A Espécie Humana – capítulos 10, 11, 12, 13 e 14
10.
os homens, pai, são muitos animais.
hoje vamos nos aproximar mais deles e observá-los mais de perto. e, enquanto caminhamos, pensaremos pensamentos assim:
no caminho que vai da geração até o nascimento, repete-se grosseira e de maneira discutível, as fases da evolução biológica.
então, comportamentos de fases ultrapassadas fixam-se nessa programação.
sabemos como o embrião humano repete a história da evolução: unicélula, multicélulas, um peixe?, um réptil?, um mamífero?, até que o cérebro desse mamífero se aperfeiçoa e o destina a um ser vivo capaz da abstração. a abstração! eis, enfim, a única verdadeira diferença entre o homem e os animais:
que comer com as mãos, também a cotia come. comunicar-se, diversos deles se avisam de perigos e prazeres. pensar, animais superiores têm um tipo de pensamento primário. mas ser capaz de riscar uma linha e cruzá-la com outra linha e dizer: isto é uma estrada e isto é um rio… só o animal-homem.
daí para dizer que esta figura representa o Ser maior de todos e anterior a tudo e onipresente e onisciente e onipotente… basta um medinho qualquer ou uma lacerante indagação.
mas não é disto que quero falar. quero falar dos animais que habitam todos os homens. e do animal que habita cada homem.
todos os seres vivos estavam previstos nas células primordiais. se não, não teriam derivado delas. falo célula como símbolo das múltiplas manifestações dessas primitivas experiências em torno da vida. e no decorrer desse imenso espaço de tempo, para nossa existência, mas curtíssimo faiscar de fração de segundo, para o indiferente e perpétuo cosmo, sempre parado e sempre em mutação, isto durou apenas um tempo qualquer.
o planeta foi sendo povoado. algas? sua possibilidade estava prevista, não houve milagre. peixes? só foi possível porque, antes deles, alterações genéticas os antecederam.
posso aproveitar esse momento pra acabar com essa boba brincadeira, quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha. houve um dia uma ave que não era galinha. essa ave vinha de gerações anteriores em que ovos a produziam. então, na formação de um determinado ovo sucedeu uma mutação. coisa corriqueira para a biologia, só é preciso ser paciente. e quando esse ovo terminou o choco, saiu… uma galinha. o ovo veio antes.
e, assim, num determinado momento, chegamos ao homem.
e o que é isto a que podemos chamar de homem? aquele antropóide comedor de inseto?, cabeludo? ainda não, mas já. aquele que manejou um galho pesado para sobreviver? ou matando o inimigo ou o animal que alimentaria sua família. não homem completo mas já projetado. seria homem o que corajosamente apanhou um pedaço de tronco puro braseiro e o levou para a gruta? mas que pergunta?
e que forças regulam o comportamento dessa criatura?
como pertencente a um grupo de seres que precisam desenvolver certos comportamentos básicos para manter a própria existência, oxigênio, água, comida, proteção ao corpo e união sexual, o homem não é diferente de todo o resto. e para o exercício desses comportamentos ele usa o seu lado animal (aprendizado? instinto?).
e é então que ele executa ecos, ressonâncias, que se mantêm vivos no seu eu mais fundamental: age como lobo, age como cordeiro, age como felino, age como herbívoro despreocupado. porque de um recôndito de seu miolo de ser vivo chegam as ordens de ação.
essas ordens não estavam programadas na célula primordial. mas à medida que os seres foram se desenvolvendo elas foram se fixando como necessidades para a sobrevivência.
o homem age como um urso? mas o urso não está na linha de evolução do homem! todavia as linhas de ambos vão se unir num ancestral comum de um passado distante.
o homem e o urso respondem com os mesmos ecos.
os seres vivos têm, às vezes, vestígios de órgãos agora em desuso, por terem perdido sua função. o exemplo mais clássico desse órgão vestigial é o da perna da baleia. por que não poderia haver nos seres vivos também um comportamento vestigial?
esfinge da biologia, encravada no cerne de cada ser vivo:
repita-me ou te devoro!
chamo a isto de memória orgânica.