Alma desdobrada, cap. 76, 77, 78, 79, 80 e 81.

Alma desdobrada, capítulos 76, 77, 78, 79, 80 e 81.

 076.

           como é bom, como está sendo bom escrever destas coisas. com a minha lucidez de agora, com a minha tranquilidade de hoje. é bom lembrar disto tudo, sinto-me me refazendo aos poucos, a partir de pedaços. tudo isso sou eu. alguém duvida? o que está por vir ainda? enquanto lembro, não sinto dores fortes. é tão somente comovedor. tudo que sou, vai subindo aos poucos. minha maior comoção, todavia, é o momento que estou vivendo: minha paixão pelo meu amigo, minha terapia, o me sentir produzindo coisas.

  

077.

           eu saberia me virar sozinho. eu continuo falando com eles, a sessão de terapia ainda não acabou.

          eu vou aprender a ser órfão. vou aprender que devo crescer sozinho. contarei comigo mesmo, de agora. eu não fui inteiramente destruído, amarrado. dentro de mim, escondida, esteve à espera uma vidinha qualquer. ela vai crescer e tomar conta do resto daquilo que sou. ou é bem uma pequena chama que vai aumentando. não tenho mais medo de vocês. vocês são fantasmas apagados que desaparecem e diminuem por fora do que sou. quase não os sinto mais, são como presenças passadas. eu, nascido de novo, vou criar meu jeito de ser feliz. falta apenas, me falta apenas, agora, abrir os olhos. não é difícil abrir os olhos. difícil é ser parido, parir-se a si mesmo. agora, posso abrir os olhos quando quiser.

          no entanto, é com extrema dificuldade que abro os olhos e, em silêncio, saio do tablado do psicodrama.

  

Continue lendo “Alma desdobrada, cap. 76, 77, 78, 79, 80 e 81.”

Visitas: 198

Alma desdobrada, cap. 70, 71, 72, 73, 74 e 75.

Alma desdobrada, capítulos 70, 71, 72, 73, 74 e 75.

 

070.

          a sessão de terapia continua… procuro minha mãe, gostaria de saber onde está ela. eu reconheço nela a mulher cabisbaixa que tentava puxar a cadeira com o ídolo aprisionado. ela também é impotente. olha para mim e se afasta. continuo sabendo de minha orfandade. não tenho raiva deles. o ambiente diminui, eu me agiganto. devo falar com eles, insiste brunetti. eu levanto o rosto, ainda de olhos fechados, ainda com as mãos no rosto. então eu despeço meu pai, dizendo que gostava dele. despeço minha mãe, dizendo que eu contaria apenas comigo.

 

Continue lendo “Alma desdobrada, cap. 70, 71, 72, 73, 74 e 75.”

Visitas: 224

Alma desdobrada, cap, 64, 65, 66, 67, 68 e 69

Alma desdobrada, capítulos 64, 65, 66, 67, 68 e 69

 

064.

          a terapia continua, eu, na terapia. retomo o lugar no tapete e repito minha imagem. brunetti me pergunta qual das duas sensações era a mais forte, alguém orando ou alguém a ser sacrificado. eu sinto que as duas. alguém ora, para ser sacrificado em seguida. então eu começo a sentir o templo ao meu redor, estou no centro, para morrer. pessoas passeiam fora do círculo, me vigiando. uma mulher, à direita, próxima ao meu ombro, passeia para lá e para cá e me olha com rancor. aos poucos ela se transforma em neuza. há ódio em seu jeito de andar. falo dessas coisas pro brunetti, ele pergunta se quero falar com ela, tenho medo, ele insiste que eu fale; consigo dizer após um longo silêncio e com muita dificuldade: não gosto de você.

         estou aqui com você, ele diz. continue falando. ou você tem medo de falar?

 

 065.

          ouço violeta parra, estou apaixonado por Z…. a voz dessa mulher sabe como machucar. estou triste porque estou sem Z…. sempre estou triste porque quase sempre estou sem Z…. não quero reclamar nada desse meu amigo enorme. sei que ele me dá muito do tempo que tem. estou triste e violeta parra corta pedacinhos de mim, para servir à vida, aos bocados. olho a capa do disco, seus olhos fundos e sua boca torcida pela amargura. soube que ela se matou e alguém me contou que ela se matou por um jovem muito mais novo que ela. tenho quarenta anos, Z… tem dezessete. vinte e três anos é tudo que nos separa. somos amigos, estamos sempre juntos, sempre que se pode, minha alma te pertence um bocado de tamanho, você se me entrega com pedaços ricos de sua vidinha já tão descomunal. eu olho os olhos de violeta e ouço sua voz de menina triste. run run se fué pal norte, ela canta; eu leio a letra, percebo a grandeza do desastre que se esconde por trás dessa canção.

         e choro.

         choro por violeta, por mim. choro porque estou emocionado por amar Z… como amo. choro porque não compreendo por que ela se matou por amor. não se morre por amor, violeta, mulher descida das estrelas. não se morre por amor. se vive por amor.

         choro, porque sua música me faz chorar. choro porque amo. porque vivo por amor.

  

Continue lendo “Alma desdobrada, cap, 64, 65, 66, 67, 68 e 69”

Visitas: 214