Alma desdobrada, capítulos 82, 83, 84 e 85.
082.
saio da terapia e entro na estação terminal do ônibus expresso. não quero contatos, quero apenas ir para casa, para dormir por um bom tempo um sono de recém-nascido. mas vejo que há um jovem se dirigindo ao sanitário. vou atrás. ele pára no bebedouro, eu entro. enquanto limpo o rosto com o lenço, ele se chega. é forte, tem o rosto bonito, olhos de anjo semimorto, estranhos olhos aguados de um verde esquecido no antes. é um olhar de vampiro, meio cadáver. ele percebe que eu começo a desabotoar a calça, fixa os olhos em minhas mãos. eu urino e exibo meu princípio de ereção. ele urina, olhando-me com olhos de obsessão, mas protege a visão do seu sexo.
está indo pra casa? sim! mora onde? atrás do boa vista.
silêncio. olhares cúmplices. eu sorrio.
quer dar umas voltas comigo? não tenho dinheiro. eu tenho. posso pagar o ônibus.
ele não entende. está meio tonto e suas palavras saem com dificuldade, lentas.
não quer mesmo sair comigo? eu tenho de ir pra casa. vai depois. não, eu não tenho dinheiro. eu tenho.
tiro do bolso o dinheiro e mostro, uma nota de duzentos, uma de cinquenta.
me empresta estes duzentos? não posso; vem comigo. não, tenho de ir pra casa, não posso sair. por que? sou doente. o quê você tem? problemas psíquicos.
e aponta pra cabeça.
então, a gente se vê noutra hora, tá?, tá. ciao.
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