Segunda Parte: Sonhar não é pecado.
O circo é visto de longe, como que num crepúsculo, de diversos ângulos. Sobre tais imagens, os textos: Segunda Parte. Sonhar não é pecado. A imagem desmaia até desaparecer.
Seqüência 15:
Aplausos, risadas, rostos que gargalham, em flashes rápidos. Uma tomada mostra palhaços que trocam porradas entre si. Jorge observa por trás da cortina. Chico chega e cochicha:
– Tem um ceguinho aí, pedindo para assistir sem pagar.
– Um ceguinho? Então, não é assistir. É ouvir. Bota ele aqui perto de mim. Já que ele não vai ver, deixa ele aqui. Ele que se segure nesta barra de sustentação.
Tambores rufam. As luzes diminuem quase até a escuridão. O sanfoneiro entra lentamente, tocando alguns acordes, bem baixinho. Entra Jorge lentamente, com roupa mais luxuosa do que na apresentação anterior. Jorge fala sem estardalhaço, como que anunciando algo muito grave:
– Senhoras e Senhores! Enquanto nosso pessoal prepara o cenário para o drama sacro A ressurreição de Lázaro, apresentaremos o nosso número mais emocionante. Preparem-se, corações apaixonados! Por que a seguir, ouviremos uma canção de amor. É com imenso orgulho que apresento a Vossas Senhorias minha esposa, minha bem amada… Com os Senhores… Maria!
Uma salva de palmas. Maria surge deslumbrante, num vestido de baile com flores estampadas, jóias reluzentes e uma tiara na cabeça. Avança lenta, um sorriso mal esboçado. Segura um dos lados do vestido. Olha para Jorge. Ele a apresenta ao público num gesto suave, afasta-se e se esconde de novo. Maria espera, tranqüila. Jorge volta, trazendo pelas mãos, seus dois filhos. Leva-os até uma banqueta perto do sanfoneiro. Os dois pegam os seus instrumentos, um tambor e um pandeiro para Menininha, um triângulo para Menininho. Jorge solenemente dá um beijo na testa de cada um. E sai.
Ao som dos instrumentos, Maria começa a dançar. E canta a canção da Pombinha branca:
– Pombinha branca,
Fuja do laço do caçador.
Que eu também quero
Fugir do abraço do meu amor.
Seu beijo arrebata
E mata de paixão.
Amor que mata, eu não quero não.
Amor que mata, eu não quero não.
– Você tem asas
E do perigo pode voar.
Mas eu não tenho
E por castigo vivo a chorar.
O olhar dele maltrata
Dá um nó no coração.
Amor que mata, eu não quero não.
Amor que mata, eu não quero não.
Menininho e Menininha cantam o refrão em duas vozes. Durante a canção, serão vistos rostos que ouvem com atenção. E Jorge, chegando-se ao seu lugar, verá o ceguinho, grudado numa barra de madeira que sai do chão. Entre as tomadas do rosto de Maria, da dança e do público, Jorge olhará o ceguinho. Na segunda vez estará desconfiado. Uma tomada mostrará o ceguinho, totalmente embevecido, como em oração, com os olhos para o vazio, ao alto. Numa pose de extrema comoção. O ceguinho está maravilhado. O rosto de Jorge indica, primeiro, estranheza, depois, alguma preocupação. E se transforma numa máscara de dureza.
Ao término da canção, um grande aplauso. Maria e os meninos, de mãos dadas, agradecem. Jorge vai até eles. Dá a mão à mulher, entre ela e Menininha, e agradecem diversas vezes. Jorge cochicha algo à mulher. Ela sorri, lisonjeada e espera. Ele pede silêncio, com as mãos. E fala: