CONTA OUTRA VÓ 14. A MORTA-VIVA

a morta viva

desenho de Ricardo Garanhani

Nota: O sepultamento de pessoa ainda viva, tendo os sintomas de morta, sempre foi tema de narrativas terríveis. Allan Poe (1809-1849), como não podia deixar de ser, tem duas (Premature Burial e The fall of the House of Usher); na introdução da primeira, ele apresenta casos famosos em sua época. Numa novela cheia de emoções, Selma Lagerllöf (1858-1940) também narra a história de uma moça que acaba sendo resgatada do sepultamento (En herrgårdssägen -1899).
Uma observação que cabe aqui, também, é de como eram simples os contos de minha avó. Os analfabetos contavam e recontavam as historinhas e aos poucos ela se reduzia a uma matéria prima nua e crua, mantendo intacta apenas a essência do acontecido.

Era uma vez… um fazendeiro tinha uma filha. Ele era um viúvo muito rico e tinha muitos escravos e escravas e gado. Ele só tinha essa filha e gostava muito dela. Ela estudava música, ele trazia professores do litoral, e ela ia ficando prendada.
Vai que um dia a moça morreu. O fazendeiro ficou apaixonado e quase morreu de desgosto. Mandou fazer uma mortalha branca, muito rica, e pediu uma coroa de flores de laranjeira e um buquê e um véu de noiva. Naquele tempo as moças que morriam virgens não eram enterradas de roxo mas iam com uma mortalha de noiva, muito branca e muito linda. Aí o fazendeiro mandou que colocassem no caixão todas as jóias que eram da familia porque já não tinha mulher e nem filha e não queria vender nada daquilo.
Então as velhas lavaram a defunta, pentearam os seus cabelos, vestiram a mortalha que era o vestido de noiva e colocaram o buquê na mão dela e o véu na cabeça e a grinalda por cima do véu. Depois colocaram na moça as pulseiras e os colares e os anéis e os brincos.
Ela mais parecia uma filha de reis, de tão maravilhosa que ficou.

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o corvo – allan poe

O Corvo – Edgar Allan Poe

 Tradução e música: Jorge Teles

Meia-noite era a hora; lembro tal se fosse agora.
Eu lia livros de outrora, de ciências ancestrais,
Quando, quase adormecido, ouvi um leve estalido,
Alguém fazendo um ruído bem junto de meus portais.
“Deve ser uma visita”, disse, “junto a meus portais.
        Isso apenas, nada mais.”

Ah, memória de tormento, era um dezembro cinzento.
Na lareira um fogo lento tinha brilhos espectrais.
Esperava pelo dia. Tentando esquecer, eu lia;
Esquecer a que estaria entre os anjos celestiais,
A quem chamam de Lenora estes anjos celestiais.
        Aqui, não tem nome mais.

Os sussurros da cortina púrpura de seda fina
Torturavam com tremores fantásticos, abissais.
Pra acalmar o meu proscrito coração, disse eu, contrito:
“Algum visitante aflito deve estar junto aos portais.
Um tardio visitante está junto aos meus portais.
        É só isso e nada mais”.

Retomando meu alento, sem hesitar um momento
Eu gritei: “Senhor, lamento, mas chegar a horas tais!
O Senhor ou a Senhora que, gentilmente, aí fora,
Bate bem a essa hora de silêncios sepulcrais!”
Abri então minha porta, aos silêncios sepulcrais.
        Só o escuro! Nada mais!

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