canções 15, 16, 17.

Canções diversas 02, 03, 04.

Nota: Em 1976, imaginei uma pecinha de teatro em que houvesse um velho rei, uma velha rainha, um príncipe inconstante e um bobo desaforado. A partir de um perfil apenas esboçado, faria as canções que definiriam cada personagem. Fiz a da rainha, a do rei, mas a do bobo desviou-se por um atalho inesperado, era a ditadura. Não sei se por esse motivo, a pecinha foi abandonada, tanto melhor. Ficaram os versinhos a seguir:

Canção da rainha: CANÇÃO DA VIÚVA

Morte negra, de asas de água,
Morte fria, de asas de sono.
A vida não passa
De fonte de mágoa
Jorrando perdida
Num mundo sem dono.

Deixar quero este meu corpo escravo
Mesmo que um nada se faça ante mim.
Da vida não quero
Tão amargo travo.
Mas quero da morte
O silêncio e o fim.

Canção do rei: ZEUS EXISTE?

Na primavera,
eu procurei
te achar nas flores
nos jardins do rei.
Mas junto aos amores
havia dores.
Não te encontrei,
não te encontrei.

No meu verão,
eu procurei
te achar no sol
nos campos do rei.
Mas junto da fama
havia lama.
Não te encontrei,
não te encontrei.

No meu outono,
eu procurei
te achar nos frutos
nos bosques do rei.
Mas junto a meu filho
só vi meu exílio.
Não te encontrei,
não te encontrei.

Agora eu busco,
no meu inverno,
achar um fim
pra uma alma ferida.
O céu, o inferno…
O nada, o eterno…
Não tem sentido
esta minha vida.

Canção do bobo: CANÇÃO SÉRIA, ENCOMENDADA PELO REI, FALANDO DA VIDA, DO AMOR E DA FILOSOFIA

Por que ter que cantar
música séria?
Se tudo o que faço
fala de mim?

A vida que eu levo
é uma miséria.
O amor não começa,
é o fim.
A filosofia
é uma pilhéria.
E o tirano tá de olho
em mim.

A vida foi presa no camarim.
O amor sempre zomba de mim.
A filosofia foi pro botequim.

Mas se o tirano pisar
no meu calo
eu me calo,
e espero.
Não quero
perder o pescoço,
eu posso
roer o meu osso
no fosso.
Comer o meu pasto
de arrasto,
depois eu me afasto
prum canto.
Me afasto
mas canto:

Tirano, tirano, herói de pano,
tirano, fantoche varonil,
tirano da terra do céu de anil,
tirano que é o dono do covil,
tirano que empunha o fuzil,
tirano de zelo senil,
tirano que não é civil,

você vai se ralar,
em março ou abril,
na puta, na puta que te pariu,
na puta, na puta, na puta, na puta,
na puta, na puta que te pariu.
Trinta e um de março
é primeiro de abril,
na puta, na puta que te pariu,
na puta, na puta, na puta, na puta,
na puta, na puta que te pariu…

 

(canta jorge teles)

Curitiba, setembro.1976

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canção 14. zoologia

A ditadura da imoralidade 06: ZOOLOGIA

Meu papagaio
foi-se embora pra Brasília,
abandonou a família,
foi morar na capital.
Mandaram logo
um cachorro delinqüente
“ensiná” a língua da gente
do Distrito Federal.

Corrupi-paco, papaco,
corrupi-paco, partido,
corrupi-paco, corrupi-
corrupção.

Congressistas atrevidos
com partidos repartidos
e conchavos escondidos.
Traição!

Daí a pouco
apareceu a cabrita
pra fazer uma visita
se dizendo liberal.
O papagaio
soube todas as intrigas
e ouviu “falá” das formigas
que infestam o local.

Corrupi-paco, papaco,
corrupi-paco, partido,
corrupi-paco, corrupi-
corrupção.

Congressistas tão polidos,
nova troca de partidos.
Eis lobistas bem vestidos.
Traição!

Os dinossauros
se chamando Excelências,
só fazendo exigências
no processo eleitoral.
O papagaio
que até então era mudo
disse que, aquilo tudo,
só no reino animal.

Corrupi-paco, papaco,
corrupi-paco, partido,
corrupi-paco, corrupi-
corrupção.

Congressistas enxabidos,
com partidos convertidos,
mensalões descomedidos.
Traição!

 

(canta jorge teles; vozes: familiares Gibleski)

Curitiba, outubro.1977

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canção 13. agora e sempre

A ditadura da burrice 08: AGORA E SEMPRE

O pai, junto à hetaíra, comenta:
Ele merecia esta sorte.
A mãe, dedilhando a lira, lamenta:
Ele mesmo buscou tal morte.
O filho, acendendo a pira, proclama:
Não é bom criar problema.
O avô, copiando a Ilíada, exclama:
Não se deve contrariar
o sistema.

E Sócrates bebeu a cicuta.
Lá fora o povo aplaudia.
Sim, Sócrates bebeu a cicuta.
Afinal, isto não ocorre todo dia.

O pai, a contar denários, comenta:
Ele merecia esta sorte.
A mãe, a tecer sudários, lamenta:
Ele mesmo buscou tal morte.
O filho, a roubar dromedários, proclama:
Não é bom criar problema.
O avô, compondo a parábola, exclama:
Não se deve contrariar
o sistema.

E Cristo foi pregado à cruz.
Lá embaixo o povo aplaudia.
Sim, Cristo foi pregado à cruz.
Afinal, isto não ocorre todo dia.

O pai, a erigir papados, comenta:
Ele merecia esta sorte.
A mãe, a trançar bordados, lamenta:
Ele mesmo buscou tal morte.
O filho, a quebrar tratados, proclama:
Não é bom criar problema.
O avô, ensinando a Escolástica, exclama:
Não se deve contrariar
o sistema.

E Giordano Bruno foi queimado,
Ao redor, o povo aplaudia.
Sim, Giordano Bruno foi queimado,
Afinal, isto não ocorre todo dia.

O pai, a erguer capelas, comenta:
Ele merecia esta sorte.
A mãe, a mexer gamelas, lamenta:
Ele mesmo buscou tal morte.
O filho, a enganar donzelas, proclama:
Não é bom criar problema.
O avô, lendo o verso arcádico, exclama:
Não se deve contrariar
o sistema.

E Tiradentes foi enforcado,
Em volta o povo aplaudia.
Sim, Tiradentes foi enforcado,
Afinal, isto não ocorre todo dia.

O pai, a esconder falências, comenta:
Ele merecia esta sorte.
A mãe, a exigir decências, lamenta:
Ele mesmo buscou tal morte.
O filho, a viver carências, proclama:
Não é bom criar problema.
O avô, diante da Estatística, exclama:
Não se deve contrariar
o sistema.

Era eu, ou você, ou ele ou nós.
E a gente achando que entendia.
Sim, era eu, você, e ele e nós.
Afinal, isto nos ocorre todo dia.

 

(canta jorge teles)

Curitiba, 29.11.1977

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