canção 04. vende tudo que tens e segue-me

A ditadura da burrice 02: VENDE TUDO O QUE TENS, E SEGUE-ME

Não era ensolarado o dia em que chegaste,
não era não, decerto, mas, todo esse frio,
quem o trouxe até nós, e quem, o desvario
plantou em nossa casa, horror que se não baste?

Não foi a nossa sorte, a sorte a que libaste,
com o vinho, sangue negro atroz, formando um rio
e a música estertor do enfurecer vadio
e os lobos no covil, comandando o desbaste!

Não foi pensando em nós que pensaste a loucura,
nem foi a defender-nos que armaste a armadura,
e nem à nossa causa empregaste o coveiro.

Tudo isso, a falcatrua, o desconsolo, a agrura,
todo esse desatino, a infecção, a tristura,
tão só por engordar teu saco de dinheiro.

(canta jorge teles)

Curitiba, 28.09.1977

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canção 03. reflexão pequenininha

Canções Diversas 01: REFLEXÃO PEQUENININHA.

Perdido no nevoeiro
da vida mal percebida,
pensei em pensar, primeiro,
pra não errar toda a vida.

Mergulhei no contratempo
pra vencer o mundo meu.
Não queria perder tempo,
mas o tempo me perdeu.

Achado no nevoeiro,
Eu pude entender a vida.
E fui o meu timoneiro
pra vida ser bem regida.

Criei o meu passatempo
Mas meu mundo envelheceu.
Queria enganar o tempo,
e o enganado fui eu.

(canta jorge teles)

Curitiba, 1976

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CONTA OUTRA VÓ 05.AS ALMINHAS PENADAS

as alminhas penadas

desenho de Ricardo Garanhani 

Nota: De todas as historinhas contadas por minha avó, esta é a única que narra um acontecimento vivido por ela. Registrei-a por sentir que ela tem uma carga folclórica mas não acredito que o fato tenha acontecido. Deve ser mentira, dessas mentiras míticas, inventadas ingenuamente para justificar uma crença qualquer. Quem sabe?, minha vó ouviu o conto de alguém e no recontar se colocou como personagem. A mesma ideia de que se pode e se deve batizar bebês morituros, ou mesmo depois que morrem, quando não há padres à disposição, era reforçada pela vizinha de Vila Isabel, Dona Cacilda, a mãe, paraibana. Nunca li texto em que tal fato fosse narrado.

    Quando morre alguém que não foi batizado, a alma não vai pro céu nem pro inferno nem pro purgatório. Fica vagando pelo mundo, assustando as pessoas, vira alma penada. Se quem morre é uma criancinha pagã, a alminha penada fica penando até que alguém batize ela. Gente grande não pode ser batizada depois de morta. Não adianta. Vai penar pela vida afora até o dia do juízo, quando então o deus separará os bons dos maus. Mas os pequeninos inocentes podem ser batizados depois de mortos.

    Uma vez eu e duas filhas mudamos duma roça pra outra. O Anísio já tinha morrido, eu estava viúva. O Oliveira estava no Rio, tirando o tiro de guerra. Os outros filhos já estavam casados. Então, eu e a Nanísia e a Natália mudamos duma roça pra outra. Saímos com o embornal e pedimos pousada muitas noites. Antigamente a gente ganhava pousada. A dona da casa fazia um mingau de couve com linguiça e toicinho, fritava torresmo, mexia um angu gostoso, a gente comia e conversava até tarde em volta do fogão. No dia seguinte, escuro ainda, a gente levantava, levantava antes do galo. A dona da casa dava frango frito, carne, a gente pegava o embornal e caçava rumo. Na noite seguinte, a mesma coisa. A gente ficava quinze, vinde dias viajando. Aí chegamos em Manhuaçu. Fomos direto pra casa da Milota.

    Perto dali, na entrada da cidade, tinha uma casinha abandonada. Perguntamos e disseram que era uma casa mal assombrada. Crianças tinham vivido lá e morreram pagãs. Ninguém conseguia morar lá.

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