o dia sem nome, 5.

O dia sem nome, 5.

Varsóvia, dia 14 de abril, 17 horas

Julek, quatro anos, trepado nos ombros do pai, observa o cortejo. Homens e mulheres vestidos com roupas coloridas, desfilam dançando e rindo. Julek não sabe o porquê da festa. Não entendeu o que disse o tio, ao falar de vinte anos de independência. As crianças ganharam uma bandeirinha branca com letrinhas vermelhas mas Julek esqueceu o que estava escrito na sua e pergunta à sua mãe o que está desenhado aqui mas ela faz psiu e continua olhando e rindo.
Os homens e as mulheres continuam passando e Julek não entende de onde eles saem porque olha em volta e só vê cabeças, louras, morenas, toucas, flores, bonés. No princípio eles tinham roupas diferentes, pareciam ursos de tão peludos. Depois, passaram muitos homens e mulheres amarrados com correntes, com enormes pesos, Julek perguntou e o pai falou você pergunta demais e ele ficou triste mas o tio falou eles representam o tempo da escravidão e Julek perguntou o que é escravidão e a mãe fez psiu fica quieto ou vamos para casa. Então o tio o pegou no colo e o beijou e disse escravidão é quando homens maus e cheios de espingardas obrigam todo mundo a trabalhar para eles. Aí uma música bem forte começou a tocar e Julek percebe que não está vendo mais os dançarinos e começa a trepar nos ombros do tio e o tio o levanta lá no alto mas sua bandeirinha cai e ele começa a chorar. A mãe se abaixa, o pai fala alguma coisa, o tio diz que não conseguimos mais achar porque está muito apertado mas a velha que está do lado diz fica com esta aqui e dá um beijo na testa de Julek. A bandeirinha nova não está amassada e Julek pergunta à velhinha o quê que está desenhado aqui e ela diz com os olhos brilhando
paz e liberdade.
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o dia sem nome, 4

O dia sem nome, 4.

Quanto tempo durou tudo aquilo?
O obstetra ouviu um ruído confuso, a enfermeira sentou-se, a mãe comprimiu o rosto numa máscara de desentendimento, lá fora um pai se pôs à escuta, o recém-nascido foi depositado entre as pernas da mãe, a enfermeira começou a se desmanchar, o obstetra foi afundando no chão como geleia, as pernas e toda a mãe foram se misturando com os lençóis molhados e o pai já era um monte indiferente de matéria imprecisa e aquele chorinho em louvor à grandeza do universo e ao mistério da vida, aquele chorinho fora silenciando aos poucos e agora a maquininha singular não passava de uma massa esfarelada.
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o dia sem nome, 3

    O dia sem nome, 3.
 
Dacar, dia 14 de abril, 16 horas.
 
O funcionário começou a preencher o laudo nos pontilhados do impresso. Espaços. Delegado de Homicídios. Espaços. Nome da vítima, apanhou o papel e copiou. Virou a página. Tudo foi saindo automaticamente. Aos dois dias do mês de abril, quando perguntou para o outro:
vai sair com ela hoje?
acho que venho pra cá mais tarde. você vai ficar até que horas?
termino essa merda aqui e me mando
Os abaixo assinados, médicos legistas, mediante requisição do senhor Delegado de Homicídios
acha que ela topa dar pra mim?
com jeito, acho que vai, mas é melhor esperar um pouco. hoje vai ser a terceira vez, porra, quero dar uma caprichada.
ela já te chupou?
ainda não, mas hoje não escapa. tem pouca prática, parece, fica meio envergonhada, eu abri a calça e mostrei o pau e ela ficou vermelhinha…
porra, vai com calma
E tendo sido designados para procederem o exame necroscópico do cadáver de um menino que nos foi dito como sendo o de
qual é mesmo o nome do filho da puta, ah!, aqui está…
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