canção 13. agora e sempre
A ditadura da burrice 08: AGORA E SEMPRE
O pai, junto à hetaíra, comenta:
Ele merecia esta sorte.
A mãe, dedilhando a lira, lamenta:
Ele mesmo buscou tal morte.
O filho, acendendo a pira, proclama:
Não é bom criar problema.
O avô, copiando a Ilíada, exclama:
Não se deve contrariar
o sistema.
E Sócrates bebeu a cicuta.
Lá fora o povo aplaudia.
Sim, Sócrates bebeu a cicuta.
Afinal, isto não ocorre todo dia.
O pai, a contar denários, comenta:
Ele merecia esta sorte.
A mãe, a tecer sudários, lamenta:
Ele mesmo buscou tal morte.
O filho, a roubar dromedários, proclama:
Não é bom criar problema.
O avô, compondo a parábola, exclama:
Não se deve contrariar
o sistema.
E Cristo foi pregado à cruz.
Lá embaixo o povo aplaudia.
Sim, Cristo foi pregado à cruz.
Afinal, isto não ocorre todo dia.
O pai, a erigir papados, comenta:
Ele merecia esta sorte.
A mãe, a trançar bordados, lamenta:
Ele mesmo buscou tal morte.
O filho, a quebrar tratados, proclama:
Não é bom criar problema.
O avô, ensinando a Escolástica, exclama:
Não se deve contrariar
o sistema.
E Giordano Bruno foi queimado,
Ao redor, o povo aplaudia.
Sim, Giordano Bruno foi queimado,
Afinal, isto não ocorre todo dia.
O pai, a erguer capelas, comenta:
Ele merecia esta sorte.
A mãe, a mexer gamelas, lamenta:
Ele mesmo buscou tal morte.
O filho, a enganar donzelas, proclama:
Não é bom criar problema.
O avô, lendo o verso arcádico, exclama:
Não se deve contrariar
o sistema.
E Tiradentes foi enforcado,
Em volta o povo aplaudia.
Sim, Tiradentes foi enforcado,
Afinal, isto não ocorre todo dia.
O pai, a esconder falências, comenta:
Ele merecia esta sorte.
A mãe, a exigir decências, lamenta:
Ele mesmo buscou tal morte.
O filho, a viver carências, proclama:
Não é bom criar problema.
O avô, diante da Estatística, exclama:
Não se deve contrariar
o sistema.
Era eu, ou você, ou ele ou nós.
E a gente achando que entendia.
Sim, era eu, você, e ele e nós.
Afinal, isto nos ocorre todo dia.
(canta jorge teles)
Curitiba, 29.11.1977