Medéia – Eurípides

MEDÉIA, de Eurípides

(Tradução do texto integral)

Nota: Esta tradução foi feita do francês, por puro exercício, em 1968. Parti da tradução de Louis Méridier. Em 1970 Silnei Siqueira dirigiu Cleyde Yáconis numa Medéia fantástica, que veio a Curitiba. Eu cursava o primeiro ano de Letras da UFPR. A pedido do professor Oswaldo Arns, de Teoria Literária, a quem tinha falado da tradução, emprestei meu texto datilografado aos colegas, antes de assistirmos a peça. O entusiasmo foi tal, que o professor ofereceu um curso de Grego num dos horários vagos. Quem se lembra?


AMA: Quisesse o céu que o navio Argos, no seu vôo para a terra da Cólchida, não tivesse ultrapassado as ilhas Simplégadas de sombra azul; que nos vales do Pélion jamais o pinheiro fosse abatido pelo machado e não armasse com remos as mãos dos valentes que fizeram para Pélias a conquista do velocino de ouro. Medéia, minha ama, não teria singrado até as muralhas do país de Iolcos, para viver com Jasão, tendo o coração perdido de amor. Agora ela foi atingida em suas afeições mais caras. Traidor de seus dois filhinhos e de minha ama, Jasão casou-se com a filha de Creonte, o soberano do país. E Medéia, infortunada, sob os golpes do ultraje, invoca o sacramento do casamento e faz dos deuses testemunhas da recompensa vil de Jasão. Ela está sem alimento, abandonando seu corpo ao desgosto, consumindo todos os seus dias em choro, desde que ouviu a injúria do seu esposo, sem levantar mais o olhar, sem despregá-lo do chão; semelhante ao rochedo ou à vaga dos mares, ela é surda às palavras de seus amigos. Às vezes, entretanto, voltando o rosto deslumbrantemente pálido, chora consigo seu pai querido, seu país e sua casa, que ela traiu para seguir o homem que hoje a despreza. Ela conhece, pelos golpes do infortúnio, o que se ganha por deixar a terra de seus pais. Coitada! Seus filhos lhe causam horror, não vê mais alegria neles. E temo dela alguma resolução estranha. Violenta é sua alma: não suportará ser maltratada; eu a conheço e tremo, pois ela é terrível e quem se expõe a seu ódio dificilmente levará a palma da vitória.
    Mas eis seus filhos, que acabam de treinar na corrida; não se inquietam com as dores de sua mãe; alma jovem não costuma sofrer. (entra o Pedagogo com os meninos)

PEDAGOGO: Velha criada de minha ama! Por que você fala tão solitária, junto das portas? Como Medéia consente em ficar só, sem você?

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GIL VICENTE 30. FARSA DOS ALMOCREVES (1526)

o ourives

Resumo:

Um capelão, um ourives e dois almocreves (tropeiros, transportavam mercadorias para as pessoas), cobram de um Fidalgo as suas dívidas. Este, com sofismas, sarcasmos ou elogios, vai protelando os pagamentos. Seu principal argumento é que ele é bem recebido na corte, tendo intimidade com o rei, prometendo indicações e promoções para cada um dos credores. Ao final há uma conversa entre este Fidalgo e um outro, apaixonado, onde ambos expõem seus caracteres: o primeiro oportunista (por quantas damas Deus tem, não daria nem migalha), o segundo enamorado, idealista (quando fordes namorado, vireis a ser mais profundo, mais discreto e mais sutil, porque o mundo namorado é lá, senhor, outro mundo que está além do Brasil).

GV098. Pero Vaz

A serra é alta, fria, e nevosa;
Vi venir serrana, gentil, graciosa,
Vi venir serrana, gentil, graciosa;

Vi venir serrana, gentil, graciosa;
Cheguei-me per ella com gran cortezia,
Cheguei-me per ella com gran cortezia.

Cheguei-me per ella de gran cortezia.
Disse-lhe: “Senhora, quereis companhia?”
Disse-lhe: “Senhora, quereis companhia?”

Disse-lhe: “Senhora, quereis companhia?”
Disse-me: “Escudeiro, segui vossa via.”
Disse-me: “Escudeiro, segui vossa via.”

(canta Jaqueson Magrani)

 

Comentário:

Vai Gil Vicente entretendo a corte e tecendo a grande tapeçaria de sua obra. Esta peça padece da falta de alguma continuidade pois que não há ligação natural entre a primeira parte – as cobranças dos credores – e a parte final, o diálogo dos dois fidalgos, exibindo suas diferenças de carater. Mas, inda que em todas as peças não se encontre sempre lampejos de uma grande genialidade, a partir de um certo ponto, nota-se uma constante homogeneidade nas principais características do autor: lirismo nos textos, pintura de tipos humanos, linguagem sempre apropriada e uma mordacidade nunca misericordiosa. Aqui, Gil Vicente critica o tipo de vida de alguns fidalgos pobres, gastando o que não tinham para manter aparências de riqueza, e o objetivo de todo súdito: conseguir uma pensão real – a moradia – que consistia numa renda mensal e um tanto de cevada.
Novamente é citado o Brasil, desta vez significando um lugar ou uma coisa muito distante.

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Agamenon – Ésquilo

AGAMENON, de Ésquilo (tradução adaptada)

Nota: Fiz esta tradução adaptada para estudantes em 1973, visando uma futura leitura dramática. O objetivo era a demonstração do que é uma típica tragédia grega, na maioria das vezes nada mais que uma sequência de crimes hediondos, o homem antigo tentando criar critérios para uma justiça tão difícil de ser alcançada. O trabalho permaneceu até então no manuscrito, sendo resgatado agora. Parti de um texto em francês de Leconte de Lisle (1818-1894) e andei dando umas fuçadas num outro texto, também em francês, cuja brochura extraviou-se. Sei que em 1963/1964 foi publicada uma tradução em português (integral?), mas não sei se direto do grego.

    Ao fundo o portal do Palácio dos Atridas.

VIGIA: Eu bem gostaria que os deuses terminassem minhas penas, vigiar desde tanto tempo, como um cão, a ponto de conhecer com exatidão a rota das estrelas. E eis-me de novo vigilante, esperando o sinal de fogo que de Tróia deverá trazer a notícia da vitória; assim exigiu o coração da rainha Clitemnestra. E aqui, querendo cantar e assobiar para espantar o sono, acabo falando sozinho, lamentando a sorte dessa casa, o palácio de Agamenon, onde não existe mais a ordem antiga. (Vê a luz distante).
    Salve, archote, que faz nascer o dia dentro da noite e Argos se encher de coros para festejar o sucesso!
    Rainha! Rainha! Acordem todos, Tróia foi destruída, o sinal de fogo está proclamando de longe, Tróia caiu e Agamenon está de volta! Acordem todos! Quero ser um dos primeiros a saudá-lo! Já nem sei o que digo. Se o palácio pudesse falar, ele mesmo gritaria a novidade. Acordem! Acordem! Tróia caiu e o rei está de volta! (Desaparece no palácio. Pela direita, entram lentamente doze velhos, indo até a Orquestra).

CORO: Há dez anos já, que Príamo, o rei de Tróia, se viu diante de seu pior inimigo, Agamenon, que partiu deste país com uma frota de mil navios.
    Terríveis como abutres, gritavam cheios de ira. Qual foi a divindade, Apolo, Pan ou Zeus?, quem fez despencar sobre os culpados a fúria vingadora?
    Por causa de uma mulher, Helena, braços cansaram-se nas lutas, joelhos cairam na poeira dos campos de batalha, lanças foram quebradas, conforme a sorte que o deus tenha reservado a gregos e a troianos.
    O destino dos guerreiros já foi fixado. Aumentem eles o fogo dos sacrifícios, mais madeira e mais óleo! Nada adiantará agora! A inflexível cólera rejeitará as oferendas flamejantes!
    E nós, pobres velhos, temos que ficar por aqui à espera, errantes como um espectro que vaga em pleno dia. (Olham para o lado do palácio).
    E por que é que a rainha Clitemnestra, filha de Tíndaro, sacrificou aos deuses? Todos os altares estão queimando, os altares dos deuses do céu e os do inferno; os da casa e os da praça.

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