Alma desdobrada, cap. 255, 256 e 257.

Alma desdobrada, capítulos 255, 256 e 257.

 

255.

          e ele visitava todos esses porões, com sua poeira, com o seu mofo, com as suas coisinhas desajeitadas.

          mas havia uma porta, que o príncipe abria cheio de espanto, porque era um corredor diferente. era mais largo, mas era mais escuro. as escadas, estranho que fossem tão novas, porque pouquíssimo percorridas, mas com um ar de muito velhas; eram gastas.

          a porta também era diferente das outras, de um bronze sujo, enorme, trancas fortíssimas.

          e o príncipe descia por seus corredores, descia e descia… e chegava a um certo ponto em que começava a ouvir murmúrios, logo mugidos, a seguir urros… e ele tinha medo de continuar. ele tinha medo de continuar, por saber que lá embaixo morava um demônio.

          o príncipe nunca tinha visto este demônio, mas o imaginava terrível.

          deu-se que um dia esse príncipe se sentiu virado pelo avesso. e resolveu que chegara a hora de conhecer aquele seu demônio particular.

 

 256.

          transformo minha dor em tentativas de livros e poemas. a beleza em meus escritos não depende do tamanho de minha dor. se fosse assim, os sofredores seriam os grandes artistas.

          há ostras e mariscos. um corpo estranho dentro de um marisco jamais será pérola.

          então, por que acender fogueiras aos artistas? nenhuma ostra se quis ostra. suas pérolas estão, pois, além do livre arbítrio.

          não quero ter medo de sofrer. é confuso o resultado de tudo isto. liberdade!. se não te assumo pra viver, nada resulta do que escrevo. fica me parecendo que a criação de pérolas está aquém do meu livre arbítrio.

          continuo, como sempre, navegando nesse conflito de destino e liberdade. nada aprendo, nada acrescento. será que valeria a pena dizer que tudo o que descobri foi que se pode viver dentro desse conflito? dentro desse paradoxo? sem fugir em direção à loucura?

 

257.

          último dia de férias, dessas muitas férias de leo e bruno. bruno, acabrunhado, entra e sai da casa. lá fora, ele fica no murinho, olhando sua égua. antes de sairmos, disse que vai se despedir da boneca. chega junto dela, dá um beijinho em sua cara e vem para o carro.

          seu olhar acompanha a égua, enquanto a gente se vai.

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