samhufo e a morte

SAMHUFO E A MORTE

Nota: Esta pecinha foi escrita originalmente em Esperanto. Ganhou o primeiro prêmio no Concurso de Artes da Associação Internacional de Esperanto (Universala Esperanto Asocio), com sede na Holanda, em 2003, na categoria Teatro.

SAMHUFO: (entrando) Olá, amigos. Eu sou Samhufo. Estou procurando meu cachorro. Cuidado, porque ele faz xixi em quem usa calça preta. É um pouco míope. Dik! Dik! Dik é o apelido dele. O nome é bem mais pomposo: Dictator Dictatoris Ditador. Calígula tinha um cavalo que era cônsul, eu tenho um cachorro ditador, que atualmente é mais importante. Mas o nome é muito comprido, por isso eu falo Dik. Dik! Cadê você? Na verdade, vou procurá-lo em outro lugar, aqui, não, porque… este muro aqui é o do cemitério… bem… eu não tenho medo, é só por precaução. Até já (sai)
MORTE: (entrando) Olá, senhores. Eu sou a Morte. Trago na mão a foice potente, com a qual eu ceifo a vida dos vivos, como se fosse uma haste de trigo. Assim! Corto a garganta dos mortais efêmeros e… adeus!, vidinha inútil e desagradável. Estou aqui pra encontrar um certo… um certo Samhufo. Consultei o livro infinito do destino e lá estava o nome. Samhufo. Os senhores o viram por aqui? Sei que ele tem o costume de andar por estas bandas. Vou continuar procurando. (sai; volta Samhufo).
SAMHUFO: Não consegui achar o cachorro. Dik! Dik! Que coisa mais chata, este muro… bem, medo eu não tenho… mas este lugar… esta escuridão… (entra Dik) Ah, cachorro do diabo. Até que enfim! Aqui, Ditador! Por que você sumiu?
DIK: Auauau!
SAMHUFO: Estava passeando, não?
DIK: Au!
SAMHUFO: Muito bem, quero que faça uma coisa.
DIK: Aauauau! Auau! Au!
SAMHUFO: Primeiro, vamos sair daqui. Este lugar é quente… e no entanto eu me arrepio o tempo todo. (alguém solta um gemido longo e alto; Dik pula no colo de Samhufo) Tá com medo de quê? Seja macho, cachorro maricas. Seja um machão, seu medroso. (de novo o gemido; Dik foge) Ah, essa agora. Por todos os santos, eu já tinha dito que esse lugar é perigoso. (mais um gemido) Rezar pra que santo?  (começa a tremer) Ainda bem que não sou medroso, se não eu estaria tremendo todo. (mais um gemido) Acho que é um fantasma gemedor. Vou falar com ele. Quem é você? (silêncio) Parece que não me ouviu. Quem é você? (silêncio) Pela torre de Babel. Lembrei agora que fantasma não tem orelha e fala de um jeito esquisito.Tenho que falar alto, na língua de fantasma. Oh, vós, respeitável autor de gemidos tais! Quem é vossa excelência?
VOZ: Eu sou e…e…e…e…u…! (Samhufo treme mais ainda)
SAMHUFO: Grande novidade! Claro que ele é ele! Porque, se ele não fosse ele, ele seria eu e eu não seria eu e sim ele. Logo, se ele fosse eu e eu ele, quando eu falasse eu não precisava falar porque o eu que era ele falava e o ele que era eu escutava e eu ou ele ou ele ou eu… ih, já não estou entendendo mais nada. (alto) E o que deseja vossa excelência, oh, digníssimo autor de tão fúnerea voz?

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GIL VICENTE 43. AUTO DA FESTA (1535)

a velha

Resumo:

A Verdade reclama porque está sendo maltratada em Portugal. Após sua apresentação, senta-se num canto e passa a assistir o que virá a seguir. Um Vilão pede-lhe conselhos porque está cometendo adultério com a mulher do Juiz e foi levado à justiça. Diz que há consentimento da mulher. A Verdade lhe diz: “Não te quero aconselhar porque teu mal não tem cura… encomenda-te à ventura, que ela te-há de guiar”. Duas ciganas falam a sorte de algumas pessoas, pedindo presentes. Quando elas pedem prendas à Verdade, esta revela seu nome e as expulsa. Uma cigana joga uma praga na Verdade. “…que ás de andar arrastrada mientras la vida durar”. Um Parvo procura a porquinha de sua patroa. Um Rústico tem com o Parvo o mesmo diálogo já mostrado em Templo de Apolo entre o Rústico e o deus. Vem a Velha, mãe do Parvo, ralhando com ele e maldizendo. Um jovem faz a corte à Velha. Ela, coquete, finge não aceitar. Até Gil Vicente, diz ela, o que faz os autos para o rei, já a pediu. Logo porém ela começa a fazer o casamento mas quando ela diz seu nome, ele se recusa, por serem parentes. Ela sai para conseguir uma “absolvição”, um tipo de autorização da Igreja. Ele foge. Volta a Velha, vestida de noiva, com a autorização. O Rústico reaparece e diz que se casará com a Velha, mas desaparece a seguir. Três pastoras e um pastor cumprimentam o senhor da casa e termina a peça.

GV139. Lucinda e Graciana

San Iu verde passó por aqui;
Quan garridico lo vi venir.

(canta Jorge Teles)

GV140. Parvo

De so la giesta
Dormiré la sesta.

(canta Jorge Teles)

 

Comentário:

Penúltima peça de Gil Vicente. Mais uma vez o autor usa da sua pena para aguilhoar sua gente “Quem quiser ter de comer, que nunca fale a verdade”. A Verdade desempenha aqui um papel mais de espectadora das cenas. As cenas não são muito lógicas e o final é meio confuso, por causa das duas últimas falas da Velha. Não fica claro se é um delírio da coitada, sobre o qual os presentes fazem chacota! Há na figura da Velha algo do tragicômico chapliniano e isto já tinha sido mostrado na peça Triunfo de Inverno, quando uma outra Velha é obrigada pelo namorado a subir uma serra descalça, em plena neve.
É mencionado que esta peça foi encenada “porventura” em casa do ilustrado Conde de Vimioso. Seria este nobre tão importante ou estaria Gil Vicente perdendo o seu prestígio?

GIL VICENTE 42. DIÁLOGO SOBRE A RESSURREIÇÃO (1535)

o centúrio

Resumo:

Dois rabinos conversam entre si. Um deles enuncia uma série de provérbios populares, aprendidos de pai, mãe, tio. “…quem chora ou canta, fadas más espanta… não comas quente, não perderás os dentes, quem não mente, não vem de boa gente, não achegues à forca, não te enforcarão”. Dois centuriões se juntam a eles e comunicam que o corpo de Cristo desapareceu, tendo ressuscitado como havia dito. Os rabinos não acreditam. Os centuriões enumeram os efeitos que a ressurreição fez com eles. Um ficou sem os cabelos, o outro sem os dentes e as unhas. Chega outro rabino e eles decidem que, se for verdade, calar-se-ão e negarão tudo. Anunciam que farão festas, para não darem a perceber que foram derrotados.

GV138. Levi (fala)

Que nos calemos em nosso calado:
… Que seja verdade, calar e negar.

(fala: Jorge Teles)

 

Comentário:

É uma peça muito curta, escrita num tom jocoso, satirizando os judeus, todavia sem menosprezá-los. A narração da ressurreição, vista pelo ângulo dos judeus. Como fez em muitos de seus autos, Gil Vicente moderniza a situação de ações antigas, falando de fatos ligados ao Portugal de seu tempo.