apolo e jacinto, 23

apolo e jacinto, 23 (último).

hans se foi. levou apenas dois criados, um dos quais com as roupas novas de alio. o castelo, sem ele e o neto, era um túmulo de muitos cômodos. no mais frio, no mais apertado, no mais triste, teófilo estava instalado. a agonia provocada pela pequenez da peça era menor que a agonia que a lembrança daqueles dias provocava nele. 
não permitiu que hans levasse alio. o criado, com as vestes remendadas vigiava, com os olhos tristes e suaves. teófilo trancara-se no quartinho e alio subia para atendê-lo. de manhã, levava frutas, limpava tudo e descia. no almoço, deixava a comida e descia. o mesmo na janta. na primeira noite, teófilo sentiu que ele não se afastou, após encostar a porta. desceu a tranca e ficou paralisado, com a respiração doída. alio se foi, finalmente. não procurou ser silencioso. afastou-se simplesmente.
alio instalou-se no mais alto ainda, na biblioteca. algumas vezes teófilo pensava ir lá, não tinha coragem.
copiava textos dos manuscritos que trouxera do mosteiro. separava as canções à virgem, num livro, e os cantos profanos, em outro. aqueles que falavam da amada, ele não copiava. e aqueles que diziam do amigo, que havia saudade, que havia dor, aqueles, não só os copiava com carinho, como compunha para eles melodias simples, que acompanhava com a cítara. a cítara que tinha comprado para luis, na taberna onde amou alio. na taberna onde pernoitaram, pela última vez, na volta do mosteiro, por puro capricho, já que poderiam ter feito todo o trecho num só dia.
Visitas: 231

apolo e jacinto, 22

apolo e jacinto, 22.

teófilo entrou no cômodo de hans. ele estava na janela. sobre a mesa, o punhal. ouvindo-o, hans voltou-se. sentou-se grave na cadeira.
ninguém falava. teófilo pegou o punhal, esteve a olhá-lo, o coração queria explodir. quis mencionar algo, perdeu-se, as palavras que seu pensamento formulava voltavam para trás e atrapalhavam a ordem das que deveriam vir a seguir, provocando dentro dele confusão e pasmo. suas palavras eram um bando de bois que se recusavam a sair para o sacrifício. 
na próxima semana, voltarei para a alemanha.
vai ficar muito tempo?
até morrer!
hans!
era demais! privar-se a um só tempo de luis e de seu fiel e antigo conselheiro!
hans!, o que está acontecendo?
é difícil de explicar! eu me vi, de repente, no meio de um deserto. meus caminhos se misturaram, não sei explicar. a quem eu vou transmitir meu cetro?
mas você não tem feito outra coisa, se não transmitir cetros! é preciso que seja seu filho ou seu neto? pensa na quantidade de criados, a quem já ensinou a ler.
O criado!
O criado!
eu não sei de onde veio minha decisão. não tenho nada a reclamar daqui. acho que foi a imagem que criei. eu me via num caminho; onde eu parasse, ali eu ficaria e meu filho continuaria a seguir e, onde ele ficasse, dali seguiria o seu filho e o filho de seu filho. aquela caçada me fez alterar os planos. meu filho não voltou vivo. tentei correr pra alcançar meu neto, queria ensinar a ele o que a vida tinha me ensinado… pra que ele levasse hans vivo, até os confins de minha descendência… e agora? e agora?
isto foi terrível! o que aconteceu aqui, foi terrível!…
Continue lendo “apolo e jacinto, 22”
Visitas: 181

apolo e jacinto, 21

apolo e jacinto, 21.
alio estava desconcertado. por que hans o olhara daquele modo? a mulher permaneceu silenciosa. queria perguntar a ela algo que se relacionasse com a morte do menino, não tinha coragem. apanhou as bolsas de couro e ia subindo.
foi a ferida do punhal?
sim. inchou a mão, deu febre muito alta. delirou toda a noite e morreu dois dias atrás.
vou lá em cima com ele. ele pretendia ensinar estes textos a luis. por isso, levou o susto.
subiu lentamente. como enfrentá-lo? um leão machucado? enfurecido? um pássaro agonizando em silêncio? seu próprio coração estava pesado. não sabia o que ia acontecer no castelo, estando luis por perto. ele sabia que teófilo não se afastaria do menino, mas acreditava também que ele o procuraria. seria uma fonte para matar sedes momentâneas, nunca uma cascata para cantarolar interminavelmente o mesmo poema. sonoro, espumante, perigoso. e agora? Sem luis, eu reino sozinho, mas sei que o trono está destruído. 
alio não queria acreditar que seu coração dançava a dança sem ritmo, de uma alegria camuflada. seria covardia declarar a alegria, expô-la. era dessas alegrias que florescem nas sombras, rodeada por espíritos malévolos e atentos. Luis poderia ter viajado!, em vez de morrer! Eu preferiria. Bastava ter viajado!
a ausência abria a porta de um cômodo vazio. A morte de luis me encarcerou, não sei o que será disto tudo.
Continue lendo “apolo e jacinto, 21”
Visitas: 127