GIL VICENTE 33. NAU D’AMORES (1527)

Amor

Resumo:

Entra uma princesa e se apresenta como a cidade de Lisboa. Cumprimenta o rei, a rainha e os nobres. Um príncipe estrangeiro pede a ela uma caravela. Está apaixonado e quer fazer-se ao mar, em busca de fama. Lisboa diz que a nau pertence aos reis. Ele pede então autorização para armar no porto uma náu de amores, por ser Portugal a terra que tem os melhores navios. A vela será feita de esperança, a gávea de formosura… o farol será de enganos.. e assim vai enumerando os prazeres e as dores de amor, relacionando-os às partes da náu. O capitão será o próprio deus do amor. A seguir é levada ao palco a réplica de uma caravela. O deus do amor toma lugar e a partir daí desfilam ante nossos olhos os apaixonados que farão a viagem à terra da ventura amorosa. Um frade enlouquecido de amor, que falará disparates todo o tempo; quando um pagem fala que este frade era um grande sábio, diz Amor: “pois como serão sentidos meus poderes, quantos são, se não em sábios vencidos? Os mais sábios, mais perdidos, como dirá Salomão.” Entra um pastor enamorado; um negro com sua fala estropiada; um velho perdido de amor (“Velho, vosso mundo já se foi! Eu antes tenho pensado que todo o mundo passado de novo se me voltou!”); dois fidalgos que comentam os namoros da corte. O Amor dá o sinal e todos embarcam e partem cantando.

GV101. Fidalgos do Principe

Muy serena está la mar,
Á los remos, remadores,
Esta es la nave damores.

Al compas que las serenas
Cantarán nuevos cantares,
Remareis con tristes penas
Vuesos remos de pesares;
Terneis sospiros á pares,
Y á pares los dolores.
Esta es la nave damores.

Y remando atormentados,
Hallareis otras tormentas
Con mares desesperados,
E desastradas afrentas;
Terneis las vidas contentas
Con los dolores mayores.
Esta es la nave damores.

De remar y trabajar
Llevareis el cuerpo muerto,
Y al cabo del navegar
Se empieza a perder el puerto.
Aunque el mal sea tan cierto,
Á los remos, remadores.
Esta es la nave damores.

(canta Graciano Santos)

GV102. Frade

Que fermosa caravela!
Quem fosse o capitão dela!

Caravela de Coruche
Vai por nabos a Pombeiro.
Quem fosse o capitão della!
Huha! huha! huha! huha!

Caravela de Lisboa
vai por porros a Castella:
Garrido he o gavião,
Vento bueno nos ha de levar.
Quem fosse o capitão dela!

… Todos
Bom Jesu Nosso Senhor,
tem por bem de nos salvar…

(canta Rubem Ferreira Jr)

Comentário:

Como algumas das peças de Gil Vicente, esta também foi apresentada numa ocasíão festiva. Nau d’Amores ornava as comemorações da chegada da irmã de Carlos V, rainha Catarina, que casou-se com D. João III. É uma peça agradável, tipos com falares peculiaríssimos e amores satiricamente postos a nu. A presença de uma pequena caravela em cena faz lembrar os suntuosos espetáculos que os príncipes e duques italianos davam em seus palácios, tendo artistas como Leonardo da Vinci trabalhando como artesão de máquinas mirabolantes e cenários e figurinos luxuosos. O texto da canção entoada pelos marinheiros é tão específico que com certeza não pertencia ao cancioneiro popular, mas foi elaborado por Gil Vicente especialmente para a ocasião.

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