CONTA OUTRA VÓ 10. O LADRÃO LADINO (segunda parte)

o ladrão ladino (segunda parte)

desenho de Ricardo Garanhani 

Um dia, o nosso ladrão descobriu que o dinheiro já estava no fim. Resolveu fazer algum roubo, de modo que não passassem necessidade. Resolveu roubar o castelo do rei. Foi no castelo e disse que queria ser guarda do rei. O capitão, vendo aquele moço forte e bonito, resolveu aceitá-lo e dali a algum tempo, ele estava servindo na sala do tesouro. Ora, no lugar da porta de ferro, tinham feito uma armadilha, uma espécie de moinho com pás de metal afiado, afiado que nem faca, e quem quisesse entrar por aquela porta seria cortado em pedaços. Daí, o ladrão estudou bem aquela engrenagem e não quis mais servir no castelo.

Aí ele entrou de noite no castelo e foi até a sala do tesouro. Pegou um ferrinho e enfiou num buraco que tinha descoberto e a roda parou. Entrou na sala com muito cuidado, sem esbarrar nas pás afiadas porque ele sabia que se elas se mexessem um pouquinho, haveria de quebrar o ferrinho e ele seria cortado em pedaços. Roubou algum ouro e, depois de sair, retirou o ferrinho. As pás voltaram a rodar.

Levou o dinheiro pra casa e era tanto ouro no castelo que ninguém deu pela falta.

E assim foi, durante muito tempo. Ele ia, parava a roda, entrava e roubava e tudo ficava tal e qual, indo pra casa.

Aconteceu que certa vez o pai quis roubar com ele. Ele disse que não porque era muito perigoso. O pai tanto teimou e tanto insistiu que ele resolveu levar.

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canção 20. historinha das minas gerais

dona mariquinha

Canções Diversas 10: HISTORINHA DAS MINAS GERAIS.
dona mariquinha
Nota: Minha avó sempre terminava esta historinha como narro no conto já postado nesse saite: “E o bicho comeu dona Mariquinha!” Nós perguntávamos, rindo: “Mas comeu, como?” “A história termina assim e acabou”. Mais tarde eu deduzi que esta cachorrinha é o superego da donzela; por isso, fiz para minha canção um final mais explícito.

Dona Mariquinha

era uma donzela.

Sempre arrumadinha,

sempre na janela.

De blusa engomada

e trança penteada,

tão triste e sozinha

ninguém vem a ela.

Tinha uma cadela
dona Mariquinha.
Acendia a vela
quando era noitinha.
A cachorra amada,
com a casa fechada,
vigiava a donzela.
vigiava a casinha.

…………..
Auauau auauau.
…………..
Auauau auauau.

Dona Mariquinha
ouviu a cadela
indo na cozinha.
Mas que noite, aquela!
Levantou-se amuada
e viu, assustada,
que uma sombra vinha
bem junto à janela.

Deu uma piscadela
pra que a cachorrinha
tivesse cautela,
e ficou quietinha.
Veio uma pancada
na porta trancada
e uma voz que gela
chama a coitadinha.

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!

Dona Mariquinha
beijou a cadela.
Pôs leite e farinha
na sua tigela.
Não mais assustada,
mas bem descansada,
pois a cachorrinha
defendera a ela.

E apagada a vela,
chegada a noitinha,
deitou-se a donzela
e ficou quietinha.
De novo a pancada
e a voz que brada.
Dona Mariquinha,
mas que voz, aquela!

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!

Limpando a cozinha,
lavando panela,
sonhava sozinha
a pobre donzela.
Ficava sismada,
tremia por nada.
E, assanhadinha,
ficou tagarela.

Sobre os sonhos dela,
quem é que adivinha?
Com flor na lapela,
um príncipe vinha,
de roupa enfeitada,
coroa e espada,
em carruagem bela,
de sua mãe, rainha.

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!

O tempo ia e vinha
passando, e ela,
fritando galinha,
limpando a chinela,
toda apaixonada
espera a chamada.
Mas a cachorrinha
não poupa sua goela.

O sangue congela
de ira daninha.
Pegou a cadela,
quebrou-lhe a espinha.
Deixou-a jogada
e ficou trancada.
Mas que voz, aquela,
que do quintal vinha?

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!

Aquela vozinha
era da cadela
que, mesmo mortinha,
defendia a ela.
Inda mais irada,
toda transtornada,
Dona Mariquinha
queimou a cadela.

Foi junto à pinguela
atrás da casinha,
jogou a cadela
dentro da covinha.
Depois de enterrada
a cachorra odiada,
apagou a vela
e esperou sozinha.

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!

Foi da cachorrinha,
que amava a donzela,
aquela vozinha.
De onde vinha ela?
Ao pó misturada
ficara espalhada
da cadelazinha
pelagem singela.

Raivosa, a donzela
correu à cozinha,
na grande gamela
pôs água limpinha.
Limpou apressada
a casa empoeirada.
E, assim, da cadela,
nenhum pelo tinha.

– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– ……………..
– Dona Mariquinha,
qui tu rango rango!
– ……………..

Como a cachorrinha
não latiu por ela,
Dona Mariquinha,
de olhar de gazela,
chegou deslumbrada
à porta fechada
e, bem dengozinha,
girou a tramela.

(Epílogo)
Não era príncipe
nem moço loiro.
Mas um bichão.
Peito peludo,
saco pendurado,
e bem pintudo.

E a Mariquinha,
apavoradinha,
deitou-se na cama,
à espera da morte.
Abriu as perninhas
e ficou quietinha.
Qual foi sua sorte?

O bicho comeu
Dona Mariquinha!
Comeu inteirinha!
Depois, se encolheu
Junto à mulherzinha
E adormeceu!

(canta jorge teles)

Curitiba, abril.1981

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CONTA OUTRA VÓ 09. O LADRÃO LADINO (primeira parte)

o ladrão ladino 01

desenho de Ricardo Garanhani

Nota: Este interessantíssimo conto amoral que minha avó contou, certamente junta pedaços de diversas histórias. As três primeiras peripécias parecem sair das aventuras de um Pedro Malasartes ou um Till Eulenspiegel. A última aventura, a do palácio, é bem mais intrigante, com uma intromissão de uma feiticeira negra, provavelmente uma interpolação feita no Brasil. Esta historinha foi a verdadeira causa de eu ter resolvido anotar os contos. A última parte eu nunca tinha lido em lugar nenhum e achava que seria uma perda não fazer o registro. Em 2008 tive uma gratíssima surpresa, ao ler um livro importantíssimo para a História da Humanidade e encontrando a versão que, com toda certeza, é a original.
Como o conto é meio longo, dividi-o em três partes. Ao final vou apresentar, como quarta parte, uma tradução do texto antigo. Um pouquinho de suspense vai ser bom.

    Era uma vez um homem que tinha três filhos e algumas filhas.

    Aí um dia ele chamou os três filhos e falou:

    – Meus filhos, estou ficando velho, não somos ricos e vocês estão em idade de trabalhar. Cada um vai escolher um oficio e vou mandá-los pelo mundo e vocês voltarão quando souberem trabalhar.

    O mais velho falou:

    – Meu pai, eu quero ser alfaiate.

    O velho falou:

    – Então, você vai seguir por esse caminho e no fim do caminho tem uma casa onde mora um alfaiate e ele vai te ensinar.

    O filho pegou suas coisas, a mão fez uma matutagem e enrolou num pano. Ele foi embora.

    O segundo filho falou:

    – Meu pai, eu quero ser padre.

    Aí o velho falou:

    – Então, você vai levar um cabrito pro padre e vai dizer que eu mandei você até lá, pra aprender a rezar missa e batizar e crismar e confessar.

    O filho pegou suas coisas, a mãe fez uma matutagem e enrolou num pano. Ele foi embora, levando também o cabrito.

    Só sobrou o terceiro filho e ele falou:

    – Meu pai, eu quero ser ladrão.

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