojaram, depois de beber o sangue de Ifigênia. Estou falando a verdade? Ou serei uma falsa adivinha, dessas que andam profetizando mentiras de porta em porta?

CORO: É espantoso como você fala dos crimes dessa casa, como se os conhecesse. Quem te deu este dom?

CASSANDRA: O mesmo deus que agora vai me deixar ser destruída. Apolo!

CORO: E por que motivo te faria profetiza? Estaria apaixonado?

CASSANDRA: Outrora eu teria vergonha de falar sobre isto. Ele se encontrou furtivamente comigo e me prometeu o dom de profetizar. Mas, depois de ter me transformado em adivinha, eu o enganei e o rejeitei.

CORO: E ele te deixou sem castigo?

CASSANDRA: Ele me desacreditou diante de meus concidadãos. Fez com que ninguém mais acreditasse em mim.

CORO: Mas, para nós, no entanto, suas palavras têm uma força horrenda e atingem profundamente o alvo de nossos terrores.

CASSANDRA: Ah! Apolo! Novamente esta loucura profética me estremece, me enlouquecendo!…
    Estão vendo ali, estão vendo ali? Aquelas crianças junto ao palácio, semelhantes às sombras de nossos sonhos! São filhos assassinados pelos próprios pais, os pais que têm as mãos cheias da carne assassinada, pasto dos abutres carniceiros.
    E eu declaro mais, eu asseguro que está dentro desta casa o leão covarde, escondido atrás do manto de uma mulher, temeroso das guerras, aquele que preferiu ficar rolando no leito adúltero, tramando na escuridão a morte de meu senhor Agamenon.
    O destruidor de Tróia, o herói, o rei dos guerreiros, não sabe que essa cadela, atrás da voz doce e do sorriso de mel, está preparando o destino mais atroz. Que nome te darei, fêmea monstruosa? Dragão de duas cabeças? Mãe do inferno?
    Ouviram, ouviram como a assassina deu o grito de vitória? E todos pensando que era a alegria pela volta do marido.
    Vamos esperar para ver e vocês serão testemunhas de minhas profecias.

CORO: Percebi que ela falou do festim de Atreu, quando o pai de Agamenon preparou um banquete para o irmão, com a carne dos sobrinhos. Depois falou de Ifigênia. Mas do resto, o terror me impediu e eu não compreendi do que se tratava.

CASSANDRA: Pois eu digo que vocês verão daqui a pouco a morte de Agamenon!

CORO: Cala a boca, desgraçada.

CASSANDRA: Não é a minha voz que vai assassiná-lo. Estou falando daquilo que sei que acontecerá.

CORO: Que os deuses nos protejam.

CASSANDRA: Proteger contra aquilo que tem que acontecer? De que adianta pedir aos deuses, se estão lá dentro aqueles dois que planejam a morte do rei.

CORO: Mas quem teria esta ousadia?

CASSANDRA: Como parecem obscuras as minhas palavras! E no entanto eu não poderia falar mais claro.
    Ah, que fogo é este? E ele vem pra cima de mim! Piedade, Apolo! Piedade!
    A leoa dormiu com o lobo e agora quer matar o leão. Está afiando o punhal e já preparou a minha porção. (retira de si os enfeites)
    É o próprio Apolo que está me perdendo. Ridicularizou-me diante de meus parentes e tive que perambular como uma mendiga. E agora me faz novamente acreditada, agora que não tenho outra coisa a adivinhar se não minha própria morte, quando serei degolada.
    Mas os deuses não esquecerão a minha morte! O vingador virá, o filho de sua mãe, que há de matá-la para fazê-la pagar o assassínio de um pai. Banido e vagabundo, ele virá coroar esta sequência de crimes. O grito de morte de um pai atingido há de conduzi-lo até o seu objetivo.
    E por que chorar esta morte iminente, depois de ter visto tanta miséria. Meu pai assassinado, minha mãe arrastada pelos guerreiros ferozes, minhas irmãs imoladas em piras funerárias e todo meu povo trucidado numa só noite de agonia. Por que chorar ainda?
    Eu saúdo estas portas da minha morte, desejando apenas que o golpe seja fatal; não quero morrer entre extertores e convulsões.

CORO: Cassandra! Se você sabe, de fato, que vai morrer, por que vai tão cheia de coragem, como animal que vai para o sacrifício?

CASSANDRA: Nada me salvará! De que adianta uma hora mais?

CORO: Os últimos momentos são os mais preciosos!

CASSANDRA: Ah, meu pai! Ah, meus irmãos… (vai até a porta mas recua)
    Ah!
    Está cheirando a sangue!

CORO: É o sacrifício feito aos deuses…

CASSANDRA: Não! É mais o cheiro que escapa de um túmulo!
    Estrangeiros! Não pensem que sou como o pássaro que pia cheio de medo! Não! Quero apenas que sejam testemunhas do que eu profetizei. E quando, mais tarde, para pagar meu sangue de mulher, cair outra mulher, e para pagar o sangue desse esposo, cair outro homem, sejam testemunhas do que eu profetizei. Eis o que peço a meus hóspedes na hora da minha morte.
    Uma palavra última… não quero tecer interminável cântico em torno de minha morte. Mas eu peço a você, luz do sol, eu peço que meus assassinos paguem caro esta dívida, que vai ser me matar tão facilmente. (entra no palácio)

CORO: Ah, o destino humano.
    A felicidade é apenas um desenho nublado; três golpes de esponja e a desgraça apaga o que existia.
    Este homem, a quem os deuses fizeram poderoso, permitindo-lhe vencer todo um povo, ei-lo em casa. E se estas profecias se cumprem e em vingança de uma morte terá que vir outra morte, e para esta outra morte mais mortes ainda… quando terá fim esta série de atrocidades?

AGAMENON: (de dentro) Socorro! Estou sendo ferido. (gritos)

CASSANDRA: (de dentro) (gritos)

CORO: Quem está gritando? Quem está gritando?
    O crime se cumpriu.
    Socorro! Socorro!
    Mataram o rei! Socorro!
    Vamos entrar lá dentro para surpreender os criminosos!
    Nós não podemos ficar aqui parados.
    É melhor esperar, isto é o princípio de tudo e é sempre assim que a tirania toma conta dum país.
    Mas não vamos poder ressuscitar o morto com palavras.   
    Não podemos admitir que os assassinos continuem impunes!
    Mas quem disse que o rei morreu?
    Eu irei lá dentro saber o que aconteceu ao atrida. (abre-se a porta. Clitemnestra sai com a espada ensanguentada)

CLITEMNESTRA: Vim aqui, diante de vocês, para desmentir as palavras amáveis com que eu recebi o rei, para que ele não desconfiasse do que eu estava tramando. E vim avisar que matei Agamenon.
    Há quanto tempo eu esperava por este momento! Demorou mas meus desejos se cumpriram. Finalmente dei cabo dele. Estava de tal modo feita a cilada, que ele não pode fugir. A rede estava armada sobre a banheira onde tinha preparado seu último banho. Ele arfou como um peixe mas dois golpes e seus membros tombaram. Vibrei a espada pela terceira vez, oferecendo este último golpe a Zeus, guardião dos mortos. Foi uma só golfada de sangue quente e negro.
    Eis tudo o que fiz. Gostem ou não, eis o que apresento como minha maior vitória. Pudesse eu fazer libações sobre o seu corpo e seria um ato mais que justo: foi a taça de crimes que ele encheu nesse palácio e agora eu o obriguei a  bebê-la.

CORO: Esta linguagem está cheia de insolência. Envaidecer-se assim, por ter assassinado o marido!

CLITEMNESTRA: Não me interessa o que vocês pensam: louvor ou censura, para mim tanto faz. Ali está Agamenon, o rei, derrubado por esta mão.  Eis o que eu chamo de um excelente trabalho.

CORO: Que ervas envenenadas você comeu, infeliz, para perpetuar tal crime e pretender se esquivar às maldições de um povo. Você vai ser banida. Cairá sobre a tua cabeça o ódio do povo de Argos.

CLITEMNESTRA: Hoje querem me condenar, clamando contra mim o ódio do povo! E o que foi que fizeram, quando ele escolheu, como quem tira a melhor ovelha do rebanho, quando ele escolheu a própria filha para sangrá-la, a minha Ifigênia, para que começassem a soprar os ventos da Trácia? Quem levantou a voz e decretou seu exílio?
    Mas o que interessa tudo isto? Podem me ameaçar como quiserem! Estou pronta para revidar. Se vocês vencerem, serei dominada. Mas se os deuses me protegerem, vocês aprenderão uma lição, ainda que tão tarde.

CORO: Você está louca! Bêbada de fúria, acreditando ser justo o sangue que te mancha a veste. Todos te abandonarão e os crimes serão resgatados, um a um.

CLITEMNESTRA: Pois querem saber o que penso? Em nome da minha filha assassinada, em nome da Fatalidade, em nome das Fúrias, a quem sacrifiquei este rei, não terei medo de ninguém, enquanto estiver Egisto à sombra de minha lareira. Ele é o escudo que me guardará.
    Mandei pra debaixo da terra o homem que me ofendeu, o rei de Argos, o herói excelso de Tróia. E a ela também, essa vidente que partilhou com ele o mesmo leito. Não fui injusta. Ele caiu primeiro e logo ela, depois de gemer o canto derradeiro, como o cisne diante da morte.

CORO: Eis o desenlace das loucuras de Helena! Destruiu todo um povo e encerrou a série de misérias com este sangue que jamais poderá ser lavado.

CLITEMNESTRA: Não foi ela a única culpada por essa praga terrível que assolou todas as gentes!

CORO: Uma divindade furiosa fez morada neste palácio! Dele estar lá dentro, curvada sobre o cadáver, como um corvo soturno, cantando o hino da vitória.

CLITEMNESTRA: Foi esta divindade que me guiou. Foi está Fúria que já bebeu antes o sangue de nossa família.

CORO: Agamenon, Agamenon! Com que palavras te chorar? Preso na teia da aranha, perdeu sua vida.

CLITEMNESTRA: Eu fui na verdade o instrumento da Justiça. Estou inocente!

CORO: Inocente? Quem teria o atrevimento de proclamar isto?
    Ali está meu rei caído num leito de escravo, vítima de um crime astucioso, abatido pela arma de dois gumes.

CLITEMNESTRA: Não foi uma morte injusta! E minha filha, a filha que tive deste homem, a minha Ifigênia?

CORO: Terra, terra, que há de cobrir o corpo deste rei. Quem procederá os rituais? Quem vai entoar os cantos sagrados

CLITEMNESTRA: Estes cuidados são meus. Foi morto por meu braço, será sepultado por mim. Eu mesma entoarei os cânticos. Quero acordar o espírito de minha filha, Ifigênia, para que ela o receba do outro lado do rio da vida.

CORO: Terra, terra, que há de cobrir o corpo deste rei. Ao culpado, o castigo. É a ordem de Zeus e reinará enquanto Zeus reinar.

CLITEMNESTRA: Sei que não será fácil, mas estou disposta a suportar a angústia da maldição que paira sobre esta casa. (entra Egisto)

EGISTO: Ah, dia da justiça! Agora quero acreditar que em verdade existem os deuses que vingam os crimes da terra.
    Lá está o herói. Foi feita a justiça. Este homem pagou os crimes de seu pai.
    Fiquem sabendo todos que fui eu que tramei o assassinato. Fui exilado pelo pai deste homem mas me escondi e penetrei  no palácio para combinar esta morte. Ah, dia da justiça!

CORO: Vem diante de nós falar com insolência? Digo que não vai escapar da condenação das pedras e das maldições.

EGISTO: Quem são vocês?, infelizes, que sentados no banco mais baixo dos remadores, querem levantar a voz contra os chefes que comandam o navio? Fiquem sabendo que sei como lhes dar uma lição e apesar de velhos aprenderão a obedecer, porque a tortura do ferro e da fome é eficiente.

CORO: E você, sem-vergonha, que urdiu a morte do chefe enquanto ele pelejava na guerra?

EGISTO: Calem-se. Ou terão motivos para se arrepender. Fiquem sabendo que sou eu o soberano de Argos!

CORO: Soberano de Argos! Por que não teve coragem de matar o herói você mesmo?

EGISTO: As paredes vão te amansar, desgraçado, juntamente com a fome!

CORO: Por que foi ela e não você, quem derrubou o rei? Covarde, covarde, escondido atrás do manto de uma mulher. Vamos esperar por Orestes!

EGISTO: Guardas! Guardas!

CORO: Amigos!… As espadas! As espadas!

EGISTO: Também tenho espadas!

CLITEMNESTRA: Egisto! Não! Chega de desgraças. Há já tanto sangue derramado!
    Vão-se daqui, vocês, antes que aconteça o pior! Já chegam as Fúrias do remorso que vamos suportar.

EGISTO: Eles me insultaram e pagarão por isso!

CORO: Nunca aceitaremos um covarde para rei!

EGISTO: Vão me pagar, palavra por palavra.

CORO: Orestes voltará!

EGISTO: Os exilados se alimentam de esperança!

CORO: Aproveita enquanto puder, manchando a justiça!

EGISTO: Não ficarão sem castigo. Não esqueçam isto!

CORO: É um pobre galo que rodeia a sua galinha!

CLITEMNESTRA: Egisto! Vamos para dentro. Deixa que fiquem latindo à vontade. Precisamos saber agir, para manter o domínio do palácio. Vamos entrar. (entram os dois no palácio; o Coro se retira aos poucos).

Curitiba, 1973.

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