CONTA OUTRA VÓ 04. O NARIZ DE SUA MÃE

o nariz de sua mãe

desenho de Ricardo Garanhani

(Nota: Ô historinha danada de terrorista! Minha vó a contava e recontava com a maior tranquilidade. Fazia parte do acervo de contos moralistas, com os quais os antigos educavam as crianças. Educação baseada no medo da porrada. Parece que nunca funcionou, a não ser para continuar uma triste herança de sadomasoquismo. Por outro lado, essa mãe, que não sabia o que fazer com o filho, é um  exemplo da educação da modernidade. Liberdade sem freio algum. Que situação difícil! Outra observação: nunca encontrei este conto triste em minhas tantas e tantas leituras.) 

    Era uma vez uma viúva pobre. Ela tinha só um filho e trabalhava dia e noite para sustentá-lo. Era muito boa e nunca zangou com o menino e tudo que ele queria, ela fazia.

    Ele foi crescendo muito manhoso. A mãe já não tinha autoridade e ele fazia tanta birra quando queria alguma coisa, que ela acabava satisfazendo as suas vontades.

    Passado algum tempo, ele já não tinha por ela a mínima consideração. Matava aula e ia pro mato caçar passarinho na arapuca. Ela pedia pra ele entregar a roupa lavada e ele deixava a roupa no caminho e ia nadar pelado no rio. De noite ela queria gravetos pra aumentar o fogo e esquentar a casa mas ele ficava até tarde conversando com os malandrinhos e a vela acabava e o querosene acabava e no escuro a mulher começava a chorar.

    Todas as vizinhas falavam com ela: É preciso dar um jeito nesse menino! O pepino se torce é de pequeno. Quem semeia ventos colhe tempestade, ele vai te dar trabalho!

    E quando a outra vizinha falava:

   Qual! Pau que nasce torto, morre torto!,

    aí, ela ficava aliviada e concordava.

    Nunca teve coragem para cortar a vara de marmelo, como todas faziam. Não tinha chicote. Não se curvou jamais para pegar o chinelo. Nunca levantou a mão pro filhinho.

    O filhinho arrumou uns amigos muito treteiros. Começaram a fazer artes. Se um velho passava um pito neles, eles riam e xingavam nomes feios. Se uma velha ralhava, eles jogavam pedras no galinheiro dela. Se o homem corria atrás deles, eles machucavam o boi no dia seguinte. Se era uma mulher que implicava, sujavam o tacho de doce no terreiro.

    Assim ele foi crescendo e a mãe apaixonada só sabia chorar. Chorava de dia e chorava de noite. Queria fazer alguma coisa e não conseguia.

    Foi que, um dia, a polícia bateu na porta dela. Ele não estava. O guarda disse que ele tinha ferido um velho na rua, com um canivete, e seria preso. As vizinhas acudiram, uma trouxe água com açúcar e de noite ela soube que o filho tinha saído da cidade.

    Aconteceu assim: o filho dela deu uma canivetada no velho e, de medo de ser assassino, fugiu pro mato. Passou fome e frio e começou a roubar dos roceiros. Achou que era muito fácil roubar, melhor do que trabalhar. Começou a ser ladrão. Cada vez mais audacioso. Com o tempo passando, ele era o mais conhecido e o mais temido. Matou gente também e agora era ladrão e assassino. Os guardas tinham medo dele porque ele tinha muita fama.

    E assim, ele semeou naquela região o terror e a morte. O rei mandou pegá-lo. Nunca conseguiram. Souberam muito tempo depois que chefiava um bando terrível. O rei colocou então sua cabeça a prêmio. Se o pegassem morto, seriam mil moedas de ouro. Se o pegassem vivo, seriam duas mil.

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GIL VICENTE 08. FARSA CHAMADA AUTO DA FAMA (1510)

a fama

Resumo:

Uma mocinha guardadora de patos é a Fama. Tem como ajudante um bobo. Diante dela se apresentam um francês, um italiano e um espanhol. Cada um quer levar a Fama para seu país. Mas ela sabe que pertence a Portugal, pelos grandes feitos portugueses. Faz uma descrição do poderio lusitano, enumerando terras descobertas e povos subjugados. Chegam a Fé e a Fortaleza, coroam com louros a Fama e a colocam num carro triunfal. Levam-na ao som de música.

GV020. Fé (fala)

Vós, Portuguesa Fama, não tenhais ciumes.

(fala Jorge Teles)

Comentário:

Estamos diante de um Gil Vicente que tece louvores à gloria de seu país, após os grandes descobrimentos. As falas dos cortejadores são engraçadíssimas porque mescladas com português irregular. “Vu vendrés comigo em França.”. “Il cor me dole qui me mata tu parole”.
Um dos méritos mais fascinantes de Gil Vicente é o aspecto linguístico de suas obras. Cada personagem tem na sua fala uma riqueza de detalhes que precisam sua condição social, seu nível intelectual, além de seu estado emocional. Tal aspecto se perderá no clacissismo e só será recuperado no realismo.
Pela primeira vez na obra de Gil Vicente, é mencionado o Brasil, como um dos grandes trunfos do império português. E, como a peça é em versos, como todas do autor, surgem já aí duas palavras que se perpetuarão como rimas inevitáveis, toda vez que a língua portuguesa versejar sobre o Brasil: “mil” e “varonil”.
A fala da Fé ao final, é em hendecassílabos (ou decassílabos, se se desconsiderar a sexta sílaba, átona). Isto introduz no auto um novo clima, épico, grandiloquente.
Que arquétipo esconderia esta simpática guardadora de gansos, título de um dos contos mais significativos dentre os recolhidos pelos irmãos Grimm? Como curiosidade, no conto dos irmãos Grimm a guardadora de patos é uma princesa deserdada pelo pai, que queria dividir o reino entre as três filhas; exatamente o episódio inicial da tragédia do rei Lear. No caso de Shakespeare, a fonte teria sido a Historia Regnum Britanniae, de Geoffrey of Monmouth, de 1147.

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RAKONTU ALIAN ANJO 03. MARIA CINDRULINO

maria cindrulino

desegnis ricardo garanhani

Noto: La duonpatrino kun siaj du filinoj kaj la edziniĝo kun la princo estas la nuraj similaĵoj inter la rakonto de mia avino kaj la tradicia Cindrulino. Tre probable, en la Brazila landinterno, rakontanto post rakontanto, preskaŭ ĉiuj analfabetaj, la rakonto perdis kelkajn detalojn kaj ricevis aliajn; ekzemple, la lavado de bova stomako, kio estas pli koncerna al la kulturo kaj la kutimoj de la popolo. La plej famaj versioj de Cindrulino estas tiu de Charles Perrault (1628/1703), tiu kolektita de la fratoj Grimm (1785/1863 kaj 1786/1859) kaj tiu de Walt Disney (1901/1966). La rakonto de Disney pli similas al tiu de Perrault, eble ĉar la versio de la fratoj Grimm estas tro feroca: por ke la fratinoj sukcesu vesti la ŝueton, unu fortranĉas la piedan dikfingron kaj la alia la kalkanon. Kaj la puno al la fratinoj estas blindeco.

     La plej antikva versio troviĝas en Strabono (ĉ59a.K./25p.K.). Laŭ li, oni rakontadis en Egiptio ke la piramido de Mikerino estis omaĝe al kromvirino de Psamitiĥo; iutage la juna Rodopisa sin banis kaj aglo ŝtelis ŝian sandalon. Forfluginte, la aglo forlasis la sandalon, kiu falis ĉe la faraono. Sorĉita pro la rafineco kaj mezuro de la ŝueto, kaj ankaŭ mirigita de la neordinara okazaĵo, li ordonis ke oni trovu la posedantinon de la sandalo. Oni trovis ŝin en Naŭkratiso kaj kondukis ŝin al li kaj ili geedziĝis (Geografio, XVII, I, 4). Tamen, Herodoto (480-425aC) en sia Historio (libro 2a, 134, 135), rakontas aliajn peripetiojn pri tiu Rodopisa; sed konfirmas la diraĵon, laŭ kiu la piramido estis farita por ŝi.

 

          Foje estis bela junulino nomata Maria Cindrulino. Ŝia duonpatrino estis tre perversa. Dum ŝi kaj siaj du filinoj amuziĝis, Maria Cindrulino estis devigata fari la tutan mastrumadon.

          Iam oni buĉis bovon kaj Maria Cindrulino iris al la rivero por lavi ĝian stomakon. Tiun taskon neniu volis ĉar la stomako ĉiam estis plena je fekaĵo. Kiam ŝi skuis la stomakon ene de la akvo, ĝi eskapis kaj flosante foriris. Pro timo al la duonpatrino, Maria Cindrulino sekvis la stomakon laŭ la riverbordo. Ŝi marŝis kaj marŝis kaj fine alvenis al nekonata loko. La stomako fiksiĝis sur branĉoj kaj haltis. Maria Cindrulino prenis stangon kaj fortiris la stomakon el la akvo.

          Proksime estis malnova dometo. Ĉar ŝi laciĝis, ŝi decidis eniri. Estis terura malordo. Ŝi manĝis pecon da pano kaj ripozetis. Poste, kvazaŭ ŝi intencis danki pro la pano, ŝi balais la plankon kaj lavis la teleraron kaj la tolaĵon kaj pendigis ĝin kaj purigis la meblaron kaj la fornon kaj kiam ŝi estis ekironta, ŝi aŭdis bruon. Ŝi kaŝiĝis malantaŭ la pordo.

          Tri maljunulinoj eniris kaj ili estis tri feinoj. Ili rigardis kaj miris.

          La tri samtempe parolis:

          – Franjo, franjo, kiu bonaĵon faris al ni?

          La unua parolis:

          – Tiu, kiu bonaĵon faris al ni, meritas oran stelon sur la frunto.

          Kaj ora stelo aperis sur la frunto de Maria Cindrulino.

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