(ilustração de Ricardo Garanhani)
Era uma vez uma solteirona já meio velha, chamada dona Mariquinha. Ela era solteirona porque rejeitou todos os pretendentes que tinham aparecido. Quando resolveu se casar ninguém quis saber dela porque já estava ficando toda enrugadinha.
Naquele tempo as solteironas moravam com os pais. Bordavam, costuravam, ajudavam nos serviços da casa e cuidavam dos sobrinhos. Mas essa dona Mariquinha… não tinha pai! Não tinha mãe! Nem irmão! Até o padrinho já tinha morrido e da madrinha ela nunca se lembrou de nada.
Por isso ela vivia sozinha numa casinha bem distante, na roça. Mas ela tinha uma companhia! Ah! Era uma cachorrinha muito treteira, muito ladina, muito inteligente!
Durante o dia dona Mariquinha não tinha medo de nada! Mas quando chegava a noite ela morria de medo. Colocava a tranca na porta e depois de apagar a vela ia dormir bem quietinha.
Numa certa noite muito escura bateram na porta toque-toque.
Dona Mariquinha se encolheu de medo.
Bateram de novo, toque-toque.
Ela não respondeu, caladinha que só ela.
Bateram de novo, toque-toque. E uma voz de homem gritou do lado de fora:
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
Ela se arrepiou de medo e tremeu da cabeça aos pés. Mas… a cachorrinha correu até a porta e gritou:
– Au au au se tu cá vier!
Nada mais se ouviu. Dona Mariquinha abraçou sua cachorrinha e dormiu cheia de medo.
No dia seguinte… ela começou a pensar uma porção de coisas. De quem seria aquela voz? Seria de um bicho medonho? Um homem? O quê queria com ela?
De noite ela estava muito assustada.
Toque-toque. Toque-toque. Toque-toque.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
No dia seguinte dona Mariquinha não teve medo. Ele devia ser um moço muito bonito. Resolveu que naquela noite ia abria a porta! Mas quando ficou no escuro ela pensou que podia ser um bicho e decidiu que não ia abrir a porta.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
No outro dia ela novamente resolveu que ia abrir a porta. Ah, queria conhecer aquele moço bonito, alto e louro! Começou a escurecer e ela não sentiu medo nenhum. Até vestiu um vestido novo e ficou esperando.
Toque-toque. Toque-toque. Toque-toque.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
Dona Mariquinha pensou e pensou e decidiu que precisava conhecer aquele moço lindo, alto e louro e de olhos azuis. Só que a cachorrinha sabia que ele não era gente mas um bicho muito feio. Por isso, na noite seguinte:
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
O que fazer? O que fazer? O que fazer? Ah! Na noite seguinte ela amarrou a cachorrinha na cozinha.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
A cachorrinha se desamarrou para salvar a sua dona.
Na outra noite ela prendeu a cachorrinha no armário.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
A cachorrinha arrebentou a fechadura e veio para assustá-lo.
Dona Mariquinha já não aguentava mais de vontade. Enfiou a cachorrinha num saco. Amarrou bem amarrado. Enrolou o saco num cobertor. E fechou tudo no armário.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
A cachorrinha tinha gritado bem baixinho.
Ah, dona Mariquinha gostava muito da cachorrinha. Mas não aguentava mais de vontade de conhecer aquele moço lindo, alto, louro e de olhos azuis e longos cabelos encacheados e que com certeza era um príncipe disfarçado. Ela resolveu… acabar com a cachorrinha.
Comprou veneno. Colocou na carne. E a cachorrinha nem desconfiou… Enterrou o corpinho no quintal.
De noite, ficou esperando, enquanto penteava seus cabelos.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
O corpinho da cachorrinha tinha gritado lá da sua cova!
Uh, dona Mariquinha desenterrou a cachorrinha. Armou uma fogueira. Queimou a defuntinha. Ficou esperando…
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
Uns pelinhos da cachorrinha tinham voado e escapulido do fogo e tinham gritado.
No dia seguinte, ela varreu tudo, a casa, o quintal, e limpou e espanou e nem uma poeira havia sobre os móveis e nem um pelinho havia sobre o chão.
Tomou um banho cheio de perfume!
E penteou os cabelos…
E pintou a boca e as unhas.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
Nada se ouviu.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
Silêncio.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
Ela se levantou toda faceira e tirou a tranca da porta. Estava escuro.
Ele entrou devagarinho e não fez barulho. Como a cachorrinha não o espantou, ele comeu a dona Mariquinha.