apolo e jacinto, 10

apolo e jacinto, 10.

luis contemplava o céu. queria concentrar-se no vôo das gaivotas mas seu corpo exigia esquecimento e indolência. o sono fazia vir até ele o estranho amigo que lhe abrira a porta da biblioteca na noite anterior, recebendo o calor e a fúria de seu prazer tão guardado. luis queria saber o que sentia ao lembrar do espirrar nervoso e do espalhar-se pelo corpo e dos dois corpos a se misturar um no outro. não conseguia. era uma lembrança doída. ao mesmo tempo em que estremecia ao lhe roçar a memória o hálito de um contato que tanto lhe enchia a alma, subia-lhe também um aviso de longe de que deveria ter cuidado.
Não!, eu não terei cuidado! Estava gostoso. Foda-se todo o resto. Se ele quiser, eu o abraçarei novamente… só não deixarei… não quero ter medo de mais nada…
pios aqui e lá, gaivotas que iam e vinham. o mar não se cansava de cantar sua canção rouca e monótona. luis sentiu frio, encolheu-se e o barulho principiou a envolvê-lo, como se ele fosse engolido por uma concha de caramujo e ele mesmo já era a canção rouca e monótona e o sol diminuiu e as gaivotas foram embora e uma tranquilidade aquietou sua cabecinha cansada de tanto pensar. só ficou na areia um corpo adormecido, um rosto macio e tenro, iluminado por um sorriso mal esboçado, tenro e macio.
Acho que ele não desconfiou quando falei que irei amanhã. Preciso levar pergaminhos e estiletes, os estiletes colocarei nessa pequena bolsa que esquecerei e alio voltará para buscá-la. O criado dormirá no alojamento dos noviços e luis ficará comigo, darei uma desculpa. Hoje eles enforcarão os seis, conforme determinei, filhos da puta, ladrões desgraçados. Ele ficará lá até que eu volte, não sei quando voltarei. Com luis, poderei ficar uma semana. Tenho algum medo mas não quero pensar nisto. Quando voltar farei com que o amarrem nu na roda e mandarei o lança comê-lo, enfiar devagarinho, será uma espécie de tortura a que só eu assistirei, não posso permitir que o lança desconfie de nada que bobagem, eu nunca faria uma coisa destas, confiar a um soldado uma indecência sem tamanho não se pode perder a moral. Não sei o que ele pensa de mim agora depois que nos abraçamos na biblioteca nem sei se percebeu que eu gozei. Ele me olhou muito rápido e me tocou no braço afinal foi ele que pediu pro avô pra ir comigo eu nunca teria coragem para tanto. Tem as carnes macias, não quero pensar nisto, posso marcá-lo pro resto da vida, não quero pensar mas foi ele que me olhou daquele jeito e me tocou no braço…
teófilo percebeu que mexia e mexia nos textos mas absolutamente não sabia o que estava fazendo.
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apolo e jacinto, 9

apolo e jacinto, 9.

teófilo acordou num sobressalto e se viu sozinho. num repente lembrou-se da noite e sentiu uma luz forte corroer suas entranhas. a luz foi virando negrura, o brilho começou a machucar e algo como o som distante de um sino pesado principiou a martelar seu dia. a lembrança da doçura extrema começou a magoá-lo e ele queria que ela saísse do seu corpo, porque era em seu corpo que estavam as marcas daquele prazer indistinto mas imenso. sentia línguas de fogo correndo sobre o peito, sufocava sob o aperto de braços de ferro que o esmagavam. delirava com um peso enorme que o imobilizava. mais que tudo, porém, estremecia ao lembrar daquele abraço sem fim que tinha deixado um rastro jamais perdido sobre sua testa, seus olhos, sua face, seu pescoço, seu ombro, e que se tinha instalado dentro de sua própria alma. mas agora já não bastava reviver a explosão de seu prazer, pois que não mais lhe entrava por dentro aquela bebida cheia de delícias; ao contrário, imaginando aquele abraço eterno, que provocara nele a explosão de um gozo nunca antes imaginado, subia-lhe ao coração uma amargura muito grande e seu olhar pendia e lágrimas se aninhavam furiosas atrás dos olhos, espreitando o momento de maior fraqueza para se precipitarem como selvagens em fúria, saltando para fora e armando a emboscada. depois, sim, seria aquela convulsão desordenada e aquele tremor demorado e aquele medo, aquela angústia, aquele pavor.
Não, eu não quero chorar agora, eu não quero chorar…
comprimindo os lábios com força, retendo todos os músculos da face, transformando-se numa estátua de pedra, imóvel e impassível.
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apolo e jacinto, 8

apolo e jacinto, 8.

Acho que hans não percebeu nada. Não desconfiou quando pedi pra deixá-lo lá em cima. Quando voltei lá, ele já tinha descido. Estão exigindo a morte dos prisioneiros. Aquele monstro deve ser o primeiro a morrer, de morte mais violenta. Ou, quem sabe?, deixo-o pra depois e depois e ele vai apodrecer no horror dessa espera. Não poderei mais vigiá-los. Maldito hans! Por que as portas secretas estão todas fechadas? Não tinha reparado nisto. Acho que há algum tempo as fechei, nem mais me lembro por quê. Não seria bom deixá-las abertas? Para alguma emergência… Tem razão, hans, cuidarei disso amanhã. Amanhã também devo resolver sobre os prisioneiros. Hans acha que sete forcas e uma festa deixarão o povão feliz. Queria conservar aquele pra depois. Acho que ele fez algo a luis, havia marca de dedos que apertaram seu bracinho, que será que queria fazer? Acordou exatamente quando saí da cela, aquele porco! Preciso falar com ele mas como vou saber se estava ou não acordado quando o beijei? Por que ele gritou não? Terá sentido minha boca na sua barriga? Ou será que acabava de acordar e se lembrou do prisioneiro? Parecia uma escultura de carne, nenhum artista vai trabalhar madeira tão preciosa. Acho que não devo matá-lo. Tenho que descobrir um jeito de manter as passagens secretas. Se hans não soubesse de nada! Ele achou esquisito quando lhe entreguei o poder do castelo. Estou ainda muito perturbado, hans, quero me dedicar a estudar uns manuscritos, pra me tranquilizar um pouco. Não sei se entende. Claro que entendo… Quero ir ao mosteiro das tílias, o padre me disse que recentemente foi encontrado um rico material com lendas e canções dos peregrinos. Mas só viajarei na próxima semana. Precisamos organizar a viagem, então. Acho que hans não desconfia de nada, se não, não estaria tão tranquilo comigo. Não, hans, só levarei um criado, quero chegar depressa ao mosteiro, você sabe, agora não corremos perigo ao atravessar o desfiladeiro. Esta é a única maneira de eu não correr riscos, a presença de luis me perturba. Ficar longe dele, por algum tempo. Não sei o que seria de mim se hans desconfiasse… penso, hans, que um dia de viagem é suficiente. Preciso ficar longe dele, tenho um medo terrível de sua presença. Hans não pode saber de nada. Será que luis aceitaria ir comigo? Eu levaria luis e deixaria aqui o criado. Ela ainda dorme, será que acordaria se eu subisse e ficasse na biblioteca? Não, essa idéia é insana!, se me afasto do castelo para ficar longe de luis!, como posso pensar em levá-lo? Isto é horrível! Ela também, com certeza, não desconfia de nada…
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