Desistória – capítulo 1.
E as estrelas caíram do céu sobre a terra como a figueira, sendo agitada por um forte vento, deixa cair seus figos verdes.
1. a negra madrugada.
e como eu poderia explicar tudo aquilo que vi de longe? eu me tinha escondido, por brincadeira, por aventura, por medo e por intuição, aqui, tão longe dos civilizados e das cidades. me ocupava tão somente de meus esquecidos sonhos de menino e do meu coração cansado mas inquieto. deu-se então que, um dia, inesperadamente, quando eu me lavava no pequeno riacho, ouvi uma grande explosão. subi à colina e me enchi de espanto. o dia virara noite e eram imensos fogos no céu. lembrei-me na hora, da hora final. tanta ameaça de uma guerra atômica, de um descontrole na corrida armamentista, de uma falha boba num dos mísseis exaustivamente preparados e pacientemente à espera! as gentes sabiam dessas coisas mas esqueciam seus medos. sepultavam seus medos nas pequeninas misérias cotidianas. consumiam o grande medo em gestos repetidos e sem sentido, dissolvendo o grande terror em pequenos medos que alimentam a vida e não matam para sempre.
não há de ser para hoje, iludiam-se as gentes, como se se ilude com a morte:
não há de ser para hoje!
comecei a temer que aquele hoje chegara finalmente. não sabia ainda da extensão das explosões. eu poderia estar engrandecendo o perigo por causa do pavor que sentia. temia, diante das luzes lá longe e do surdo repetir de explosões, temia que o mesmo ritual destruidor pudesse estar acontecendo em todo o planeta.
entrei na gruta e fiquei atento. com certeza, pensava, após o grande fim, sobreviria inevitavelmente o meu próprio fim. havia fogo na gruta, um fogo que eu cuidava de manter vivo com um zelo digno de minha necessidade de sobreviver. acheguei-me a ele e tentei pensar e tentei entender e tentei sentir aquilo que devia estar se passando. minha cabeça estava confusa. não sei por quê, lembrei-me das lamentações de Jeremias:
como estão tristes os caminhos de Sião!
e uma grande mágoa baixou o meu olhar quando eu disse:
como estão mortos os caminhos de Sião! como estariam as coisas por lá? eu me distanciara tanto e estivera por tanto tempo naquele meu exílio selvagem! como estariam as coisas por lá? pensava em destroços e ruínas. um choro de criança cortava o ar de minha imaginação. aquele choro foi aumentando, cresceu e me fez tremer.
Continue lendo “Desistória – capítulo 1.”