O dia sem nome, 18.
Ao ouvir o assobio Ingrid num relance pensou o aparelho enguiçou vou levá-lo amanhã mas os homens da tela foram diminuindo e tudo foi ficando curvo e confuso, subindo, escuro, desceu sobre Ingrid o esquecimento. Um punhado de matéria informe, molhada, misturada a roupas bem brancas dentro de uma casa limpíssima, que nunca mais ia ser limpa, até sua total destruição, alguns séculos mais tarde. Nos aeroportos, aviões apodreceram, painéis permaneceram acesos, instrumentos funcionaram para o vazio. A ata da Assembléia Constitucional não foi assinada. O homem que furava um poço ficou lá no fundo, desmanchado, e não foi destruído por vermes que não foram consumidos por bactérias que não mais existiam. O petróleo jorrou para ninguém, milhões de barris incendiaram, as máquinas não precisavam mais do óleo negro. Nas sedes dos jornais, imensos e vazios, não se falou mais da moda nem da economia nem dos ditadores. Na aula de pintura, o modelo nu não mais se levantaria e os estudos amarelaram incompletos. Em Epidauro, o guarda-roupa desenhado para o festival não seria confeccionado e Dionísio, morto, não ouviria mais o entoar da fúria divina das bacantes.
Silêncio de gente, silêncio de animais, silêncio de farfalhar de folhas. O eco repetia pedaços de coisas que tombavam, agora uma parede, daqui a um ano uma janela. O silvo não das serpentes do vento que tinha agora o seu caminho livre. A música não dos pássaros da água acumulada dentro das construções sem telhado, escorrendo depois por sobre panelas furadas, televisores arrebentados, trens parados e enferrujados.
No fundo do grande mar vagavam os destroços mais leves dos navios e dos submarinos e dos petroleiros, explodidos por não terem sido frenados. Não tinha mais importância, o envenenamento das águas. Não havia vida a matar, agora.
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