Alma desdobrada, cap. 97, 98, 99, 100, 101 e 102.

Alma desdobrada, capítulos 97, 98, 99, 100, 101 e 102.

 

097.

          dois dias numa maratona de arte: expressão corporal, danças mil, bonecos, emoções em alta velocidade. quanto dormindo eu estava naqueles anos anteriores? minha vidinha parecia um computador: respostas corretas de acordíssimo com o programa. Y… paira à minha frente às vezes, com seu sorriso de anjo indefeso e seus olhos de fera benigna. enquanto danço e pulo e brinco, não percebo que estou correndo em direção à minha maior liberdade. não sei o perigo que corro: o perigo de ser feliz. é perigoso ser feliz. não percebo que meu coração cresce, se meu coração cresce pode vir a arrebentar as couraças. estou me preparando para sofrer. para me parir. para parir o eu mais meu. corro, danço, brinco, pulo em direção ao que desconheço.

 

 098.

          o trem corre em direção a amsterdam. estou entrando em terras alemãs. cansado, cheio de coisinhas juntadas aos bocados. a polícia entra e pede o passaporte. há alguém mais na cabine. a polícia usa de uma agressividade irônica e patente. não escondem o desprezo e humilham. eles não sabiam que estudei cinco anos de alemão. os dois que tinham entrado ficam olhando meu passaporte. um deles sai. já volta com alguém que devia ser chefe, porque o uniforme tinha uns enfeites a mais. zwei brasilianer zusammen? nur eins! enfim, saem. durante todo o percurso dentro de terras alemãs, um deles entrava, acendia a luz, ficava olhando minha bagagem até que eu acordasse, eu acordava e levantava a cabeça. e ele apagava a luz e saía. daí a pouco repetiam a cena silenciosa… eu comecei a sentir medo… Isto durou até a fronteira. ele apenas queria que eu acordasse e o visse.

         nada mais quero falar daquele incidente.

         direi apenas que cada povo tem a polícia eleita pelo consenso geral. no brasil a polícia tortura e mata porque o povo apoia a tortura e o assassinato. na alemanha, a polícia é alemã: sugestivamente agressiva e delicadamente violenta.

         direi mais assim: se vocês não querem que a gente ponha os pés no seu país tão perfeito, tudo bem: legislem isto! mas levem daqui os telefunken, volkswagen e todo o resto. o que pensam? somos porventura criados baratos, impedidos de transitar pelos salões do patrão?

  

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