dona mariquinha qui tu rango rango

Canções Diversas 10: HISTORINHA DAS MINAS GERAIS.


Nota: Minha avó sempre terminava esta historinha como narro no conto já postado nesse saite: “E o bicho comeu dona Mariquinha!” Nós perguntávamos, rindo: “Mas comeu, como?” “A história termina assim e acabou”. Mais tarde eu deduzi que esta cachorrinha é o superego da donzela; por isso, fiz para minha canção um final mais explícito.

Dona Mariquinha
era uma donzela.
Sempre arrumadinha,
sempre na janela.
De blusa engomada
e trança penteada,
tão triste e sozinha
ninguém vem a ela.

Tinha uma cadela
dona Mariquinha.
Acendia a vela
quando era noitinha.
A cachorra amada,
com a casa fechada,
vigiava a donzela.
vigiava a casinha.

…………..
Auauau auauau.
…………..
Auauau auauau.


Dona Mariquinha
ouviu a cadela
indo na cozinha.
Mas que noite, aquela!
Levantou-se amuada
e viu, assustada,
que uma sombra vinha
bem junto à janela.

Deu uma piscadela
pra que a cachorrinha
tivesse cautela,
e ficou quietinha.
Veio uma pancada
na porta trancada
e uma voz que gela
chama a coitadinha.

– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!


Dona Mariquinha
beijou a cadela.
Pôs leite e farinha
na sua tigela.
Não mais assustada,
mas bem descansada,
pois a cachorrinha
defendera a ela.

E apagada a vela,
chegada a noitinha,
deitou-se a donzela
e ficou quietinha.
De novo a pancada
e a voz que brada.
Dona Mariquinha,
mas que voz, aquela!

– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!


Limpando a cozinha, 
lavando panela,
sonhava sozinha
a pobre donzela.
Ficava sismada,
tremia por nada.
E, assanhadinha,
ficou tagarela.

Sobre os sonhos dela,
quem é que adivinha?
Com flor na lapela,
um príncipe vinha, 
de roupa enfeitada,
coroa e espada,
em carruagem bela,
de sua mãe, rainha.

– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!


O tempo ia e vinha
passando, e ela,
fritando galinha,
limpando a chinela,
toda apaixonada
espera a chamada.
Mas a cachorrinha
não poupa sua goela.

O sangue congela
de ira daninha.
Pegou a cadela,
quebrou-lhe a espinha.
Deixou-a jogada
e ficou trancada.
Mas que voz, aquela,
que do quintal vinha?

– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!


Aquela vozinha
era da cadela
que, mesmo mortinha,
defendia a ela.
Inda mais irada, 
toda transtornada,
Dona Mariquinha
queimou a cadela.

Foi junto à pinguela
atrás da casinha,
jogou a cadela
dentro da covinha.
Depois de enterrada
a cachorra odiada,
apagou a vela
e esperou sozinha.

– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!
– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– Auauau, se tu cá vier!


Foi da cachorrinha,
que amava a donzela,
aquela vozinha.
De onde vinha ela?
Ao pó misturada
ficara espalhada
da cadelazinha
pelagem singela.

Raivosa, a donzela
correu à cozinha,
na grande gamela
pôs água limpinha.
Limpou apressada
a casa empoeirada.
E, assim, da cadela,
nenhum pelo tinha.

– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– ……………..
– Dona Mariquinha, 
qui tu rango rango!
– ……………..

Como a cachorrinha
não latiu por ela,
Dona Mariquinha,
de olhar de gazela,
chegou deslumbrada
à porta fechada
e, bem dengozinha,
girou a tramela.

(Epílogo)

Não era príncipe
nem moço loiro.
Mas um bichão.
De peito peludo,
saco pendurado
e bem pintudo.

E a Mariquinha,
apavoradinha,
deitou-se na cama,
à espera da morte.
Abriu as perninhas
e ficou quietinha.
Qual foi sua sorte?

O bicho comeu 
Dona Mariquinha!   
Ai, o bicho comeu
Dona Mariquinha!
Comeu inteirinha!
Depois, se encolheu
Junto à mulherzinha 
E adormeceu!

Curitiba, abril.1981

DONA MARIQUINHA QUI TU RANGO RANGO

Era uma vez uma solteirona já meio velha, chamada dona Mariquinha. Ela era solteirona porque rejeitou todos os pretendentes que tinham aparecido. Quando resolveu se casar ninguém quis saber dela porque já estava ficando toda enrugadinha.
Naquele tempo as solteironas moravam com os pais. Bordavam, costuravam, ajudavam nos serviços da casa e cuidavam dos sobrinhos. Mas essa dona Mariquinha… não tinha pai! Não tinha mãe! Nem irmão! Até o padrinho já tinha morrido e da madrinha ela nunca se lembrou de nada.
Por isso ela vivia sozinha numa casinha bem distante, na roça. Mas ela tinha uma companhia! Ah! Era uma cachorrinha muito treteira, muito ladina, muito inteligente!
Durante o dia dona Mariquinha não tinha medo de nada! Mas quando chegava a noite ela morria de medo. Colocava a tranca na porta e depois de apagar a vela ia dormir bem quietinha.
Numa certa noite muito escura bateram na porta toque-toque. 
Dona Mariquinha se encolheu de medo.
Bateram de novo, toque-toque.
Ela não respondeu, caladinha que só ela.
Bateram de novo, toque-toque. E uma voz de homem gritou do lado de fora:
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
Ela se arrepiou de medo e tremeu da cabeça aos pés. Mas… a cachorrinha correu até a porta e gritou:
– Au au au se tu cá vier!
Nada mais se ouviu. Dona Mariquinha abraçou sua cachorrinha e dormiu cheia de medo.
No dia seguinte… ela começou a pensar uma porção de coisas. De quem seria aquela voz? Seria de um bicho medonho? Um homem? O quê queria com ela?
De noite ela estava muito assustada.
Toque-toque. Toque-toque. Toque-toque. 
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
No dia seguinte dona Mariquinha não teve medo. Ele devia ser um moço muito bonito. Resolveu que naquela noite ia abria a porta! Mas quando ficou no escuro ela pensou que podia ser um bicho e decidiu que não ia abrir a porta.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
No outro dia ela novamente resolveu que ia abrir a porta. Ah, queria conhecer aquele moço bonito, alto e louro! Começou a escurecer e ela não sentiu medo nenhum. Até vestiu um vestido novo e ficou esperando.
Toque-toque. Toque-toque. Toque-toque.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
Dona Mariquinha pensou e pensou e decidiu que precisava conhecer aquele moço lindo, alto e louro e de olhos azuis. Só que a cachorrinha sabia que ele não era gente mas um bicho muito feio. Por isso, na noite seguinte:
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
O que fazer? O que fazer? O que fazer? Ah! Na noite seguinte ela amarrou a cachorrinha na cozinha. 
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
A cachorrinha se desamarrou para salvar a sua dona.
Na outra noite ela prendeu a cachorrinha no armário.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
A cachorrinha arrebentou a fechadura e veio para assustá-lo.
Dona Mariquinha já não aguentava mais de vontade. Enfiou a cachorrinha num saco. Amarrou bem amarrado. Enrolou o saco num cobertor. E fechou tudo no armário.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
A cachorrinha tinha gritado bem baixinho.
Ah, dona Mariquinha gostava muito da cachorrinha. Mas não aguentava mais de vontade de conhecer aquele moço lindo, alto, louro e de olhos azuis e longos cabelos encacheados e que com certeza era um príncipe disfarçado. Ela resolveu… acabar com a cachorrinha.
Comprou veneno. Colocou na carne. E a cachorrinha nem desconfiou… Enterrou o corpinho no quintal.
De noite, ficou esperando, enquanto penteava seus cabelos.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
O corpinho da cachorrinha tinha gritado lá da sua cova!
Uh, dona Mariquinha desenterrou a cachorrinha. Armou uma fogueira. Queimou a defuntinha. Ficou esperando…
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
– Au au au se tu cá vier!
Uns pelinhos da cachorrinha tinham voado  e escapulido do fogo e tinham gritado.
No dia seguinte, ela varreu tudo, a casa,  o quintal, e limpou e espanou e nem uma poeira havia sobre os móveis e nem um pelinho havia sobre o chão.
Tomou um banho cheio de perfume!
E penteou os cabelos…
E pintou a boca e as unhas.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
Nada se ouviu.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
Silêncio.
– Dona Mariquinha qui tu rango rango!
Ela se levantou toda faceira e tirou a tranca da porta. Estava  escuro.
Ele entrou devagarinho e não fez barulho. Como a cachorrinha não o espantou, ele comeu a dona Mariquinha.
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