canção 21. canção em ura…

A ditadura da burrice 10: CANÇÃO EM URA, COM AUTOCENSURA

Venha, menino, entre na casa escura.
Não tenha medo, tudo aqui é brandura.
Você caiu nas malhas da urdidura,
mas não te levaremos à sepultura.

Sendo compreensivo, não há agrura.
Não se deixe tomar pela desventura.
Nós só queremos tua verdade pura.
Fale tudo o que sabe e ganhe a soltura.

Tudo o que for dito, a gente apura.
É questão de rotina, a coisa não dura.
Se quer ficar calado, a essa altura
vai ter que por à prova sua bravura.

Você irá pra câmara da tonsura.
Vai saber o que é nossa desmesura.
Os portões são trancados à fechadura
e aprenda que a chave está bem segura.

O tapa, o soco, a cela e a apertura,
a agulha, o alicate e a mordedura
o choque, a água, a lata, a faca que fura.
É só uma lição, você já se cura.

Curitiba, julho.1976   

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canção 20. historinha das minas gerais

dona mariquinha

Canções Diversas 10: HISTORINHA DAS MINAS GERAIS.
dona mariquinha
Nota: Minha avó sempre terminava esta historinha como narro no conto já postado nesse saite: “E o bicho comeu dona Mariquinha!” Nós perguntávamos, rindo: “Mas comeu, como?” “A história termina assim e acabou”. Mais tarde eu deduzi que esta cachorrinha é o superego da donzela; por isso, fiz para minha canção um final mais explícito.

Dona Mariquinha

era uma donzela.

Sempre arrumadinha,

sempre na janela.

De blusa engomada

e trança penteada,

tão triste e sozinha

ninguém vem a ela.

Tinha uma cadela
dona Mariquinha.
Acendia a vela
quando era noitinha.
A cachorra amada,
com a casa fechada,
vigiava a donzela.
vigiava a casinha.

…………..
Auauau auauau.
…………..
Auauau auauau.

Dona Mariquinha
ouviu a cadela
indo na cozinha.
Mas que noite, aquela!
Levantou-se amuada
e viu, assustada,
que uma sombra vinha
bem junto à janela.

Deu uma piscadela
pra que a cachorrinha
tivesse cautela,
e ficou quietinha.
Veio uma pancada
na porta trancada
e uma voz que gela
chama a coitadinha.

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!

Dona Mariquinha
beijou a cadela.
Pôs leite e farinha
na sua tigela.
Não mais assustada,
mas bem descansada,
pois a cachorrinha
defendera a ela.

E apagada a vela,
chegada a noitinha,
deitou-se a donzela
e ficou quietinha.
De novo a pancada
e a voz que brada.
Dona Mariquinha,
mas que voz, aquela!

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!

Limpando a cozinha,
lavando panela,
sonhava sozinha
a pobre donzela.
Ficava sismada,
tremia por nada.
E, assanhadinha,
ficou tagarela.

Sobre os sonhos dela,
quem é que adivinha?
Com flor na lapela,
um príncipe vinha,
de roupa enfeitada,
coroa e espada,
em carruagem bela,
de sua mãe, rainha.

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!

O tempo ia e vinha
passando, e ela,
fritando galinha,
limpando a chinela,
toda apaixonada
espera a chamada.
Mas a cachorrinha
não poupa sua goela.

O sangue congela
de ira daninha.
Pegou a cadela,
quebrou-lhe a espinha.
Deixou-a jogada
e ficou trancada.
Mas que voz, aquela,
que do quintal vinha?

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!

Aquela vozinha
era da cadela
que, mesmo mortinha,
defendia a ela.
Inda mais irada,
toda transtornada,
Dona Mariquinha
queimou a cadela.

Foi junto à pinguela
atrás da casinha,
jogou a cadela
dentro da covinha.
Depois de enterrada
a cachorra odiada,
apagou a vela
e esperou sozinha.

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!

Foi da cachorrinha,
que amava a donzela,
aquela vozinha.
De onde vinha ela?
Ao pó misturada
ficara espalhada
da cadelazinha
pelagem singela.

Raivosa, a donzela
correu à cozinha,
na grande gamela
pôs água limpinha.
Limpou apressada
a casa empoeirada.
E, assim, da cadela,
nenhum pelo tinha.

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– ……………..
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– ……………..

Como a cachorrinha
não latiu por ela,
Dona Mariquinha,
de olhar de gazela,
chegou deslumbrada
à porta fechada
e, bem dengozinha,
girou a tramela.

(Epílogo)
Não era príncipe
nem moço loiro.
Mas um bichão.
Peito peludo,
saco pendurado,
e bem pintudo.

E a Mariquinha,
apavoradinha,
deitou-se na cama,
à espera da morte.
Abriu as perninhas
e ficou quietinha.
Qual foi sua sorte?

O bicho comeu
Dona Mariquinha!
Comeu inteirinha!
Depois, se encolheu
Junto à mulherzinha
E adormeceu!

(canta jorge teles)

Curitiba, abril.1981

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canção 19. pequeno peã ao panteão dos heróis

A ditadura da burrice 09: PEQUENO PEÃ AO PANTEÃO DOS HERÓIS

(marcha fúnebre)

(Para Kennedy)

Um féretro brilhante.
Flores e coroas.
Na catedral gigante,
Missas, prantos, loas.

Teus mortos não te seguem,
Só o abutre odiado,
De bico encharcado.

E nas florestas destruídas do Vietnã,
Silêncio.

(Para Salazar)

Nobres e reis distantes
Vão aos funerais.
Viúvas arquejantes
Desfilam seus ais.

Teus mortos não te seguem,
Só o abutre de aço
De bico devasso.

E sobre o chão pisoteado de Portugal,
Silêncio.

(Para Franco)

Sobre o corpo assassino
Choram mil donzelas.
Ao cortejo divino
Abrem-se janelas.

Teus mortos não te seguem,
Só o abutre velho
De bico vermelho.

E sobre as covas perdidas da Espanha,
Silêncio.

(Para Bush)

Eis a campa erigida!
Te aguarda, tirano.
Pra engolir tua vida,
Teu fel e teu dano.

E seguirá teu corpo
O abutre obediente
De bico insolente.

E nos céus envilecidos do mundo,
Silêncio.

 

(canta jorge teles)

Curitiba, 29.11.1977 (o último homenageado foi incluido mais tarde, claro; é ele um produto típico da democrática e honestíssima eleição americana).

 

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