CONTA OUTRA VÓ 12. O LADRÃO LADINO (quarta parte – origens) A História, de Herodoto

      Nota: Conforme eu tinha dito na nota inicial deste conto, sua parte final sempre foi intrigante porque nunca encontrei uma variante em outro livro. Finalmente, há dois anos, achei uma narrativa que certamente é a sua origem. É o capítulo 121 do segundo livro da História, de Heródoto (480-425aC).
Pode-se pensar em dois aspectos sobre essa curiosa origem. Primeiro, acerca das semelhanças e divergências entre um conto egípcio, recolhido por um grego há dois mil e quatrocentos anos mais ou menos, e o conto repetido sempre com as mesmas palavras, por uma analfabeta do interior de Minas Gerais, no Brasil. É muito provável que minha avó nada tenha acrescentado de importante na sua narração. Fica patente pois que o tesouro e a armadilha, o corpo em pedaços, os guardas vigiando, o rei e sua filha, vieram dos tempos antigos. Na variante de minha avó, em vez de irmão, surge o pai. Em vez de burricos, os bodes fedorentos. E a estranha intromissão de uma negra feiticeira, reminiscência do período em que havia escravidão. No caso da princesa, certamente o cristianismo fez a devida correção ética, tirando-a de um bordel e fazendo-a bordar uma toalha de linho.
O segundo aspecto é imaginar o lento caminhar dessa história até chegar aos dias de hoje. Daria para dizer que as alterações ocorridas em dois mil anos chegam a ser desprezíveis. Do Egito para a Grécia, dali para a Europa Ocidental e, com os portugueses, eis o conto vindo para o interior brasileiro. É de se supor que muitas vezes esta historinha viajou no boca-a-ouvido e não através da escrita.
Devo mencionar ainda que a prática de colocar soldados para vigiar cadáveres de condenados à morte aparece por vezes na literatura ocidental. O exemplo mais conhecido está no conto A Matrona de Éfeso, do Satíricon, de Petrônio (?-66). É um dos momentos mais encantadores de um filme de Federico Fellini (1920-1993).

    A narrativa abaixo foi feita a partir de texto em Esperanto, da versão integral da História de Heródoto, traduzida do grego antigo por Spiros Sarafian, conforme publicado em 2006 pela Editora “Silloges” – Argiris Vurnas, de Atenas, Grécia. O tradutor detém os direitos autorais e me autorizou por escrito a apresentar seu texto em Esperanto.

 


121. Após Proteo, foi rei Ramsesnito (1), que mandou fazer o vestíbulo do santuário de Hefesto, voltado para o ocidente. Em frente ao vestíbulo ele levantou duas estátuas com a altura de vinte e cinco côvados. A estátua que está no lado norte é chamada de Verão e a outra, que está no sul, é chamada de Inverno. Os egípcios adoravam e honravam a que é chamada Verão mas com o Inverno faziam o contrário. Disseram-me que este rei tinha muitas riquezas (2) em dinheiro, e que nenhum rei que veio posteriormente conseguiu superá-lo.

    Como este rei quisesse proteger seus tesouros, ele ordenou que fosse levantada uma construção de pedra. Um dos lados dessa construção era o próprio muro externo do palácio.

    No entanto, o homem responsável pela construção teve uma idéia: fez o projeto de tal maneira que uma das pedras podia facilmente ser tirada pelo lado externo do muro, por duas pessoas ou uma apenas. 

Continue lendo “CONTA OUTRA VÓ 12. O LADRÃO LADINO (quarta parte – origens) A História, de Herodoto”

RAKONTU ALIAN ANJO 11. LA RUZA ŜTELISTO (tria parto)

la ruza ŝtelisto (3)

ricardo garanhani desegnis
   

    Nu.
Dum kelka tempo la junulo ne volis ŝteli en la kastelo. Li havis sufiĉan monon kaj ne intencis riski. Okazis do ke la mono malaperadis kaj iam ĝi finis.
Post tio li ja decidis iri al la castelo, tra tiu eniro kiun nur li konis. Li kaŝe alvenis al la trezorejo por videti. Ĉio estis kiel antaŭe. La sama rado je turniĝantaj tranĉiloj, la sama dentradaro. Li havis kun si novan ferstangeton, haltigis la radon, eniris, ŝtelis ĉion deziratan, foriris, turnigis la radon.
Sed la reĝo malkovris la ŝteladon. Post tiam, kiam li trovis tiujn pecojn el ŝtelisto meze de la padeloj, kiuj estis de la patro de nia ŝtelisto, li sendis ĉiumatene serviston por kontroli la monon. Kaj tiu-ĉi matene la reĝo malkovris.
Li decidis fari proklamon kiel klopodo por aresti la ŝteliston. Li sciigis al la tuta urbo ke en la ĉambro de la princino estis bela lintuko brodita de ŝi mem. La ŝtelisto kiu kapablus ŝteli la lintukon meritos duonon de la regno kaj edziĝos kun la princino.
La ŝtelisto jam estis laca pri ŝtelado kaj decidis ŝteli tiun tukon kaj riĉiĝi kaj princiĝi.

Continue lendo “RAKONTU ALIAN ANJO 11. LA RUZA ŜTELISTO (tria parto)”

GIL VICENTE 21. FARSA DAS CIGANAS (1521)

cigana

Resumo:

Entram em cena quatro ciganas. Pedem esmolas e se dizem cristãs. Querem receber objetos em troca da “buena ventura”. Entram a seguir quatro ciganos. Querem trocar cavalos. Cantam. As ciganas se oferecem para ensinar feitiços às damas presentes e em seguida lêem suas linhas das mãos. Vão-se cantando.

GV059. Ciganas

En la cocina estaba el asno
Bailando,
Y dijéronme, don asno,
Que vos traen casamiento
Y os daban en axuar
Una manta y un paramiento
Hilando.

(canta Jorge Teles)

 

Comentário:

Toda em espanhol, esta é, por certo, a mais singela obra de Gil Vicente, sem contar o Auto de São Martinho, que se trata de uma cena de procissão de Corpus Christi. Não há praticamente enredo; é um quadro. Ciganos entram  no círculo de cortesãos e lêem a sorte. O que as ciganas chamam de feitiços, hoje se podia chamar de simpatias: “outro feitiço que posso lhe dar, é que possais, senhora, saber, qual o marido que haveis de ter, e o dia e a hora em que haveis de casar”. Isto se parece com nossas simpatias para a véspera do dia de Santo Antonio.
Dois aspectos fazem dessa obra uma peça ímpar. O primeiro são as expressões elogiosas que os ciganos dirigem aos presentes: “lírio da Grécia”, “rosa nascida às margens do Nilo”, “esmeralda polida”, “minha linda ave Fênix”, e vai por aí. O segundo é a linguagem dos ciganos: Gil Vicente, como sempre fez, adota uma escrita de acordo com a pronúncia do personagem. Os ciganos se apresentam falando com ceceio; há uma abundância de z: Diuz, cristianuz sumuz… Mais tarde, na Farsa Chamada Auto da Lusitânia, de 1532, as deusas entoarão uma cantiga toda com ceceios. Acreditava-se na época que os ciganos tinham vindo do Egito e, como os ciganos falavam ceceando, os deuses, que também vinham do oriente, deviam cecear. Eis Gil Vicente exibindo um de seus mais preciosos troféus: as falas das gentes do povo se apresentam com uma espontaneidade realista, sem embelezamento nem artificialidade. Eu compararia esta linguagem com a linguagem das pinturas do renascimento do norte europeu, despojadas de um classicismo que se pretende elegante mas é padronizador.