CONTA OUTRA VÓ 02. A SANDÁLIA

a sandália

 

 (ilustração de Ricardo Garanhani)

Nota: No início dos anos 70 li o Decameron de Boccaccio. A quarta novela da sétima jornada me fez lembrar de uma das historinhas que minha avó contava. Havia variações quanto a local e detalhes mas a essência era a mesma. Fiquei pensando em outras histórias de minha avó, analfabeta. Fiz um levantamento de todas, ela contava e recontava a cada vez que pedíamos. Percebi que nas minhas leituras nunca tinha encontrado algumas daquelas histórias. E resolvi anotar todas, para não esquecê-las. O resultado foi esse Conta outra, vó. A Sandália, o segundo conto, é a variante encontrada no Decameron. 

    Era uma vez uma vez uma mulher muito linda. Era casada com um fazendeiro rico e tinham muitos escravos. Isto aconteceu quando o Brasil ainda tinha escravos negros.

    Certa feita apareceu um mascate cheio de novidades e a mulher comprou um lenço. Quando entrou no quarto e abriu o lenço pra enrolar nos cabelos, caiu um anel de rubi. Ela guardou o anel e quando ele voltou, dias depois, disse que o anel estava escondido dentro do lenço. Ele pegou o anel e olhou ela de um jeito muito especial e ela estremeceu inteirinha.

    Um mês depois ele voltou e ela comprou uma caixinha de jóias. Ele disse que ia embrulhar e ela não quis, mas ele tanto fez que ela consentiu. Ela entrou pro quarto e daí a pouco uma escrava veio com o pacote. A mulher estava cheia de aflição.

    Pois não é que o sem-vergonha tinha colocado um bilhetinho no porta-jóias? “Quero me encontrar com a senhora num lugar escondido.”

   A mulher não quis receber o mascate quando ele voltou, disse que não precisava de nada. Mas à noite o fazendeiro falou na janta que tinha empregado ele na fazenda, que ele ia fazer serviços de carpintaria. Ela ficou cheia de medo mas não falou nada.

Continue lendo “CONTA OUTRA VÓ 02. A SANDÁLIA”

Visitas: 673

Tia Marina peça 1

marina

(Nota: Até os 6-7 anos, Leonardo e Bruno só tiveram uma tia disponível, vizinha. Todos os outros moravam longe. Era uma tia especial. Não porque fosse a única, porque exclusividade não é virtude mas circunstância. Era especial porque era exatamente como era. Essas coisas não precisam de explicação. Era mais do que especial, era imprescindível. E assim ficou sendo até hoje. Depois que ela se mudou para São Paulo, homenageei-a em duas pecinhas de fantoche (os teatrinhos viraram rotina dentro dos aniversários). Aí vão as duas. A segunda peça é uma mostra do que fazem os povos quando sob o tacão de cavalgaduras: debocham da besta-fera a portas fechadas.)

marina

 

O BRIGADEIRO INVISÍVEL

PERSONAGENS: TIA MARINA, LEONARDINO, BRUNINO, TOURO (o cachorro), SACI, CUCA, IARA.

TIA MARINA: Bom dia! Boa tarde! Boa noite! Como vão vocês? Eu sou a tia Marina. Vim a Curitiba, para visitar filhos, sobrinhos, e encontrar o meu coração. Porque, mesmo morando em São Paulo, meu coração fica em Curitiba. Preciso encontrar o Leonardino e o Brunino, meus sobrinhos muito levados. Quero contar para eles as histórias que li quando fiz uma pesquisa na USP. Leonardino! Brunino! Onde estão vocês? Acho que estão aqui. (abaixa-se) Ai, minha coluna! Não posso fazer estes movimentos extravagantes. Leonardino! Brunino!

LEONARDINO: Quem que tá chamando?

BRUNINO: É a tia Marina!

TIA MARINA: Olá, sobrinhos! Quero contar para vocês umas histórias que li.

LEONARDINO: Conta, então…

TIA MARINA: A primeira história é a do Saci. Conhecem o Saci?

BRUNINO: O Saci é um pretinho que tem uma perna só.

LEONARDINO: E tem um chapeuzinho chamado carapuça.

BRUNINO: E fuma cachimbo.

LEONARDINO: E gosta muito de enganar as pessoas.

TIA MARINA: Credo! Vocês contaram tudo que eu ia contar! Mas de uma coisa vocês não falaram.

BRUNINO: O quê?

TIA MARINA: O Saci, quando está cansado, senta numa pedra e cruza as pernas.

LEONARDINO: Oh, tia Marina. Qual perna que ele cruza em cima da outra?

Continue lendo “Tia Marina peça 1”

Visitas: 859

Tia Marina peça 2

O SEQUESTRO DA TIA MARINA

PERSONAGENS: TIA MARINA, LEONARDINO, BRUNINO, TOURO (o cachorro), SACO DE VENTO, SILVIO DIABOS, CHACRETE I, CHACRETE II, ZÉ-DO-POVO, DEQUINHO, MARIO HENRIQUE SIMÃO, o Terrível, ESNESTO GEISER, o Flagelo de Deus, JOÃO BATISTA FIGUEIRADA.

MÁRIO HENRIQUE SIMÃO: Como vão, meus amigos? Meu nome é Mário Henrique Simão, o Terrível. Venho aqui para lhes apresentar um plano. (soluço) O plano mais diabólico que existe. Chama-se o Projeto Brigadeiro. (soluço) Ali vem o meu chefe, Ernesto Geiser, o Flagelo de Deus. (soluço) Vou esperar ele chegar e já conto pra ele e vocês também ficam sabendo de tudo. (soluço)

ERNESTO GEISER: Como vai, Simão, o Terrível?

MÁRIO HENRIQUE SIMÃO: Tudo bem com a sua Excelência?, Excelência! (soluço)

ERNESTO GEISER: Ora, Simão, andou bebendo de novo?

MÁRIO HENRIQUE SIMÃO: Excelência excelentíssima, não pude evitar a inauguração das novas instalações daquela multinacional! (soluço) Mas quero lhe apresentar meu plano diabólico. Chama-se o Projeto Brigadeiro.

ERNESTO GEISER: Não dava pra bolar um Projeto Marechal?

MÁRIO HENRIQUE SIMÃO: Não, excelentíssima Excelência excelentíssima. É o Projeto Brigadeiro mesmo. Nunca ouviu falar do brigadeiro invisível da tia Marina?

ERNESTO GEISER: Ora, Simão, não me diga que acredita nessa história?

MÁRIO HENRIQUE SIMÃO: Já ouviu falar da tia Marina?

ERNESTO GEISER: Tia Marina! Aquela historiadora que fundou o Clube do Cio?

MÁRIO HENRIQUE SIMÃO: Do ócio, a Excelência quer dizer…

Continue lendo “Tia Marina peça 2”

Visitas: 576