Alma desdobrada, capítulos 217, 218, 219 e 220.
217.
pergunta:
algum de meus encontros clandestinos valeu a pena?
resposta dois: sim! todos!
o que busca o homem na sua rápida passagem? a felicidade! e onde se acha ela? apenas num amor duradouro e pleno e completo e incorrupto? por que não, também num furtivo encontro de dois medos e dois anseios cheios de uma violência passageira? chegamo-nos, aproximano-nos um do outro e o animal que habita o fundo de minha alma busca o outro animal. e como dois répteis inofensivos, mas vivíssimos, cruzam-se em toques mínimos que fazem explodir as estrelas.
a energia do mundo não cabe na espera de um amor completo e fatalmente grande. amo desesperadamente a Z… e não tenho como me fazer amado. circunstâncias! é preciso fazer navegar a nave dos meus anseios e permitir que minha volúpia estremeça de loucura ao furtivo contato de outro mundo em órbita solta, como o meu. ambos, em busca de águas passageiras apenas a diminuir suas pequenas sedes.
e ainda não quero falar das coisas que aprendo.
um homem pode habitar quantos homens?
218.
V…, quanto sonho eu sonhei de te rever mais tarde!, mergulhado no mais amplo e interminável abraço. durante longo tempo esperei que se aquietasse meu coração de suas juvenis inquietações, esperei que um dia chegasse, o do nosso rever um ao outro. uma vez te escrevi, não houve resposta. uma vez te telefonei: incrível, jorge, incrível que seja você.
depois disso, silêncio.
219.
leonardo, leonardo. quero novamente conversar com você. lembrar de você. pensar em você.
sinto nesses meus dias, sinto que te tive nas mãos como água límpida, você bebê. te dei banho, te troquei fraldas, te fiz dormir no meu colo, te dei mamadeira no meio das noites escuras e algemadas por silêncios intermináveis.
te tive em minhas mãos, indefeso e desprotegido.
mas a água límpida cresce lenta e agora principia a escorrer para fora de minhas mãos, de meu alcance, de minha proteção.
você principia a ir ao encontro de si mesmo, tentar o caminho que te fará riacho, depois torrente de vida, até o grande mar onde todas as coisas se misturam e se esquecem.
até lá, filho amado, meu pagãozinho, te estendo as mãos para reter-te água o tempo e às vezes de que você necessitar.
não te seguro. não posso te segurar.
não retiro minhas mãos, todavia.
220.
protesilau foi meu segundo livro. uma tragedinha com assunto grego. eu embebido de textos sobre tristão e isolda, querendo falar de amor e de morte. se caim me parece artificial, protesilau é mais ainda. há pequenas imagens que me agradam, mas no todo é superficial e pretensioso.
não tive coragem para destruí-lo. de vez em quando, eu penso em versificá-lo e transformá-lo numa ópera barroca.