sonho de uma noite de verão – shakespeare

SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO
William Shakespeare


(Nota: Fiz esta tradução adaptada para adolescentes, visando uma encenação com alunos da Escola Raphael Hardy, em 1973. O objetivo era juntar apenas alunos interessados, de todas as turmas, e trabalhar nos recreios e outros horários livres. O tempo não foi suficiente e o trabalho foi suspenso. Foi uma pena, porque a moçada estava se dedicando bastante. Alguém se lembra?)

Personagens: TESEU, duque de Atenas. HIPÓLITA, rainha das amazonas, sua noiva. EGEU, cidadão. LISANDRO e DEMÉTRIO, jovens atenienses. HÉRMIA, filha de Egeu, apaixonada por LISANDRO. HELENA, apaixonada por DEMÉTRIO. FILÓSTRATO, responsável pelas festas da corte. PEDRO MARMELO, GARRAFÃO, PÉ-DE-PATO, TROMBONE, JERERÉ e FAMINTO, pessoas do povo que ensaiam um teatro para as bodas. OBERON, rei dos elfos. TITÂNIA, rainha das fadas. PUCK, elfo, criado de OBERON. FLOR DE ERVILHA, TEIA DE ARANHA, TRAÇA e SEMENTE DE MOSTARDA, fadas, criadas de TITÂNIA. Séquito de nobres, elfos e fadas.

ATO I
Cena 1. Atenas. O palácio de Teseu. Entram Teseu, Hipólita, Filóstrato e séquito.

TESEU: Querida Hipólita! Agora só falta um dia para o nosso casamento e parece que o tempo parou!
HIPÓLITA: Um pouco de paciência e o nosso dia já chegará.
TESEU: Filóstrato! Fale a todos os atenienses. Convide todo o povo para a festa! Quero um casamento cheio de alegrias! (sai Filóstrato; entram Egeu, Hérmia, Lisandro e Demétrio)
EGEU: Salve, duque!
TESEU: Que há de novo?, Egeu.
EGEU: Venho, a contragosto, fazer queixa contra minha própria filha, Hérmia. Veja, duque, este é Demétrio, que eu escolhi para marido de minha filha. Mas este Lisandro aqui, enfeitiçou o coração da menina. Sim, Lisandro, você conquistou minha filha com palavrinhas bobas, cançõezinhas, cachinhos de cabelo, anéis, ramalhetes, docinhos, estas porcarias dos namorados. E assim, a obediência filial se transformou em teimosia. Como pai, quero a justiça de Atenas. Oua ela se casa com Demétrio, ou morre!
TESEU: Hérmia!, o que diz disto? Cuidado na resposta! Deve-se obedecer aos pais.
HÉRMIA: Vossa graça me perdõe a coragem, mas não quero viver se não for com Lisandro.
TESEU: Preste atenção, menina! Amanhã, quando serão celebradas as minhas bodas, você deverá dar a resposta final.
DEMÉTRIO: Hérmia, concorda. E você, Lisandro, não queira se opor mais ainda ao meu direito, recebido de Egeu.
LISANDRO: Se ele te quer tanto assim, case você com ele.
EGEU: Sem-vergonha! É verdade que o prefiro e para ele deixarei os meus bens.
LISANDRO: Senhor, eu também sou de boa familia. Além disto, Hérmia gosta é de mim. E tem mais. Helena, a filha de Nedar, está apaixonada por Demétrio.
TESEU: Já ouvi falar disto. Outra hora falarei a Demétrio sobre o caso. Mas agora, Egeu e Demétrio, venham comigo. Vamos, Hipólita. E você, Hérmia, cuidado com os teus caprichos. (saem Teseu, Hipólita, o séquito, Egeu e Demétrio)
LISANDRO: Então, Hérmia. Que faremos?

 HÉRMIA: Quanto sofrimento!, Lisandro.
LISANDRO: Todo o verdadeiro amor, conforme tenho lido, jamais teve um curso tranquilo.
HÉRMIA: Então, é preciso paciência…
LISANDRO: Ouça, Hérmia. A sete léguas de Atenas mora minha tia, uma viúva rica que não tem filhos e me considera seu herdeiro. Lá podemos nos casar, longe das leis de Atenas. Fuja esta tarde até o bosque ao norte da cidade. Encontrarei você lá.
HÉRMIA: Juro, Lisandro. Juro pela seta de penas de ouro do deus Cupido, pelo amor que une nossas almas, como estarei lá ao entardecer. Veja, aí vem Helena. Bela Helena, como vai? (entra Helena)
HELENA: Eu, bela? Mas é você que é amada por Demétrio. Quem me dera que a beleza fosse como uma doença contagiosa. Então nossa amizade me faria bonita. Demétrio só pensa em você.
HÉRMIA: Eu faço cara feia e ele me ama.
HELENA: Ah, se a minha cara fosse feia assim…
HÉRMIA: Coragem! Ele não ficará mais tempo sem amar você porque eu e Lisandro resolvemos fugir de Atenas.
LISANDRO: Não vamos ocultar de você os nossos planos, Helena. Hoje, quando raiar a lua, eu e Hérmia iremos rumo à liberdade.
HÉRMIA: Vamos nos encontrar naquele bosque onde a gente brincava quando era pequena. Reze por nós, Helena, e que Demétrio seja seu algum dia. Agora, Lisandro, precisamos nos separar. (saem Lisandro e Hérmia)
HELENA: Como é possível que as coisas estejam tão mal distribuidas. Dizem todos em Atenas que eu sou tão bonita quanto Hérmia. Mas Demétrio não pensa assim. Vou contar a ele que os dois fugirão. Pelo menos tenho um motivo pra falar com ele. Poderei vê-lo na ida e na volta. (sai)

Cena 2. Atenas. Um quarto em casa de Pedro Marmelo. Entram Marmelo, Garrafão, Pé-de-Pato, Trombone, Jereré e Faminto.

MARMELO: Toda a tropa está aqui?
PÉ DE PATO: É melhor fazer a chamada!
MARMELO: Neste papel eu tenho o nome de todos os que foram cosiderados aptos pra representar a peça de teatro no casamento do duque.
PÉ DE PATO: Pedro Marmelo, primeiro conte o enredo. Depois leia a lista pra entrarmos no assunto.
MARMELO: A peça se chama A mais lamentável comédia, a mais cruel morte de Píramo e Tisbe.
PÉ DE PATO: Uma bela peça, sem dúvida. E agora, faz a chamada.
MARMELO: Respondam enquanto eu for chamando. O lixeiro Zé Pé de Pato!
PÉ DE PATO: Presente. Qual o meu papel?
MARMELO: Você vai fazer o papel de Píramo.
PÉ DE PATO: Quem é Píramo? Namorado ou tirano?
MARMELO: Um namorado que se suicida galantemente por causa do amor.
PÉ DE PATO: Então precisarei chorar. A platéia que cuide dos seus olhos: provocarei um chuveiro de lágrimas. Mas o que eu queria mesmo era representar um tirano.
    As pedras raivadas
    Em grandes pancadas
    Arrebentarão
    A forte prisão.
    Um tirano, isto sim! Um apaixonado é muito sentimental.
MARMELO: Chico Trombone, gari de praça.
TROMBONE: Presente.
MARMELO: Você vai representar Tisbe.
TROMBONE: Tisbe. Está bem. Quem é Tisbe? Algum jogador famoso?
MARMELO: Não. Tisbe é a mulher que Píramo vai amar.
TROMBONE: Ah, mas eu não farei papel de mulher, não. A minha barba já começa a crescer.
MARMELO: Você vai usar máscara. E vai falar com voz tão fina quanto quiser.
PÉ DE PATO: De máscara eu também faço o papel de Tisbe. Falarei com uma vozinha tão delicada: Píramo! Oh, Píramo! Ouve tua querida Tisbe! Tua Tisbe idolatrada.
MARMELO: Não, não, não. Você faz o Píramo, Trombone faz a Tisbe.
PÉ DE PATO: Tá bem, continue.
MARMELO: Mané Faminto, lavador de privada.
FAMINTO: Presente. Sou eu aqui.
MARMELO: Você faz a mãe de Tisbe. Jereré, amolador de faca.
JERERÉ: Presente.
MARMELO: Você faz o pai de Píramo. Eu farei o papel do pai de Tisbe. Garrafão, o dono do bar, faz o papel de leão. Penso que assim vai dar certo.
GARRAFÃO: Já está escrito o script do Leão? Porque sou um pouco lento pra ler letra de forma.
MARMELO: O único que você vai fazer é rugir na hora certa.
PÉ DE PATO: Dê-me também o papel de Leão. Vou rugir de tal maneira que comoverei os corações. (ruge) Vou rugir tão ferozmente e barulhentamente que o duque dirá: que ruja novamente, que ruja novamente!
MARMELO: Vai acabar assustando as senhoras e isto será suficientemente motivo pra sermos enforcadamente
TODOS: É, é.
FAMINTO: As nossas mãezinhas perderiam os filhos.
PÉ DE PATO: Está bem, está bem. Então eu vou rugir meigamente como uma pombinha. Docemente como um rouxinol.
MARMELO: Pra você só serve o papel de Píramo porque ele tem uma fisionomia agradável, é bem feito de rosto, dessas pessoas encantadoras como um dia de verão. Por isto você vai fazer o Píramo.
PÉ DE PATO: Está bem, está bem. E que barba eu vou usar?
MARMELO: Ora, a que você quiser.
PÉ DE PATO: Não sei se ponho uma barba cor de palha… ou uma ligeiramente bronzeada… ou uma ruiva como fogo…
MARMELO: Vai representar sem barba. Gente, aqui estão os papéis de cada um. Aprendam de cor porque ao entardecer vamos nos reunir no bosque ao norte da cidade, para os ensaios. Enquanto isto, farei uma lista do material que vamos usar. Até logo.
PÉ DE PATO: O encontro é junto daquele carvalho grande?
MARMELO: Isto mesmo. Mãos à obra, gente.

ATO II
Cena 1. Um bosque. Entram Puck, de um lado, e uma Fada, de outro.

PUCK: Ola, ninfa. Onde vai?
FADA: Vou me esgueirando por estes bosques, por estes gramados, mais rápida que a lua quando navega sobre as florestas. Vivo à serviço de Titânia, rainha das fadas. Vou sacudindo as pétalas das rosas, vou voando por aí pra soprar o orvalho das plantinhas.
PUCK: Meu rei, Oberon, vem vindo pra cá. Não se encontre ele com Titânia, pois eles brigaram feio. Ela tirou dele aquele deusinho indiano, pra ser seu pajem. Mas o rei não se conforma. E quando os dois se encontram, fazem tanto barulho que tudo fica quieto de medo.
FADA:: Se não me engano, você é Puck. Não é você que atrapalha a vida das pessoas por pura brincadeira? Atrapalha as peças do moinho, rouba a nata do leite, faz desandar a manteiga e não deixa a cerveja fermentar. E ainda desvia o viajante nas noites escuras e frias, escondendo-se pra rir. E quando te chamam de Puck amigo, você não faz brincadeiras e traz sorte. Não é isso?
PUCK: Isso mesmo. Eu sou esse espírito vagabundo que faz traquinagens pra que meu amo fique alegre. Como ele ri quando eu cavalgo num cavalo bravo, aos pinotes. E quando faço a velha errar a boca e o vinho entorna na sua roupa? E quando a tia gorda vai se sentar e eu de mansinho tiro o banco do lugar e ela, pumba, vai direto no chão e machuca a… consciência. Epa, aí vem vindo Oberon. Cuidado!
FADA:: A rainha também. (entram Oberon, com elfos, de um lado. Titânia com fadas, do outro)
OBERON: Titânia orgulhosa! Mal sinal te encontrar ao luar!
TITÂNIA: Oberon ciumento! Olhem quem está aqui! Fadas, vamos embora!
OBERON: Um momento, presunçosa. Ainda sou teu rei.
TITÂNIA: Não quero saber de você. Pensa que não sei que você deixou a India e veio pra cá só por causa dessa Hipólita, que vai se casar com o duque?
OBERON: E você fala como se eu não soubesse que está apaixonada por Teseu. Não foi com sua ajuda que ele conseguiu fugir da Perigenia?
TITÂNIA: Tudo isso você inventa com ciúmes. Nunca mais pudemos nos reunir nas praias desertas ou nos prados floridos pra dançar ao som dos ventos. Você sempre começa com estes ataques. É por isso que tudo está tão fora de ordem: os ventos agora são vapores venenosos, o trigo apodrece antes de amadurecer, morrem os bois. As estações estão desordenadas, o inverno trocou de roupa com a primavera. E nós é que somos os culpados, com estas brigas inúteis.
OBERON: Então me devolva o pajenzinho que você roubou. Tudo voltará ao que era.
TITÂNIA: Pode desistir! A mãe dele era sacerdotiza do meu culto. E eu vou criar este deusinho, quer você queira, quer não.
OBERON: Você pretende morar neste bosque?
TITÂNIA: Só enquanto durarem as bodas de Teseu e Hipólita. Se quiser, poderá assistir às festas conosco. Se não, é só avisar, que evitarei o seu caminho.
OBERON: Dê-me o deusinho e eu seguirei contigo.
TITÂNIA: Inútil. Vamos, vamos. (saem Titânia e as fadas)
OBERON: Puck! Puck, venha aqui. Vou já cuidar dessa rainha altiva. Puck. Lembra-se daquele dia em que eu estava sentado num promontório, ouvindo uma sereia que cantava no dorso de um golfinho?
PUCK: Lembro, lembro.
OBERON: Preste atenção. Naquele dia eu vi algo que só os deuses podem ver. Vi Cupido armado com suas setas de ouro, perseguindo uma vestal da deusa Lua. Atirou sua flecha mas os raios de luar fizeram com que a mesma errasse o alvo. A sacerdotiza continuou tranquila o seu passeio. Mas eu vi onde caiu a seta. Caiu numa florzinha que era branca e ficou vermelha, por causa da ferida de amor. Chama-se amor ardente. Vá buscar essa flor. Com ela farei um filtro de amor e se despejarmos o líquido nos olhos de alguém adormecido, ao acordar essa pessoa ficará apaixonada pela primeira coisa que enxergar. Vai e volta depressa.
PUCK: Em quarenta minutos vou dar uma volta na terra. (sai)
OBERON: De posse desse líquido farei com que Titânia se apaixone pelo primeiro monstrengo que lhe surgir à frente. Seja urso, leão, lobo, boi ou macaco. E antes de quebrar o encantamento, farei com que me devolva o meu deusinho. Mas quem vem aí? Sendo invisível, ouvirei o que dizem. (entram Demétrio e Helena)
DEMÉTRIO: Não me siga, Helena. Eu não te amo. Quero apenas encontrar Lisandro, pra matá-lo e depois ser morto por Hérmia.
HELENA: Demétrio, eu vou te seguir por toda a floresta. E a culpa é sua.
DEMÉTRIO: Minha? Mas eu sempre te maltrato.
HELENA: Por isto mesmo. Eu sou como um cãozinho seu.
DEMÉTRIO: Eu me sinto mal só de ver você na minha frente.
HELENA: E eu me sinto mal se não te vejo.
DEMÉTRIO: Você  se compromete, me seguindo tão tarde neste bosque.
HELENA: Pra mim você é como um dia, por isso não tenho medo.
DEMÉTRIO: Vou deixar você sozinha, entregue às feras do mato. (sai Demétrio)
HELENA: Qualquer fera é mais branda que você, Demétrio. Vou seguir você até o fim. (sai Helena)
OBERON: Adeus, menina. Vou dar um jeito de resolver o seu problema. (entra Puck) Então, Puck, achou a flor?
PUCK: Aqui está.
OBERON: Sei onde Titânia dorme. Conheço o agradável local onde rosas lhe servem de leito e as ervas são suaves ao contato. Ali ela é acalentada pelo canto das fadas. Irei lá sorrateiramente e espremerei a flor em seus olhos. Agora, você. Tome um pouco das flores. Há no bosque uma moça perseguindo um rapaz. Ele é ateniense, descubra pelas roupas. Esprema as flores nos olhos dele, quando estiver dormindo. Mas cuidado pra que ele a veja logo que desperte. Use só um pouquinho e verá como provocará nele uma paixão violenta. Vamos, vamos. (saem)

Cena 2. Outra parte do bosque. Entra Titânia com seu séquito.

TITÂNIA: Vamos à ronda. Primeiro, quero que cantem uma canção de fadas, pra que eu adormeça. Depois, vocês sairão. Você vai matar os bichinhos que infestam os botões das flores, pra que floresçam maravilhosas. Você vai conseguir asas de morcegos pra fazermos as roupas dos pequenos elfos. Você espantará as corujas que piam de noite, amedrontando o nosso bando. Cantem e deixem-me em seguida.
Fadas: Você, serpente, de língua dobrada,
    desapareça. E você, rãzinha,
    que tanto canta, fique calada.
    Não atrapalhe o sono da nossa rainha.
    Como rouxinóis, em harmonia,
    Nós vamos cantar a melodia,
    Dorme, dorme, bem quietinha,
    Dorme, dorme, ó rainha,
     Boa noite, boa noite!
    Aranha preta, peluda e feia
    Saia depressa deste lugar.
    Besouro, enfie-se na areia,
    Não venha o seu sono atrapalhar.
    Como rouxinóis, em harmonia,
    Nós vamos cantar a melodia,
    Dorme, dorme, bem quietinha,
    Dorme, dorme, ó rainha,
     Boa noite, boa noite!
FADA: Vamos, com cuidado, pra não acordá-la. (saem; entra OBERON e espreme a flor nos olhos de Titânia)
OBERON: Agora, sim. Quem primeiro você enxergar, há de amar perdidamente. Seja onça, gato ou urso. (sai; entram Lisandro e Hérmia)
LISANDRO: Você está cansada. Não quero afligi-la mais. Errei o caminho. É preciso que você descanse.
HIPÓLITA: Faça uma cama de plantas que eu dormirei aqui.
LISANDRO: Está bem. Eu dormirei atrás daquela árvore. (dormem; entra Puck)
PUCK: Não consegui encontrar o tal ateniense de que o mestre falou. Opa! Atenienses a varejo! Coitadinha, por que será que está dormindo tão longe dele? Bem, aqui está o seu prêmio, moço. (espreme a flor nos olhos de Lisandro e sai; entra Demétrio, perseguido por Helena)
HELENA: Espere. Vou seguir você ainda que morra!
DEMÉTRIO: Vá embora, já disse.
HELENA: Você vai me deixar nesta escuridão?
DEMÉTRIO: E eu quero lá saber de você. (sai)
HELENA: Ah, eu não aguento mais persegui-lo. Hérmia é que é feliz. Conquistou-o sem fazer nada. A culpa deve ser da minha feiura. Quem foi que disse a loucura de que eu sou tão bonita quanto ela. Mas… é Lisandro que dorme aqui. Lisandro! Lisandro!
LISANDRO: Oh, Helena transparente! Fala uma ordem e eu me jogarei no fogo por sua causa. Como você tem o coração dolorido, por causa de Demétrio, vou procurá-lo e matá-lo.
HELENA: Não, Lisandro. Só porque ele ama Hérmia? Mas ela gosta é de você.
LISANDRO: De mim? Eu não quero nada com aquela urubu. Quero a bela Helena. Perdi muito tempo com aquela porcaria, quero recuperá-lo com você, minha amada Helena.
HELENA: Mas por que zombam tanto de mim? Que foi que eu fiz? Escute aqui, não basta eu amar Demétrio como louca e ser por ele despresada e agora você vem me dizer estas bobagens? Por que vocês ficam abusando assim de mim? (sai)
LISANDRO: Vou segui-la. Ah, aqui está Hérmia. Vou deixar você aqui sozinha. Pra mim, você é como uma indigestão. (sai)
HÉRMIA: Lisandro! Lisandro! O que houve? Lisandro? Estou tremendo de medo. Por que me deixou aqui sozinha? (sai)

ATO III
Cena 1. Um bosque. Titânia dorme. Entram Marmelo, Garrafão, Pé de Pato, Trombone, Jereré e Faminto.

PÉ DE PATO: Falta alguém?
MARMELO: Não. Aqui está ótimo. Esta grama será o palco. Este canteiro de flores será o nosso camarim.
PÉ DE PATO: Pedro Marmelo!
MARMELO: O quê?
PÉ DE PATO: Acho que nesta comédia alguma coisa pode não agradar. Por exemplo: a espada com que Píramo se mata. As senhoras não suportarão ver a morte.
JERERÉ: É mesmo. É muito perigoso.
FAMINTO: A meu ver, ninguém deve morrer.
PÉ DE PATO: Mas isto mudaria toda a história. Tenho uma idéia. Escreve-se um prólogo e no prólogo se diz que Píramo não morre de verdade. E que Píramo não passa de Zé Pé de Pato, o lixeiro.
MARMELO: Então, está bem. Vou escrever o prólogo.
JERERÉ: E o leão, não vai amedrontar as damas?
FAMINTO: Eu também acho.
PÉ DE PATO: Mestres, não podemos fazer um leão de verdade. Seria um horror, assustar as senhoras.
JERERÉ: Neste caso, um outro prólogo falaria do leão.
PÉ DE PATO: Não. Basta que a máscara do leão lhe mostre um pedaço da cara. E o leão poderá dizer: Minhas gentis senhoras… ou, Minhas lindas senhoras… ou Graciosas Damas… Gostaria que não temêsseis, porque na verdade eu não sou um leão de verdade, sou Garrafão, o dono do bar.
MARMELO: Isto mesmo. Mas falta um detalhe. O luar. Bem sabemos que os namorados se encontram à luz do luar. Como faremos luar no palco?
GARRAFÃO: A noite será de lua?
PÉ DE PATO: Uma folhinha! Alguém tem uma folhinha? Uma folhinha! Procurem a lua!
MARMELO: Haverá lua cheia!
PÉ DE PATO: Então, bastará deixar uma janela aberta.
MARMELO: Acho melhor entrar um ator com uma lanterna e dizer que é o luar. Mas ainda falta o muro.
GARRAFÃO: O muro é difícil. Que acha, Pé de Pato?
PÉ DE PATO: Alguém faz o muro. É só afastar os dedos, assím, oh, pra que Píramo e Tisbe falem através da fresta.
MARMELO: Ótimo, ótimo. Agora vamos começar. Todo mundo sentado no chão. Píramo começa. (entra Puck)
PUCK: Quem são estes imbecis que fazem tal gritaria onde a rainha dorme? Ah, uma peça de teatro. Ótimo, vou me divertir bastante.
MARMELO: Começa, Píramo, começa!
PÉ DE PATO: Tisbe! Como flores perfuradas…
MARMELO: Perfuradas, não! Perfumadas!
PÉ DE PATO: Como flores perfumadas
    Tens o hálito, querida!
    Mas escuto algum rumor.
‘    Eu volto já, meu amor.
    Não demoro, minha vida! (sai)
Puck: Nunca se viu um Píramo assim. Vou transformar a cabeça dele em cabeça de burro (sai)
TROMBONE: Agora, sou eu?
MARMELO: É. Ele saiu, você fala!
TROMBONE: Oh, Píramo amado, juvenil    
    Sacerdote da beleza,
    Tão belo como o lírio e como a rosa
    Ostentando realeza!
    Vou te encontrar no túmulo de Nico!
MARMELO: De Nino, sujeito burro! Mas ainda não era a hora de falar isto! Tinha que parar em realeza.
TROMBONE: Ostentando realeza! (entra Pé de Pato, com a cabeça de burro)
PÉ DE PATO: Oh, bela Tisbe! Em teu regaço…
TODOS: Socorro! Estamos enfeitiçados! O quê aconteceu? É um fantasma!
PÉ DE PATO: Por que fugiram? Estão querendo me meter medo? (entra Jereré)
JERERÉ: Pé de Pato, o que é isto na sua cabeça?
PÉ DE PATO: Na minha cabeça? Que cabeça, seu cabeça de burro! (sai Jereré) Ah, já sei. Pensam que eu sou bobo? Estão brincando comigo pra me fazer ficar com medo. Pois vou cantar bem alto pra mostrar que eu sou corajoso!
    O melro preto canta
    Com o biquinho faz assim…
TITÂNIA: (acordando) Que divina criatura está me despertando no meu leito de rosas?
PÉ DE PATO: E o cuco também canta… Oh!
TITÂNIA: Cante mais, mortal. Sua voz encanta o meu coração e sua beleza me comove tanto que quero dizer bem depressa que… eu te amo!
PÉ DE PATO: Não sei com que razão, senhora. Enfim… amor e razão nunca estão juntos. Viu como eu sou espirituoso?
TITÂNIA: É tão inteligente quanto belo. Vou transformar você num espírito imortal. Traça! Teia! Flor de Ervilha! Mostarda! (entram as quatro)
AS QUATRO: Aqui estamos.
TITÂNIA: Quero que façam agrados a este amado mortal. Dancem, cantem, tragam doces preciosos e mel pra seus lábios encantadores!
PÉ DE PATO: Como é seu nome?
TEIA DE ARANHA: Teia de Aranha.
PÉ DE PATO: E o seu?
FLOR DE ERVILHA: Flor de Ervilha.
PÉ DE PATO: Dê um alô à madame Vagem, sua mãe, e ao seu pai, o senhor Grão de Bico. E o seu nome?
SEMENTE DE MOSTARDA: Semente de Mostarda.
PÉ DE PATO: Eu te conheço bem. Seus parentes me deixam com os olhos ardendo.
TITÂNIA: Vamos, vamos. Cuidem bem dele. Vamos. (saem todos)

Cena 2. Outra parte do bosque. Entra Oberon.

OBERON: Gostaria de saber se Titânia já despertou e se já se apaixonou por algum monstro. Ah, aí vem Puck. Então, como saiu a sua estranha brincadeira?
PUCK: A rainha se apaixonou por um monstro. Bem no lugar onde ela dormia, encontrei um bando de casca-grossas, ensaiando uma peça pro casamento do duque. Transformei o mais imbecil deles num monstro com cabeça de burro e afugentei os outros. A rainha está apaixonada pelo infeliz.
OBERON: Ótimo, ótimo. Eu não teria feito melhor. E o ateniense? Você o encontrou?
PUCK: Também já resolvi este problema. Aí vem gente. Epa! Ela é a mesma, mas ele não é ele. (entram Demétrio e Hérmia)
DEMÉTRIO: Por que você está me perseguindo?
HÉRMIA: Sei bem que você matou Lisandro. Quero que me mate também. Monstro! Víbora! O seu olhar cruel indica traição.
DEMÉTRIO: Você está enganada, Hérmia. Eu não vi Lisandro, não sei dele. (sai Hérmia) Vou esperar que ela fique calma. (dorme)
OBERON: Você trocou o namorado. Este é o verdadeiro. O outro é o falso.
PUCK: Quê que eu posso fazer? Pra cada um namorado verdadeiro, há mil falsos.
OBERON: Procure já Helena e faça com que ela venha pra cá. (sai Puck) Preciso espremer a flor nos olhos deste jovem. (espreme a flor nos olhos de Demétrio; volta Puck)
Pr: Capitão, aí vem ela. Mas veja como são loucos estes mortais! (entram Helena e Lisandro)
LISANDRO: Helena, não é fingimento. Eu te amo de verdade.
HELENA: Você acabou de dizer estas verdades a Hérmia.
LISANDRO: Eu estava fora de mim.
HÉRMIA: Fora de si foi deixá-la.
DEMÉTRIO: (acordando, vê Helena) Oh, Helena, maravilhosa ninfa. Que coisa há de mais encantadora do que a aurora deste seu olhar? Estou apaixonado por você, princesa iluminada.
HELENA: Ah, ja entendi. Vocês dois se juntaram pra zombar de mim. Quanta ofensa, pra quem está indefesa como eu.
LISANDRO: Demétrio, sei que você ama Hérmia. Portanto, acho que poderá ficar com ela e me deixar Helena.
DEMÉTRIO: Hérmia! Quero eu saber daquilo? Eu só amo a bela Helena.
LISANDRO: Não acredite, Helena. (entra Hérmia)
HÉRMIA: Noite escura que termina em luz, ao encontrar meu namorado. Pra onde você foi?, Lisandro.
LISANDRO: Encontrar Helena, minha rainha.
HÉRMIA: Mas isto é impossível!
HELENA: Quer dizer que Hérmia também esta ao lado deles! Que ingratidão!
HÉRMIA: Não seja injusta, Helena. Eu é que sou alvo de zombaria.
HELENA: Continuem a fingir, continuem.
LISANDRO: Não vá, Helena linda.
HELENA: Que bonito.
HÉRMIA: Lisandro, não zombe dela.
DEMÉTRIO: Isto mesmo. Ou eu usarei a força.
LISANDRO: Não tenho medo de você!
HÉRMIA: Lisandro, não brigue!
LISANDRO: Cai fora, macaca.
HÉRMIA: Mas… querido…
LISANDRO: Eu, querido! Sua cascorenta!
HÉRMIA: Você está brincando!
HELENA: E você também.
HÉRMIA: A culpa é sua, sua trapaceira. Ladra de namorados!
HELENA: Continue fingindo, sua bonequinha.
HÉRMIA: Bonequinha! Então ela acha que pode roubar meu namorado porque é mais alta que eu?
HELENA: Vamos, vamos, continuem a fingir. Mas senhores, por favor, eu tenho medo dela. É baixinha mas está raivosa.
HÉRMIA: Baixinha, baixinha!
LISANDRO: Não tenha medo, Helena.
HELENA: Essa tampinha é perigosa.
HÉRMIA: Tampinha, baixinha! Lisandro, saia da frente que eu agarro esta sujeita!
LISANDRO: Pra trás, anãzinha! Dedo mindinho, sementinha!
DEMÉTRIO: Chega! Você vai pagar caro!
LISANDRO: Vamos medir nossas forças ali naquela clareira. (saem Demétrio e Lisandro)
HELENA: A culpa é sua, viu? (saem Helena e Hérmia)
OBERON: Puck, acho que você andou errando de propósito!
PUCK: Algum dia já se viu confusão maior?
OBERON: Depressa, Puck. Escureça todo o bosque pra que se separem e não briguem. (saem Oberon e Puck; escurece um pouco; entra Lisandro)
LISANDRO: Aquele verme aproveitou a escuridão e fugiu. Vou dormir um pouco. (dorme; entra Demétrio)
DEMÉTRIO: Aquele covarde! Amanhã de dia vamos acertar nossas contas (dorme; entra Helena)
HELENA: Não consigo encontrar ninguém nessas trevas. Vou esperar o amanhecer. (dorme; entra Hérmia)
HÉRMIA: Não aguento dar nem mais um passo. Terei que dormir aqui mesmo e esperar pela alvorada. (dorme; entra Puck)
PUCK: Preciso acertar esta confusão. Bem, este é daquela! Aquela é deste! (derrama o filtro nos olhos de Lisandro) Agora, sim. Ao acordarem, tudo estará resolvido. (sai)

ATO IV
Cena 1. Bosque. Lisandro, Demétrio, Helena e Hérmia dormem; entram Titânia, Pé de Pato e fadas.

TITÂNIA: Vem sentar aqui, meu amado, quero fazer um carinho.
PÉ DE PATO: Flor de Ervilha!
FLOR DE ERVILHA: Presente!
PÉ DE PATO: Coce minhas costas. Teia de Aranha!
TEIA DE ARANHA: Presente!
PÉ DE PATO: Quero uma colher de mel. Semente de Mostarda!
SEMENTE DE MOSTARDA: Presente. Que quer?
PÉ DE PATO: Nada, nada. A não ser que queira ajudar Flor de Ervilha a coçar minhas costas.
TITÂNIA: Querido, não quer ouvir um pouco de música?
PÉ DE PATO: Adoro música. Põe lá o tambor e a cuíca.
TITÂNIA: Ou quer comer? Alguma fina iguaria?
PÉ DE PATO: Claro, claro. Um bom saco de capim. Mas acho que quero mesmo é dormir.
TITÂNIA: Dorme, querido. Também vou dormir. (dormem Titânia e Pé de Pato; as Fadas saem; entram Oberon e Puck)
OBERON: Veja, Puck, a que estado chegou nossa rainha. Encontrei-a há  pouco, apaixonada por este bobalhão.  Pedi-lhe o pajenzinho e ela me devolveu. Puck, faz com que todos pensem que tudo isto não passou de um sonho. Vou desencantar a rainha. (toca Titânia com uma flor)
TITÂNIA: Oberon! Que pesadelo horrível!
OBERON: Precisamos de música, pra encantar os sentidos de todos. (ouve-se música)  Vamos, querida, festejar nosso encontro com danças e canções. (saem Oberon, Titânia e Puck; toque de trompas; entram Teseu, Hipólita, Egeu e séquito)
TESEU: Venha, Hipólita, à caça. Vamos dessa forma festejar a madrugada do dia de nossas bodas. Mas, quem são estes jovens?
EGEU: Eu os conheço. É minha filha! Demétrio! Lisandro! Helena! O que está acontecendo?
TESEU: De certo, madrugaram para a nossa festa. Toquem as trompas! (os jovens acordam) O que estão fazendo aqui?
LISANDRO: Perdão, duque. Eu e Hérmia fugimos pra longe de Atenas e nos perdemos…
EGEU: Basta! Exijo que se cumpra a lei. Veja, Demétrio, queriam nos enganar.
DEMÉTRIO: Ouve, bom Egeu. Eu não amo mais sua filha. Não sei por que encantamento, não sei que mistério foi esse que me fez redescobrir a bela Helena. Só quero me casar com ela.
TESEU: Egeu, acho que vamos contrariar tua vontade. Esses quatro fazem dois pares perfeitos e poderemos unir as bodas deles às minhas e fazer uma só festa. (saem Egeu, Teseu, Hipólita e séquito)
DEMÉTRIO: Tudo que aconteceu parece pequenino e difuso.
HÉRMIA: E eu… parece que vejo tudo dobrado!
HELENA: O mesmo digo eu…
DEMÉTRIO: Será que não estamos sonhando?
LISANDRO: A mim, me parece que estamos saindo de um sonho. Vamos, vamos… (saem)
PÉ DE PATO: (acordando) Oh, Píramo… Oh, Píramo… É a minha deixa. Aí, eu entro e falo… Trombone! Marmelo! Garrafão! Fugiram todos. E eu… parece que eu dormi… Sonhei que tinha… mas não, é impossível… Vou pedir a Pedro Marmelo que escreva uma balada: O sonho de Zé Pé de Pato. Vou cantá-la na festa do duque! (sai)

Cena 2. Atenas. Um quarto na casa de Marmelo. Entram Marmelo, Trombone, Jereré, Garrafão.

MARMELO: Quem foi chamar Pé de Pato?
TROMBONE: Se não o achamos, perde-se a comédia. (entra Faminto)
FAMINTO: Mestres. O duque já vem do templo. Se tivéssemos aqui o Pé de Pato, faríamos a peça e ganharíamos algum presente.
TROMBONE: Coitado do Pé de Pato. Garanto que se o duque o visse representando Píramo, lhe daria um bom dinheiro (entra Pé de Pato)
PÉ DE PATO: Mas que desânimo é esse?, minha gente.
TODOS: Oba, oba, oba. Viva o Pé de Pato!
PÉ DE PATO: Tenho coisas extraordinárias pra contar. Mas não agora. Outra hora. Vamos nos preparar para a comédia. Avante!

ATO V
Cena 1. Atenas. Sala do palácio de Teseu. Teseu, Hipólita, Egeu, Filostrato, séquito.

HIPÓLITA: As histórias que os quatro jovens contaram são estranhas. Namorados, poetas e loucos transformam o universo à sua maneira. Vão do céu à terra, da terra ao céu, dando formas a essas coisas nenhumas aéreas e vazias. Ah, aí vêem eles. (entram Demétrio, Helena, Lisandro e Hérmia) Alegria, amigos. Venham!
LISANDRO: Maior felicidade para o duque e sua esposa.
TESEU: Bem, que festejos veremos agora? Onde está Filóstrato?
FILÓSTRATO: Aqui, senhor.
TESEU: Que assistiremos, Filóstrato. Bailados, cantos, pantomimas?
FILÓSTRATO: O duque escolherá dentre o que lhe for do agrado. (entrega um papel ao duque)
TESEU: Vamos ver essa lista. A Luta dos Centauros, canto e harpa. Não. Já contei esta aventura à Hipólita. A Orgia das Bacantes… Não. É peça muito antiga. Cena curta e entediante contando a divertida tragédia entre Píramo, o mancebo, e a bela Tisbe. Filóstrato, como uma peça pode ser curta e entediante, trágica e divertida?
FILÓSTRATO: É uma pecinha, senhor, feita por uns pobres coitados. Gente muito simples. É entediante porque nenhuma palavra está certa. É curta porque tem pouco mais de dez linhas. É trágica porque Píramo se mata e é divertida porque nós todos também morremos de tanto rir.
TESEU: Então, queremos ver essa peça.
FILÓSTRATO: Acho que o duque não vai gostar. Eles quase não conseguiram decorar as falas, coitados. (sai)
HIPÓLITA: Tenho pena deles.
TESEU: Poderemos aplaudir só pra valorizar o trabalho deles. Precisamos reconhecer as suas intenções. (volta Filóstrato)
FILÓSTRATO: Vosssa Graça deseja que comecem? Aqui vem o Prólogo. (entra Marmelo)
MARMELO: Nós não viemos vos ofender.
    Mas se ofendermos, foi por querer.
    E se aqui estou, vestido assim
    É pra mostrar o início do fim.
    Também não viemos vos alegrar.
    Se eu porventura desagradar
    Lembrai-vos sempre da intenção
    Que nos moveu, de coração.
TESEU: Não faz caso das vírgulas.
HIPÓLITA: Parece uma criança com uma flauta. Saiu o barulho mas nada de música. E agora? O que é? (entra Jereré como Muro)
JERERÉ: Se assim estou
    Bem firme e duro
    É porque faço
    Papel de muro.
    Mas muro mesmo,
    Muro não é.
    Porque eu sou gente.
    Sou Jereré.
    As manchas brancas
    São da pintura.
    Aqui os amantes
    Sua amargura
    Vão confessar.
    E eu os dedos
    Abrindo assim
    Farei a brecha
    Por onde eles
    Dos seus segredos
    E dos seus medos
    Irão falar
    Junto de mim.
DEMÉTRIO: É o muro mais engraçado que já vi na minha vida.
TESEU: Silêncio, silêncio! Aí vem Píramo. (entra Pé de Pato, como Píramo)
PÉ DE PATO: Oh noite escura!
    Oh desventura!
    Eis a parede
    Que me separa
    Da minha amada.
    Como ela tarda!
    Maldito muro!
    Eu nesse escuro
    Não vejo nada. (o muro separa os dedos)
    Oh, obrigado.
TESEU: Acho que o muro também devia te amaldiçoar.
PÉ DE PATO: Não, senhor duque. Não está escrito isto na peça. “Oh, obrigado” é a deixa de Tisbe. Ali vem ela. (entra Trombone, como Tisbe)
TROMBONE: Oh muro adorado,
    Que deixa que eu veja
    Meu Píramo amado.
PÉ DE PATO: A voz ouvi
    Da minha Tisbe.
    Vinha daqui.
TROMBONE: Oh, Píramo.
PÉ DE PATO: Oh, Tisbe.
TROMBONE: Oh.
PÉ DE PATO: Oh.
TROMBONE:  Oh, oh.
PÉ DE PATO: Quero encontrar-te
    Na catacumba
    De Nino, amada.
TROMBONE: Em meia hora
    Estarei lá.
    Já vou embora.
    Pra nossa hora
    Não falta nada.
PÉ DE PATO: Oh!
TROMBONE: Oh! (saem Pé de Pato e Trombone)
JERERÉ: Agora, que o muro cumpriu seu fim,
    Eu vou saindo, assim, assim…
HIPÓLITA: Nunca vi peça mais boba.
TESEU: Mas você precisa usar a imaginação.
HIPÓLITA: Nesse caso, é a imaginação quem tem talento, não a peça.
TESEU: Estão se esforçando, coitados. (entram Garrafão, como Leão e Faminto, como Luar)
GARRAFÃO:    Oh, gentis damas
    Que já gritais.
    Vendo um ratinho
    Pequenininho
    Vos assustais.
    Se surge então
    Algum leão
    Vós desmaiais.
    Mas não temais.
    Não sou Leão.
    Sou Garrafão.
TESEU: Admiro de ver um Leão falando.
DEMÉTRIO: Por que admirar-se, senhor, se tanto burro por aí também fala.
FAMINTO: Eu sou a Lua.
LISANDRO: Há de ser lua cheia, pelo visto.
FILÓSTRATO: Eu sou a Lua.
TESEU: Isto está mal feito. Por que ele não entra dentro da lanterna? Continua, Luar!
FAMINTO: O meu texto é só este, senhor: eu sou a Lua. Agora tem que entrar Tisbe. Tisbe! Tisbe! (volta Trombone, como Tisbe)
TROMBONE: Eis o túmulo de Nino.
    Onde estará meu Píramo amado?
GARRAFÃO: (ruge forte; Tisbe foge e deixa cair o manto; o Leão o rasga com raiva e sai)
DEMÉTRIO: Rugiu bonito, Leão!
TESEU: Correu bonito, Tisbe!
HIPÓLITA: Brilhou bonito, Lua!
DEMÉTRIO: Aí vem Píramo. (entra Pé de Pato)
PÉ DE PATO: Eis o lugar
    Onde a amada
    Devo esperar.
    Onde está ela?
    Não terá vindo
    Me encontrar?
    Mas, pára, coração!
    Que será isto, então,
    Que vejo aqui?
    Terá sido um leão?
    Um rastro pesadão
    Eu vi ali. (descobre o manto rasgado)
    O monstro trucidou
    A minha amada.
    Que vale a vida agora?
    Nada, nada, nada! (apunhala-se)
    Assim eu morro,
    Assim, assim, assim.
    Estou já morto,
    Não há conforto
    Mais, para mim.
    Minha alma voa
    Pro alto céu.
    Eu morro, morro,
    morro, morro. (morre)
DEMÉTRIO: Não sei qual é pior. Píramo, como homem, Tisbe, como mulher. Aí vem ela. (volta Trombone, como Tisbe)
TROMBONE: Eis meu amor.
    Está dormindo
    Como uma flor.
    Mas que acontece?
    Ele fenece!
    Está tão frio
    Que até parece
    Água de rio.
    Oh, morte horrenda,
    Porque levaste
    O meu querido?
    Viver agora
    Não tem sentido.
    Assim se finda
    A Tisbe linda. (mata-se)
TESEU: Acho que a Lua e o Leão vão enterrar os mortos.
PÉ DE PATO: Não, não. Agora, desejam ouvir o epílogo ou preferem que a gente dance uma dança fúnebre para todos?
TESEU: Dançar? Deus me livre! Todos os atores morreram, melhor fim não existe pra uma peça assim. Vamos, mas é terminar a noite de hoje e cada um irá pra sua casa. Hora de dormir! E amanhã, continuaremos os festejos. (aos poucos, todos saem; entra Puck)
PUCK: Agora, noite profunda, quando o lobo uiva, quando o camponês dorme, quando a ave agourenta assusta o doente com o seu pio doloroso…
    Agora, quando os espíritos saem das covas e procuram os adros das igrejas…
    Agora, nós, elfos, seres que vivemos no curto tempo que vai do crepúsculo ao amanhecer, estamos de guarda, como num sonho encantado…
    Agora venho eu, Puck, o espírito brincalhão, abençoar esta casa e desejar que todos sejam felizes. (entram Oberon, séquito de elfos e Titânia com as fadas)
OBERON: Tragam a luz a esta morada…
TITÂNIA: Seja esta casa sempre abençoada…
OBERON: Enquando não vem a madrugada, espalhem-se por todos os cômodos desta morada, levando a todos muita ventura. Desejo que tenham  muitos filhos, os três casais que aqui estão. Que todos os elfos e fadas esparjam por cada canto o orvalho consagrado. (saem todos, menos Puck)
Puck:    Senhores, agradecemos
    Toda a sua atenção!
    Se cansaço lhes trouxemos,
    Por sermos de sombra e ar,
    Pensem que esta sessão
    Não passou de ilusão,
    Não passou de puro sonho
    Que já está a se acabar
    Nesta noite de verão.

    
Curitiba, 1973.

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