CONTA OUTRA VÓ 10. O LADRÃO LADINO (segunda parte)

o ladrão ladino (segunda parte)

desenho de Ricardo Garanhani 

Um dia, o nosso ladrão descobriu que o dinheiro já estava no fim. Resolveu fazer algum roubo, de modo que não passassem necessidade. Resolveu roubar o castelo do rei. Foi no castelo e disse que queria ser guarda do rei. O capitão, vendo aquele moço forte e bonito, resolveu aceitá-lo e dali a algum tempo, ele estava servindo na sala do tesouro. Ora, no lugar da porta de ferro, tinham feito uma armadilha, uma espécie de moinho com pás de metal afiado, afiado que nem faca, e quem quisesse entrar por aquela porta seria cortado em pedaços. Daí, o ladrão estudou bem aquela engrenagem e não quis mais servir no castelo.

Aí ele entrou de noite no castelo e foi até a sala do tesouro. Pegou um ferrinho e enfiou num buraco que tinha descoberto e a roda parou. Entrou na sala com muito cuidado, sem esbarrar nas pás afiadas porque ele sabia que se elas se mexessem um pouquinho, haveria de quebrar o ferrinho e ele seria cortado em pedaços. Roubou algum ouro e, depois de sair, retirou o ferrinho. As pás voltaram a rodar.

Levou o dinheiro pra casa e era tanto ouro no castelo que ninguém deu pela falta.

E assim foi, durante muito tempo. Ele ia, parava a roda, entrava e roubava e tudo ficava tal e qual, indo pra casa.

Aconteceu que certa vez o pai quis roubar com ele. Ele disse que não porque era muito perigoso. O pai tanto teimou e tanto insistiu que ele resolveu levar.

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canção 24. pequena ode…

A ditadura da burrice 12: PEQUENA ODE AOS DONOS DO PODER

Nota: Com estes versinhos, termino a categoria Canções do Protesto Inútil, letras de canções feitas entre 1973 e 1983. Descartei algumas, por excesso de pieguice.

Um
dois
três

vermes
gatos
burros

gorilas
raposas
lombrigas

jararacas
percevejos
pernilongos

rinocerontes
jaguatiricas
suçuaranas

marimbondos
gafanhotos
dinossauros

morcegos
serpentes
hienas

tigres
lobos
porcos

três
dois
um.

(que me perdoem os bichinhos!)

Curitiba, outubro.1978

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GIL VICENTE 19. FARSA CHAMADA AUTO DA ÍNDIA (1519)

Lemos


Resumo:

A Ama está chorando. A Criada acha que é porque o marido está de partida para as Índias. Não! É o contrário, pois dizem que já não vai. Mas ele se vai e ela fica, “em maio, quando o sangue novo atiça”. Logo surge o Castelhano que acabou de saber que o marido se fora. Ele desfia uma sequência longa de frases exageradas, para mostrar sua paixão: “y ando un cuerpo sin alma, un papel que lleva el viento, un pozo de pensamiento, una fortuna sin calma”. Ela não quer recebê-lo. E ele: “O mi vida y mi señora, luz de todo Portugal, teneis gracia especial para linda matadora”. Ela combina um encontro à noite.  A seguir surge Lemos, cheio de gentilezas: Ela: “Jesu! tamanha mesura! Sou rainha, porventura?” Ele: ” mas sois minha imperadora”. Ele despacha a Criada, para que vá as compras e traga vinho e comida. Enquanto Lemos faz a corte, o Castelhano  grita do lado de fora da janela. A Lemos, ela diz que é o irmão que está lá fora. Ao Castelhano, ela manda que se vá. Ele ameaça, fanfarrão: “Quiero destruir el mundo, quemar la casa, es la verdad, despues quemar la ciudad”. A Ama controla os dois. Quando volta o marido, ela dissimula, fala de suas saudades e rezas e jejuns. Ele narra os perigos da viagem. Vão-se a ver a nave.

GV042. Lemos

Quem vos anojou, meu bem,
Bem anojado me tem.

(canta João Batista Carneiro)

 

Comentário:

Típica comédia de situações, caracterizada principalmente pelos protótipos humanos. O marido bonachão e ingênuo, a mulher mentirosa e adúltera, o cortejador vulgar e o espanhol fanfarrão. Comentando com venenosos e realistas apartes, a Criada vai costurando as cenas entre si. Seria esta a mais perfeita comédia de Gil Vicente? Se não for, há de ser uma das mais graciosas.

O Auto da India é a primeira ficção portuguesa que tem por tema as viagens à India. As referências são bem claras. O marido vai para Calecut, na India, atrás da negra canela. Volta três anos depois. A mulher preparou pão especial, mais seco, para ser consumido na viagem. Ela presume que ele voltou rico mas ele disse que “se não fosse o capitão…”, ele teria muito mais. Mostra também a promiscuidade linguística vigente em Portugal nessa época, havendo diálogos entre portugueses e espanhol, cada um se manifestando na sua língua natal.

Esta peça de Gil Vicente tem, para mim, um vínculo muito especial. Quando a Professora Cecília Teixeira de Oliveira Zokner, à ocasião diretora do Centro de Estudos Portugueses da Universidade Federal do Paraná, criou o Grupo Gil Vicente, em 1970, eu, no primeiro ano do curso de Letras, fui convidado a participar do Grupo. A peça já tinha sido escolhida, era o Auto da India. Meu conhecimento de Gil Vicente era superficial, o criador do teatro em Portugal com o Monólogo do Vaqueiro, o Auto da Barca do Inferno, pouca coisa… Por causa de minha pequena experiência caseira com fantoches, fui escolhido para a função de direção. E por força disso, tive que fazer um estudo mais detalhado, visando a encenação, o que incluia uma atualização do texto para platéia desacostumada ao português do século XVI.

Mas, o que mais me surpreendeu no trabalho de Gil Vicente, coisa que logo percebi como marca de seu teatro, era a maneira como o dramaturgo (e todos os contemporâneos, constatei a seguir), tratava a unidade de Tempo. No teatro ibérico da época não há separação cênica para indicar a passagem de tempo. As cenas vão se sucedendo num fluir contínuo, sem cortes. Numa mesma estrofe o tempo pode transcorrer uma noite, dias, meses, anos. Exemplo:

Dormirei, dormirei,

boas novas acharei.

São João no ermo estava,

e a passarinha cantava.

Deus me cumpra o que sonhei.

A título de curiosidade, apresento a seguir a lista dos participantes da primeira encenação do Grupo. Maria Salete Busnardo – Moça (Criada); Marilú Silveira – Constança (Ama); Brás Ogleari – Castelhano; Helio Silva Altieri – Lemos; Manoel Moacir Werner – Marido; Sônia Berto – Figurino; Leika Puccynsky – Coordenação; Jorge de Souza Teles – Direção; Cecilia Teixeira de Oliveira Zokner – Supervisão. A apresentação aconteceu em Curitiba, no Círculo de Estudos Bandeirantes, às 21 horas do dia 17 de novembro de 1970.

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