GIL VICENTE 28. TEMPLO DE APOLO (1526)

o rústico

Resumo:

O próprio Autor se apresenta como Prólogo. Esteve doente e conta as engraçadíssimas visões que teve durante a febre, citando famosas mulheres em cenas corriqueiras e ridículas. Anuncia que o palácio virou um Templo de Apolo. Apolo gostaria de reformar o mundo e apresenta algumas idéias, ridicularizando os padres. Na frente do templo é colocado um Porteiro, que deve impedir a entrada daqueles que não são dignos do Imperador Carlos V e de sua mulher, Isabel, filha de Dom Manuel e irmã do rei português Dom João III. Em pares, chegam os Romeiros para a visitação ao Templo. São alegorias diversas dos servidores do Imperador. Entram o Mundo e a Flor da Gentileza. Depois Vencimento e Virtuosa Fama. A seguir o Cetro Onipotente e a Prudente Gravidade. E o Tempo Glorioso e a Honesta Sabedoria. Oram, pedindo favores para o Imperador e sua mulher. Vem um plebeu português, rústico. Desentende-se com o Porteiro, que não o quer deixar entrar. Vem Apolo e logo a seguir os outros Romeiros. Todos cantam  e dançam em homenagem à Imperatriz.

GV093. Dois Romeiros

Gloriosa gloria mia,
Vos seais muy bien venida;
Pues con vos vive la vida,
Tiempo es de mi alegria.

(cantam Gerson Marchiori e Rubem Ferreira Jr)

GV094. Vilão

Rogaré á Dios del cielo
Que era padre de mesura,
Que ou me case ou me mate,
Ou me tire de tristura.
Amor no puedo dormir.

(canta Jorge Teles)

Gv095. Romeiros

Pardeos, bem andou Castella,
Pois tem Rainha tão bella.

Muito bem andou Castella
E todos os Castelhanos,
Pois tem Rainha tão bella,
Senhora de los Romanos.

Pardeos, bem andou Castella
Com toda sua Hespanha,
Pois tem Rainha tão bella,
Imperatriz d’Allemanha.

Muito bem andou Castella,
Navarra e Aragão,
Pois tem Rainha tão bella,
E Duqueza de Milão.

Pardeos bem andou Castella
E Sicilia tambem,
Pois tem Rainha tão bella,
Conquista de Jerusalem.

Muito bem andou Castella,
E Navarra não lhe pesa,
Pois tem Rainha tão bella,
E de Frandes he Duqueza.

Pardeos bem andou Castella,
Napoles e sua fronteira,
Pois tem Rainha tão bella,
França sua prisioneira.

(cantam Graciano Santos e Rubem Ferreira Jr)

GV096. Apolo

Águila, que dió tal vuelo,
Tambien volará al cielo.

Águila del bel volar
Voló la tierra y la mar:
Pues tan alto fue á posar
De un vuelo,
Tambien volará al cielo.

Águila una Señora
Muy graciosa voladera,
Si mas alto bien hubiera
En el suelo,
Todo llevara de vuelo.

Voló el águila real
Al trono imperial,
Porque le era natural,
Solo de um vuelo,
Subirse al mas alto cielo.

(canta Gerson Marchiori)

Comentário:

Peça, como tantas outras, encomendada para uma ocasião específica, no caso a partida de Isabel, filha de D. Manuel, para a Espanha, onde se casaria com Carlos V. O início da peça é cômico mas a solenidade das falas dos Romeiros-Alegorias dão à obra um caráter de chatice oficial. A entrada do rústico devolve-lhe o sabor, até porque os textos das canções são brilhantes.
Observa-se que, para certas festividades, Gil Vicente era encarregado de criar um teatro mais superficial, sem enredo; apenas uma situação que permitisse fazer os elogios aos nobres portugueses a quem era dedicada a apresentação. Isto aconteceu com As Cortes de Júpiter e, agora, com este Templo de Apolo. A escolha do maravilhoso pagão permite que o clima da festa seja feérico, figurinos certamente exuberantes e textos bajuladores.
As duas canções fazem a exaltação à princesa Isabel, imperatriz após o casamento com Carlos V. Com toda certeza, foram feitas especialmente para a ocasião.

Visitas: 479

GIL VICENTE 24. AUTO PASTORIL PORTUGUÊS (1523)

o pastor

Resumo:

Um lavrador entra como Prólogo e, antes de anunciar os outros personagens, fala de si mesmo: casou-se contra a vontade dos pais e foi deserdado. Há então uma interessante referência ao próprio Autor: é mesmo Gil Vicente, que agora anda sem dinheiro, quem pediu para que ele anunciasse um Auto de Natal. Entram aos poucos seis pastores com seus amores entrecruzados: Joane gosta de Caterina que gosta de Fernando que gosta de Madanela que gosta de Afonso que gosta de Inês que gosta de Joane. Discutem em torno de suas declarações de amor e suas recusas. Vem uma última pastora, Margarida, com um feixe de lenha. Diz ter visto a Virgem, o menino e seis ou sete donzelas. A Virgem mandou que ela fizesse uma advertência ao cura e ao prior. E lhe deu uma imagem sua. Margariga sai e volta com quatro clérigos. Estes entoam um hino à Virgem. E ao final cantam todos uma delicada canção natalina.

GV075. Catherina

Tirae os olhos de mim,
Minha vida e meu descanso,
Que me estais namorando.

Os vossos olhos, senhora,
Senhora da formosura,
Por cada momento de hora
Dão mil annos de tristura:
Temo de não ter ventura.
Vida, não m’ esteis olhando,
Que me estais namorando.

(canta Kátia Santos)

GV076. Clérigos

Ó gloriosa Senhora do mundo,
Excelsa princeza do ceo e da terra,
Fermosa batalha de paz e de guerra,
Da sancta Trindade secreto profundo!
Sancta esperança, ó madre d’amor,
Ama discreta do filho de Deos,
Filha e madre do Senhor dos Ceos,
Alva do dia com mais resplandor!

Fermosa barreira, ó alvo e fito
A quem os profetas direito atiravão!
A ti, gloriosa, os Ceos esperavão,
E as tres pessoas hum Deos infinito.
Ó cedro nos campos, estrella no mar,
Na serra ave phenix, hua so amada,
Hua so sem mácula e so preservada,
Hua so nascida, sem conto e sem par!

Do que Eva triste ao mundo tirou
Foi o teu fructo restituidor;
Dizendo-te ave o embaixador,
O nome de Eva te significou.
Ó porta dos paços do mui alto Rei,
Camera cheia do Spírito Sancto,
Janella radiosa de resplandor tanto,
E tanto zelosa da divina lei!

Ó mar de sciencia, a tua humildade,
Que foi senão porta do ceo estrellado?
Ó fonte dos anjos, ó horto cerrado,
Estrada do mundo para a divindade,
Quando os anjos cantão a glória de Deos,
Não são esquecidos da glória tua;
Que as glórias do filho são da madre sua,
Pois reinas com elle na corte dos Ceos.

Pois que faremos os salvos por ella,
Nascendo em miseria, tristes peccadores,
Senão tanger palmas e dar mil louvores
Ao Padre, ao Filho e Esprito, e a ella!

(cantam Geovani Dallagrana, Gerson Marchiori, Graciano Santos e Rubem Ferreira Jr.)

GV077. Todos

Quem he a desposada?
A Virgem sagrada.
Quem he a que paria?
A Virgem Maria.
Em Bethlem, cidade
Muito pequenina.
Vi hua desposada
E Virgem parida.
Em Bethlem, cidade
Muito pequenina,
Vi hua desposada
E Virgem parida.

Quem, he a desposada?
A Virgem sagrada.
Quem he a que paria?
A Virgem Maria.
Hua pobre casa
Toda reluzia,
Os anjos cantavão,
O mundo dizia:
Quem he a desposada?
A Virgem sagrada.
Quem é a que paria?
A Virgem Maria.

(canta Kátia Santos)

 

Comentário:

Um Auto natalino muito singelo. O texto do hino à Virgem é tradução parafraseada de laudes em latim. E Gil Vicente aproveita novamente para criticar ferozmente os religiosos. Quando Margarida fala do cura e do prior, os outros pastores zombam do hábito que estes têm, de desrespeitarem as moças do lugar.
Num Auto posterior, o da Serra da Estrela, muito semelhante a este, volta o autor a brincar com amores desencontrados de pastores. Só que, naquele, um Ermitão, ao final, juntará os pares e todos acabarão por aceitar com alegria seus parceiros. Outros são os nomes dos pastores, mas há também um Fernando, que ficará com sua Madanela.

Visitas: 752

GIL VICENTE 23. FARSA DE INÊS PEREIRA (1523)

lianor vaz

Resumo:

Inês não aceita sua condição social, panela sem cabo, presa em casa. A mãe discute com ela. Vem a comadre Lianor Vaz, esbaforida. Um clérigo tentou estuprá-la. (“Irmã, eu te absolverei com o breviário de Braga”). Lianor vem falar de casamento. Traz uma carta do pretendente. Vem o mesmo a seguir, mas não passa de um simplório inexpressivo. Inês o rejeita. pois quer um homem inteligente e que toque viola. Latão e Vidal, dois judeus casamenteiros, apresentam um escudeiro a Inês. Ele fala bonito e toca viola. Casam-se. O escudeiro transforma-se numa peste (“Já vos preguei as janelas, porque não vos ponhais nelas; estareis aqui encerrada, nesta casa tão fechada, como freira d’Oudivelas”). Vai para a guerra e morre. O primeiro pretendente herdou uma fazenda e Inês se casa com ele. Ele, ao contrário do primeiro marido, satisfaz todos os desejos dela. Surge, como Ermitão, um antigo namorado. Mora numa ermida. Inês, montada a cavalo no marido, vai visitar a ermida.

GV069. Latão

Canas do amor, canas
Canas do amor.
Polo longo de hum rio
Canaval está florido,
Canas do amor.

(canta Gerson Marchiori)

GV070. Escudeiro

Mal me quieren en Castilla.

(canta Rubem Ferreira Jr)

GV071. Latão

Pelo mar vay a vela
Vela vay pelo mar.

(canta Gerson Marchiori)

GV072. Todos

Mal herida iba la garza
Enamorada
Sola va y gritos daba.

(canta Geovani Dallagrana)

GV073. Ines

Quem bem tem e mal escolhe,
Por mal que lhe venha não sanoje.

(canta Jorge Teles)

 

GV074. Ines e Pero

Marido cuco me levades
E mais duas lousas.
-Pois assi se fazem as cousas.

Bem sabedes vós, marido,
Quanto vos quero;
Sempre fostes percebido
Pera cervo:
Agora vos tomou o demo
Com duas lousas.
– Pois assi se fazem as cousas.

Bem sabedes vós, marido,
Quanto vos amo,
Sempre fostes percebido
Pera gamo.
Carregado ides, noss’amo,
Com duas lousas.
– Pois assi se fazem as cousas.

(cantam Carmen Ziege e João Batista Carneiro)

 

Comentário

Gil Vicente era destratado por intelectuais como sendo um imitador de dramaturgos espanhóis, principalmente Juan de Encina. Sabe-se hoje que as influências foram recíprocas. Gil Vicente começou imitando mas, a partir de um certo momento, seu gênio explodiu em criações importantes que ditaram aos autores peninsulares os caminhos do teatro ibérico.
Foi-lhe dado como mote o provérbio: mais quero asno que me leve que cavalo que me derrube, para que, a partir daí, criasse uma peça teatral. Inês Pereira é o resultado do desafio. Considerada como sua mais perfeita comédia é um desfilar homogêneo de tipos e situações hilariantes.

Visitas: 457