senzala e casa grande

A DITADURA DA IMORALIDADE 01. Senzala e Casa Grande



SENZALA

Mãe, tem cá um buraco perto da esteira,
não posso dormir dessa maneira.
Meu filho, meu filho, acorda não,
já foi abolida a escravidão.

Mãe, não vou mais à escola, já estou cansado.
Eu nunca sei nada, sempre atrasado.
Meu filho, meu filho, desiste não,
Já foi abolida a escravidão.

Mãe, hoje o guarda tomou todo o meu dinheiro
depois de chamar-me arruaceiro.
Meu filho, meu filho, não liga não,
Já foi abolida a escravidão.

Mãe, fome e frio e essa merda de cansaço,
Tão fazendo a gente de palhaço.
Meu filho, meu filho, fala isso não,
Já foi abolida a escravidão.

Mãe, eu acho que alguém vai me dedar,
tô com medo do tira me apagar.
Meu filho, meu filho, tem medo, não,
Já foi abolida a escravidão.

Mãe, se me procurarem eu não estou,
e nem sei te dizer, pra onde vou.
Meu filho, meu filho, não foge, não,
Já foi abolida a escravidão.

Mãe, não tenho coragem pra te escrever,
isso aqui é terrível, precisa ver.
Meu filho, meu filho, não sofre, não,
Já foi abolida a escravidão.

Mãe, depois que eu sair não me pegam, não,
Muito tenho aprendido cá na prisão.
Meu filho, meu filho, não chora não,
Já foi abolida a escravidão.

Mãe, você não vai mais poder me rever,
Me fizeram fugir pra me abater.
Meu filho, meu filho, não morre não,
Já foi abolida a escravidão.

Mãe, o sangue, o jornal, e o chão lavado,
Cumprido o dever, tudo acabado.
Meu filho, meu filho, me deixa não,
Já foi abolida a escravidão.


CASA GRANDE

A casa está suja e feia,
Erguido foi o portão.
Vazia a mesa da ceia,
O pão e o vinho no chão.

Os quartos não têm mais portas,
E em cada aposento, um cão.
Nos jarros, as flores mortas.
E os livros no porão.

Vassouras aposentadas
E quebrado o escovão.
Em seu lugar, levantadas,
As armas da corrupção.

Mas nossa casa é esta.
Não adianta fingir
Que não existe a afronta.
Se a gente não protesta,
Ou não quer reagir,
Eles vão tomar conta.

Nos cantos, ratos e aranhas,
E ninhos de escorpião.
E cobras de muitas manhas
Gozando da usurpação.

Areia, poeira, chuva,
Fome, dor, contravenção.
Negra e triste, qual viúva,
A casa é um refúgio vão.

A vergonha foi calada.
No Poder, o Aleijão.
Ferida e desrespeitada,
A virgem Constituição.

Mas nossa casa é esta.
Não adianta fingir
Que não existe a afronta.
Se a gente não protesta,
Ou não quer reagir,
Eles vão tomar conta.
E já tomaram conta.
E estão perdendo a conta.
E o resto não se conta. 

Curitiba, 30.09.1977
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canção do mosquito do cabra cabrez

CANÇÕES DO PROTESTO INÚTIL

Introdução:

Começo a postar, a partir de hoje, 05 de dezembro de 2013, algumas das canções que fiz de 1976 a 1983.

Reuni-as há uns anos num trabalho com o título acima, dividindo-as em três blocos:

1. Houve ontem uma ditadura, A DITADURA DA BURRICE. Neste bloco, incluo as canções que falam de censura, tortura, medo; os anos de chumbo da ditadura militar.

2. Veio, a seguir, outro tipo de ditadura, A DITADURA DA IMORALIDADE, que, todavia, mantém a burrice anterior. Neste bloco incluo canções que falam da cidadania brasileira, da perplexidade do eleitor e contribuinte diante do poder aparentemente democrático. Ao longo dos anos vou substituindo os nomes dos pilantras de plantão.

3. Mudemos de assunto, porém, que o estômago é fraco. Aqui, entram as canções de temas variados.

 Para facilitar, vou simplificar os títulos, porque quero apresentá-las aleatoriamente: A DITADURA DA BURRICE, A DITADURA DA IMORALIDADE, CANÇÕES DIVERSAS.

 

A DITADURA DA BURRICE 01. Canção do Mosquito do Cabra Cabrez


Você vem me dizer
que eu sou uma coisinha à toa;
mas sei mostrar
com quantos paus se faz uma canoa.

Você é Polifemo,
o grande poltrão das fanfarrices.
Mas eu serei o manhoso e astuto Ulisses.

Você se diz rei,
e não admite nenhum ultraje.
Mas eu serei o debochado Bocage.
Você é um Golias,
querendo tomar tudo pra si.
Mas eu serei o pequenino Davi.

Você é muito forte,
e contra você ninguém se atreve.
Mas eu serei como uma bolinha de neve.

Você é o Gigante,
e com você ninguém se mete.
Mas eu serei o alfaiate Mata-Sete.

Você é um grandalhão
dos que fazem da gente picolé.
Mas eu serei um espinho no seu pé.

Você, que é o Cabra Cabrez
e pensa que o seu poder é infinito.
Olhe, eu estou aqui. Eu sou o Mosquito.

Curitiba, 11.nov.77.
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