alma desdobrada, capítulos 35, 36, 37, 38, 39 e 40
035.
fui com joão carlos assistir o mosseiev, balé russo, no maracanãzinho. acabado o milagre da dança, saímos, perdidos naquele formigueiro de pessoas não achadas. eu tinha um casaco de lã jogado sobre os ombros, mas à frente, cobrindo o peito, como não se costumava usar. ouvíamos rumores e vaias numa esquina. um grupo de rapazes fazia algazarra às custas de alguém. então eles me viram e começaram a vaiar e a gritar bicha. avançaram e me rodearam. corri. queriam me bater. eu me defendi cheio de medo, ataquei um que se aproximava, corri mais, um deles ameaçou me tirar o casaco, puxei-o, atravessei a rua e entrei num ônibus lotado. um senhor me perguntou o que aconteceu, quiseram me bater, não sei por quê.
à noite eu delirei muito. aquela dança espantosa perseguia meus sonhos, eu acordava trêmulo e assustado, os olhos arregalados para o vazio.
criaturas saídas do nada! minha frustração incontida imaginava futuras ocasiões em que eu me vingaria de vocês. quanta raiva inútil alimentei!
hoje sei bem que vocês são aquilo que sempre foram: objetos que não se troca: nada existe no mundo que queira ocupar o espaço que vocês usurpam.
quantos animais habitam um homem?
apenas um! sempre! ele mesmo!
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