CAIM
drama em dois atos
Nota: Esta peça tem uma história curiosa. Escrevi-a em 1960, eu tinha então 18 anos, e foi meu primeiro trabalho pretensamente literário. Dois ou três anos depois, reescrevi-a, estendendo os diálogos. Encontrei-a por acaso em abril de 2012. Os diálogos soavam ridículos, porque eu usara o “tu” e forçara a ordem das palavras na maioria das frases, tentando criar um ritmo de poesia. Resolvi refazê-la. Lancei mão de um recurso inédito e estranho: traduzi tudo, literalmente, para o Esperanto e, abandonando o texto original, do Esperanto traduzi para o português. Em essência, nada foi alterado, mas cinquenta e dois anos é tempo… acabei introduzindo 12 linhas de diálogo. Acho que o resultado mantém o sabor juvenil.
Personagens: Adão, Eva, Caim, Abel, A Jovem.
Primeiro ato.
EVA: O grande luminar se escondeu atrás dos montes; um véu escuro cobre a face do crepúsculo. Estou só… sinto frio… olho o céu. O que fazer, uma mulher como eu, frágil, se não olhar a dança louca das nuvens? Os colossos se sacodem ébrios e o vento forte leva até todas as grutas o barulho dos gigantes. O Eterno se agita acima dos céus e está irado com o mundo. Vejo que os fogos de Deus iluminam as montanhas distantes e os confins da terra, espalhando incêndios e terror. Somos pequenos, nós, solitários mortais… Tenho medo da cólera de Deus. O seu fogo é mais forte do que o do grande luminar, e mais terrível… por isso mesmo, é mais belo. Tenho medo…
ADÃO: (entra) Ah! Veja como dançam. Veja a confusão… e tremamos nós dois sob o poder dos fogos dos céus…
Esta noite a lua branca não subirá. Eis o ritual da tempestade. O Deus furioso novamente se volta contra o homem. Logo as águas molharão os vales e os rios transbordarão.
EVA: Eles estão no campo. E os fogos são rápidos, mais rápidos do que os pés alados dos anjos.
ADÃO: Nossos filhos? Nos campos há grutas…
EVA: As grutas acolhem as feras e os répteis selvagens.
ADÃO: Nos seus braços repousam os cajados pesados, que afugentam as feras.
EVA: Como afugentar? Só um deles tem o cajado que conduz as ovelhas ao pasto. E o que pode um cajado nas mãos de um jovem?
ADÃO: O que dirige o golpe não é a vontade do braço mas a força da alma. (Eva estremece). O que foi?