Monteiro Lobato

O POÇO DO VISCONDE

 Capítulos 05 e 06

 

5 – Mais petróleo

         – Onde ficamos ontem? – perguntou no serão seguinte o grande geólogo.

         – Estávamos no esgotamento dos poços – lembrou Pedrinho.

         – Sim. Tudo se acaba neste mundo. Os poços de petróleo, por muito que produzam, em dado momento começam a morrer. Vão dando menos, menos, e por fim têm que ser abandonados; o óleo que sai já não compensa o trabalho de bombear. Mas o fato de os poços secarem não quer dizer que o campo petrolífero esteja extinto. Quer dizer apenas que saiu todo o petróleo que podia sair na vertical. A experiência demonstra que o petróleo vazado pelos poços corresponde de 15 a 35 por cento do que existe armazenado na jazida.

         – Só? – exclamou Pedrinho. – Então a maior parte fica no fundo?

         – Fica. No fundo ficam de 65 a 85 por cento do petróleo existente.

         – E o homem nada faz para conseguir esse petróleo?

         – No começo ninguém cuidava disso. Abriam novos campos petrolíferos, depois de abandonar os velhos. Mas a Alemanha teve idéia de furar galerias como as usadas nas minas de carvão-de-pedra, para arrancar o petróleo que se recusa a sair pelos poços. Durante a Guerra Mundial a escassez do petróleo fez que os alemães recorressem a esse processo na Alsacia – e o caso foi que conseguiram extrair bastante petróleo. Também os argentinos andam querendo empregar o processo de galerias em Comodoro Rivadavia, onde os poços produzem cada vez menos. Só depois de usadas as galerias é que se pode dizer que um campo de petróleo está esgotado.

         – E quanto tempo dura um poço?

         – Varia muito. Cada poço tem a sua duração determinada pela quantidade de petróleo que há embaixo, pela pressão dos gases e pela quantidade extraída. Há poços que produzem durante dias apenas. Outros, durante semanas. Outros, durante meses. Outros, durante anos. Um poço que dura dez anos já é de primeira ordem, embora haja poços até de quarenta anos.

         – E quanto produz um poço, em média? – quis saber Pedrinho.

         – Também varia muito. Uns começam produzindo apenas litros por dia; outros jorram milhares de toneladas por dia. Em 1934 os russos abriram em Lok Batan, perto de Bacu, um que rompeu com mais de 20 mil toneladas por dia! Mas esses poços muito ricos são exceções. Poços que começam com 15 barris diários já recebem grau 10, e poços de 100 barris são excelentes. É só pegar num papel e fazer a conta de quanto rende um simples poço de 100 barris por dia.

         – Rende 3 mil por mês ou 36 mil barris por ano – gritou Narizinho, a campeã do cálculo mental. – E qual o preço do petróleo bruto, como sai do poço?

         – Pode botar aí uns 30 cruzeiros – respondeu o Visconde – e Narizinho imediatamente “cantou”:

         – Um milhão e oitenta mil cruzeiros por ano. Ótimo. Eu com um pocinho assim já virava baronesa do petróleo.

         – Pois se me aparecesse um poço só de 100 barris por dia eu nem ligava – gritou Emília. – Só quero saber de poços de 10 mil para cima. Não me sujo com petrolinhos vagabundos…

         Todos riram-se duma coitada que nunca soube nem como gastar o tostão novo que tinha nos seus guardados.

         – E quanto petróleo se produz hoje no mundo, Visconde? – indagou Pedrinho.

         – Muito. Um colosso. Só os Estados Unidos produzem um bilhão de barris por ano.

         – Um bilhão? Puxa! Mil milhões! Mil pilhas de um milhão de barris cada uma! E tudo isso em consequência do tal pocinho do Coronel Drake…

         – Sim. Foi desse pocinho que brotaram todas essas pilhas de milhões; como será do primeiro pocinho aberto no Brasil que vai brotar o milhão de poços que teremos um dia. Por que não? O Brasil tem o mesmo tamanho dos Estados Unidos. Se ainda está dormindo, um dia há de acordar – e então…

         Emília bateu palmas.

         – Viva! Viva! Vamos acordar o Brasil! Rompemos aqui o primeiro poço e pronto – está acordado o Brasil. Viva! Viva!…

         – O Brasil poderá suceder aos Estados Unidos na produção do petróleo – disse o Visconde, que apesar de simples sabugo, raciocinava melhor que os milhões de rabanetes bípedes que andam por aí negando o petróleo. – Teremos o poço n.° 1 aqui no sítio e o n.° 2 no Riacho Doce, em Alagoas, onde os trabalhos estão muito adiantados. E a seguir teremos lá mesmo mais outros, mais dez, mais cem – quinhentos poços! E a febre do petróleo pegará no Brasil inteiro, que nem gripe, e começarão a aparecer poços por toda parte. Surgirão os de Mato Grosso, tremendos, de dezenas de milhares de barris por dia, como no México. E surgirão os poços de Goiás. E os de São Paulo. E os do Paraná. E os da Bahia. E os do Espírito Santo. E os do Rio Grande do Sul. E os de Minas… Tudo depende da abertura

do primeiro.

         – Coçar e tirar petróleo vai só do começar – sentenciou Emília.

         – Sim. Nos Estados Unidos o Coronel Drake abriu o primeiro poço na Pensilvânia – e os rabanetes de lá disseram que só na Pensilvânia havia petróleo. Mas como novos Drakes furaram em outros pontos, aqueles país está hoje a tirar petróleo nos Estados do Texas, da Califórnia, do Arkansas, do Colorado, de Illinois, de Indiana, de Kansas, do Kentucky, de Montana, de Michigan, de Nova Iorque, do Ohio, de Oklahoma, da Virgínia e do Wyoming. E com a continuação dos trabalhos, ainda acabam descobrindo petróleo em muitos outros Estados. Tudo, por quê? Porque o Coronel Drake teve a coragem de começar.

         – Eu por mim começava a nossa perfuração amanhã mesmo – disse Pedrinho, já aflito por ver o petróleo jorrar.

         – Inda é cedo – respondeu o Visconde. – Por enquanto vocês só sabem um pedacinho do petróleo – têm que aprender muito mais.

         – Que mais?

         – Oh, tanta coisa… Têm de aprender que as reservas do petróleo dos Estados Unidos começam a aproximar-se do fim. O consumo é tremendo. Isso de extrair da terra um bilhão de barris por ano tem limite. Por maiores que as reservas sejam, um dia se acabam – e as reservas americanas estão se acabando. Há lá um Instituto do Petróleo que só trata de estudos petrolíferos. Esse instituto publicou há pouco tempo um cálculo, provando que as reservas americanas conhecidas não passam de 12 bilhões e 177 milhões de barris. Ora, para um país que extrai um bilhão por ano isso quer dizer petróleo para doze anos.

         – Reservas “conhecidas”… – observou Pedrinho.

         – Sim, haverá as desconhecidas, as que ainda serão descobertas – mas serão descobertas? Haverá ainda por lá grandes reservas ignoradas? Ninguém pode responder. O que se sabe é que as “reservas conhecidas” estão no fim – e quando se acabarem, os Estados Unidos terão de comprar petróleo fora, como hoje compram café e borracha. O Brasil, pois, deve ir se preparando para fornecer petróleo para os Estados Unidos, depois de abastecer-se a si próprio.

         – Que colosso!

         – Realmente. No dia em que tal acontecer e o Brasil passar de comprador a vendedor de petróleo, então deixaremos de ver essa coisa tristíssima de hoje – milhões de brasileiros descalços, analfabetos, andrajosos – na miséria. O Brasil tem todos os elementos para tornar-se um país riquíssimo – mas riquíssimo de verdade, e não, como hoje, apenas rico de “possibilidades” – ou de “garganta.”

         – Bravos, Visconde! – exclamou Dona Benta. – Nem parece que é um sabuguinho que está falando.

         – Pudera! – gritou Emília. – Num país onde até os ministros não pensam em petróleo, ou quando falam nele é para negar, só mesmo dando a palavra a um sabugo. Viva o Senhor Visconde do Poço Fundo!

         O sabugo geológico agradeceu as homenagens e continuou. Apesar de brotado de um pé de milho, ele amava a terra que produziu esse pé de milho.

         – Sim, havemos de crescer e aparecer. Havemos de tirar petróleo aos milhões de barris. Havemos de exportar petróleo para todos os países, e de queimá-lo aqui em quantidades tremendas, para matar a nossa maior inimiga, que é a Distância. Abaixo a Distância! Viva o matador da Distância!

         – Viva! Viva! – berraram todos.

         – Visconde – advertiu Narizinho – petróleo é combustível e Vossa Excelência está pegando fogo. Sossegue um pouco e continue com a lição. Diga-me quantos litros de petróleo tem um barril. O Visconde tomou fôlego, serenou o ânimo e respondeu calmamente:

         – Barril é a medida de petróleo que os americanos adotaram desde o começo. Equivale a 42 galões.

         – E quantos litros têm esses galos grandes? – perguntou Emília.

         – Um galão tem 3 litros e 785 centímetros cúbicos. Logo, um barril tem isso multiplicado por 42 – ou sejam 159 litros. Aqui no Brasil precisamos nos acostumar desde já a medir o petróleo decimalmente – aos litros, aos metros cúbicos, como fazem os argentinos. Isso de barril e galão e tantas outras medidas populares dos países que não seguem o sistema métrico decimal, que é, Emília?

         – É besteira! – gritou a boneca.

         Dona Benta advertiu-a.

         – Emília, as professoras e os pedagogos vivem condenando esse seu modo de falar, que tanto estraga os livros do Lobato. Já por vezes tenho pedido a você que seja mais educada na linguagem.

         – Dona Benta, a senhora me perdoe, mas quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita. Nasci torta. Sou uma besteirinha da natureza – ou dessa negra beiçuda que me fez. E, portanto, ou falo como quero ou calo-me. Isso de falar como as professoras mandam, que fique para Narizinho. Pão para mim é pão; besteira é besteira – nem que venha da Inglaterra ou dos Estados Unidos, Cá comigo é ali na batata.

         Dona Benta suspirou. Impossível domar aquela pequena selvagem… – Continue, Visconde – disse ela em tom resignado.

         – O petróleo é muito novo – prosseguiu o geólogo. – Não tem um século de vida, pois praticamente começou em 1859 com o poço do Coronel Drake. Quando o petróleo apareceu em cena, o grande combustível era o carvão-de-pedra. E talvez que quando o petróleo acabe tenhamos de voltar ao carvão-de-pedra, muito mais abundante na natureza. Mas a culpa do petróleo acabar depressa vai caber aos americanos. Tiram petróleo demais; gastam-no demais. Quantos milhões de anos não levou a natureza para fabricar cada bilhão de barris que eles extraem anualmente? Nem tem conta. O petróleo é filho do sol, como também o carvão-de-pedra. O sol é a fonte da vida e, portanto, a fonte da matéria orgânica que gera o petróleo. Logo, o petróleo é sol – são os raios dum sol de milhões de anos atrás que ficaram entesourados no seio da terra. Os homens, esses engenhosos bichinhos, furam o chão e desenterram os raios de sol líquido. E os reduzem a gasolina, a querosene, a óleo combustível, a óleo lubrificante, a parafina, a supergás, a quase 300 produtos diferentes. Até perfumes eles tiram do petróleo bruto. E com esses ingredientes operam-se prodígios – sobretudo em matéria de transportes. Continuamente, pelo mundo inteiro, milhões de baratinhas metálicas, chamadas automóveis, percorrem os caminhos e as ruas em todas as direções. Cada vez mais o céu se enche das gigantescas aves mecânicas, chamadas aviões. Por cima dos mares correm aos milheiros os navios tocados a petróleo. Pelo seio das águas sulcam os submarinos movidos a petróleo. Por toda parte fábricas e mais fábricas rodam sem parar, graças à força do petróleo. O petróleo transformou-se no motor do mundo.

         – Por quê?

         – Porque não passa de energia mecânica sob forma líquida, facilmente transportável para todos os pontos da terra. Que é uma caixa de gasolina? São milhares de calorias enlatadas. Cada litro de petróleo, quando queimado, produz 12 mil calorias – muito mais que o carvão-de-pedra, a lenha e todas as coisas de queimar. Colocado num motor, esse petróleo se transforma em energia mecânica, a serviço de todos os trabalhos do homem – para puxar carros, para mover navios ou aviões, para levantar pesos nos guindastes, para movimentar as mil máquinas das fábricas, para tudo quanto o homem faz com o fogo ou com as pequeninas explosões dos gases. Vale, portanto, muito mais que a força elétrica.

         – Por quê?

         – Por que a força elétrica só é utilizável nas redondezas da usina que a produz; e a força mecânica do petróleo fica presa dentro das latas e pode ser transportada para qualquer ponto do mundo – até aos pólos. E lá é só abrir a lata e pronto – está ali uma forte quantidade de energia a serviço do homem. Como fazer isso com a eletricidade? De nada nos vale aqui no sítio a força elétrica do Niágara, mas no entanto até petróleo de Bacu Dona Benta já tem consumido neste lampião da sala. O raio de ação da eletricidade é de poucos quilômetros; o raio de ação do petróleo não tem limites.

         – Viva o petróleo! – berrou a Emília.

         O Visconde continuou.

         – O grande valor do petróleo é aliar-se ao ferro para aumento da eficiência do homem.

         – Que história de eficiência é essa? – quis saber Narizinho.

         – Muito simples. O homem começou sua vida na terra dispondo só duma força – a força dos seus músculos – como ainda acontece com todos os outros animais. À medida, porém, que foi aprendendo a utilizar-se de outras energias da natureza (como os músculos do cavalo e do boi, as quedas de água, a força do vento, a força do vapor, a força da eletricidade, a força do petróleo), o homem foi aumentando a sua eficiência, isto é, a sua capacidade de fazer coisas. Ajudado apenas dos seus músculos, um homem pode pouco. Para ir daqui até à venda do Elias Turco tem de dar seis mil passos, gastando nisso uma hora – se houver caminho bom. Aumentado com as quatro pernas dum cavalo, já esse mesmo homem faz o percurso em vinte minutos.

         – Isso, na andadura – disse Pedrinho. – No galope eu vou até lá em muito menos. São só três quilômetros.

         – E se em vez de ter a sua eficiência aumentada pelas  quatro pernas do cavalo, você a tiver aumentada pelas quatro rodas dum automóvel? – perguntou o Visconde.

         – Nesse caso vou até lá em três minutos sem chispar muito.

         – E se a sua eficiência for aumentada pelas asas dum avião?

         – Ah, num avião eu chego até o Elias em segundos.

         – Pois aí está o que é eficiência. Graças ao concurso do cavalo, do automóvel ou do avião, o homem, que a pé vai daqui até lá numa hora, passa a ir em vinte minutos, em três minutos ou em segundos. Mas note que é o petróleo o que mais aumenta a eficiência do homem, em matéria de velocidade – o petróleo conjugado ao ferro. O mundo ficou pequeno depois que o petróleo veio mover as máquinas que o homem constrói com o ferro. Por isso vivo dizendo que sem produzir ferro e tirar e queimar petróleo em grandes quantidades, como os Estados Unidos, o Brasil não ganhará impulso – não sairá do buraco da opilação econômica em que se atolou. O brasileiro está com a sua eficiência muito reduzida porque quase que só dispõe da força dos seus músculos, dos do boi e do cavalo. Por toda essa vastidão de território o meio de transporte mais comum é ainda o carro de boi e as tropas de burros. Ora, tudo na vida é transporte, logo, enquanto não aumentarmos a nossa eficiência por meio de máquinas, não resolveremos o nosso problema do transporte rápido e barato; e, pois, permaneceremos um país encarangado.

         – Lá isso é verdade – disse Pedrinho. – Para mandar à cidade o seu café o Coronel Teodorico usa o carro de boi; cada carrada só leva 40 arrobas e gasta um dia inteiro para chegar lá e outro para voltar. Com um caminhão-automóvel ele levaria 200 arrobas em duas horas de viagem…

         – Isso mesmo! Eu, se pudesse, pegava num martelo e embutia na cabeça de todos os brasileiros estas palavras: O ferro é a matéria-prima da máquina, e o petróleo é a matéria-prima da melhor energia que move a máquina. E como só a máquina aumenta a eficiência do homem, o problema do Brasil é um só: produzir ferro e petróleo para com eles ter a máquina que aumentará a eficiência do brasileiro. Tudo mais é bobagem.

         – Mas muitos acham que com uma nova revolução as coisas endireitam – disse Narizinho. – Com uma nova forma de governo…

         – Bobagem. Uma nova forma de governo, seja qual for, não passa duma nova distribuição das coisas existentes. Mas as coisas existentes são escassas demais. Nada adianta tirar o prato de feijão de A para dá-lo a B; pois B, que estava morrendo de fome, enche a barriga, mas A, que estava com a barriga cheia, começa a passar fome. Para o país é indiferente que A ou B seja o condenado a passar fome. O que o país precisa é que nem A nem B passem fome – e o meio, portanto, não é mudar de forma de governo: é aumentar a comida da gamela, de modo que A e B possam encher a barriga. É aumentar a riqueza – coisa que só conseguiremos aumentando a eficiência do homem por meio de ferro, matéria-prima da máquina, e do petróleo, matéria-prima da melhor energia que move a máquina.

         – Pois vamos tirar o petróleo, Visconde! – gritou Pedrinho entusiasmadíssimo. – Pegue numa picareta e me acompanhe.

         O Visconde riu-se.

         – Bobinho! Como quer tirar petróleo, se, ainda nem sabe como se escolhe o ponto onde abrir um poço?

         – Então conte logo isso, que estou ardendo por abrir lá perto da porteira um poço de mil barris por dia.

         – Mil barris!… – exclamou Emília com focinho de pouco caso – e deu uma cuspidinha de desprezo.

         – Vou contar, sim – continuou o Visconde – e esta parte é muito importante. Saber onde se deve abrir um poço é meio caminho andado para tirar petróleo. Se o poço for aberto em lugar mal escolhido, não dá coisa nenhuma – e os petroleiros ficam de cara à banda, a olharem-se uns para os outros, muito desapontados. Um poço, meu caro Pedrinho, custa grande trabalho e bom dinheiro. Saiba disso.

         Pedrinho, que nunca havia pensado na parte financeira do negócio, aborreceu-se. Maçada! A pior coisa da vida é o tal negócio do dinheiro. Tudo custa dinheiro, tudo exige dinheiro – e onde o dinheiro? Dona Benta vivia a cabo curto, sem dinheiro para nada – e as demais pessoas do sítio ainda tinham menos que ela. Pedrinho só possuía dez cruzeiros no cofre. Narizinho, uma nota de cinco. Emília, apenas aquele célebre tostão novo. E o Visconde, apesar de visconde, era o fidalgo mais pobre do mundo. Nunca chegou nem a ver a cara dum vintém furado.

         – Como vai ser? – perguntou Pedrinho voltando-se para Narizinho. – Como iremos abrir o nosso poço, se estamos completamente limpos de capitais?

         – Isso é lá com você que é homem – respondeu a menina. – Dinheiro é assunto masculino – arrume-se.

         Pedrinho começou a pensar – e estaria até agora pensando, se Emília não resolvesse o problema com a maior facilidade.

         – Ora a grande coisa! – disse ela. – Nada mais simples. Aplica-se o “faz-de-conta” e logo aparece tudo quanto precisarmos – sondas, verrumas de perfurar, tubos de encanamentos, tatus perfuradores – e até petróleo! Você bem sabe que não há o que resista ao faz-de-conta…

         Pedrinho suspirou murmurando:

         – É. Só assim…

         E voltando-se para o Visconde:

         – Pois vamos lá, senhor geólogo. Continue.

         – Amanhã – respondeu o sábio. – Lá vem vindo tia Nastácia com as pipocas – essas inimigas das aulas…

         Era verdade. Tia Nastácia vinha entrando com uma peneira de pipocas.

         – Vivam as pipocas geológicas de tia Nastácia! – berrou Emília.

         – Deixe de brincadeiras com os velhos e trate de encher o papo, sua sapeca! – ralhou a negra.

         Estavam da pontinha as pipocas de tia Nastácia, de modo que todos se atiraram à peneira, concordando lá por dentro que se o Visconde era um sábio interessante, tia Nastácia era interessantíssima quando o arrolhava com pipocas.

 

6 – Trabalhos de campo

         No dia seguinte a impaciência de Pedrinho chegou ao auge. Aquilo de ficar uma parte da noite sentado, a ouvir as preleções do Visconde, não era com ele. Queria pôr mãos à obra, abrir logo o poço salvador da pátria.

         – O coitado do Brasil cansado de esperar petróleo e este cacetíssimo Visconde a nos injetar noites e noites de ciência! Não quero mais. Chegou o momento de começarmos o poço.

         – Mas, como, Pedrinho, se ainda quase nada sabemos de geologia? – objetou a menina.

         – Muito bem. Vamos começar o trabalho e o Visconde nos vai ensinando. Lições ao ar livre – fazendo. É fazendo que o homem aprende, não é lendo, nem ouvindo discursos. Eu quero ciência aplicada…

         – Ali na batata! – gritou Emília que vinha entrando. – Também penso como Pedrinho. Quero começar o poço já.

         O Visconde apareceu com a geologia debaixo do braço.

         – Escute, senhor geólogo – disse Pedrinho. – Basta de aulas. Fizemos greve. Queremos começar o poço já, já, está ouvindo?

         O sabuguinho científico arregalou os olhos.

         – Homessa! Como podem pensar em perfuração antes de terem adquirido uma boa base geológica?

         – Do modo mais simples. Damos começo ao trabalho e V. Excelência nos vai ensinando pelo caminho, à proporção que os  problemas aparecerem.

         – Isso mesmo – berrou Emília. – Paz de conta que já sabemos a geologia inteira.

         O Visconde cocou a cabeça; mas como era greve, teve de concordar.

         – Pois seja – disse ele. – Serão aulas ao ar livre. Começaremos com o estudo geológico dos terrenos do pasto.

         – Ótimo! – exclamou Pedrinho – e correu a preparar-se. Voltou de perneiras e chapéu de cortiça – vestuário de engenheiro-geólogo.

         – Pronto! Podemos partir.

         Foram todos. Depois de passada a porteira e de correr os olhos pelo pasto da vaca Mocha, Pedrinho ficou atrapalhado. Só via capins e capões de mato. Que fazer? Quem não sabe é o mesmo que ser cego. Pedrinho geólogo, sentiu-se totalmente cego.

         – E agora, Visconde? Por onde começamos?

         O sabuguinho geológico tossiu e respondeu:

         – Antes de cuidarmos da abertura de um poço, temos de escolher o lugar mais propício. Essa escolha é tudo. Se erramos, babau! Lá se vai tudo quanto Marta fiou. Mas se acertamos, podemos contar com um belo jorro de petróleo. E para escolher o ponto adequado havemos de recorrer à ciência deste livrinho – concluiu ele batendo uma palmada na geologia. – Aqui está tudo.

         – Como se faz praticamente? – inquiriu Pedrinho.

         – Assim. Pede-se a um geólogo que examine o terreno, estude as rochas aflorantes, isto é, as rochas que aparecem em certos pontos da superfície e as relacione com as que aflorem em outras pontos. Isso para ver se estamos em cima dum anticlinal.

         Pedrinho olhou desanimado para a pastaria verde.

         – Mas como estudar rochas com este raio do capim-gordura a esconder a terra inteira?

         – Temos de procurar barrancos, margens de rios, morros com perambeiras ou boçorocas – pontos onde a terra esteja esfuracada e despida de vegetação. Só aí encontraremos rochas a descoberto.

         – Pois vamos a isso, então.

         A um quilômetro dali havia um morro com grande desbarrancado – a “barreira”, como se dizia no sítio. O Visconde levou-os para lá. Diante da barreira, parou e sorriu.

         Os meninos entreolharam-se. Não compreendiam que o Visconde encontrasse matéria para sorriso num barranco feio como todos os mais.

         – Que gosto é esse, Visconde? – perguntou Emília.

         – Ah, o sorriso que tenho nos lábios é um sorriso  geológico – o sorriso de quem sabe, olha, vê e compreende. Este barranco é para mim um livro aberto, uma página da história da terra na qual leio mil coisas interessantíssimas.

         – É um dos barrancos mais lindos que já vi – continuou o sábio. – Observem atentamente estas superposições de camadas. Temos aqui uma série de camadas paralelas. Estão superpostas, isto é, uma em cima da outra, e são constituídas de rochas diferentes.

         – E que tem isso?

         – Tem um colosso de coisas. Tem, em primeiro lugar, que são camadas de rochas sedimentárias, produzidas por depósitos formados no fundo d’água.

         – Fundo d’água? Pois o sítio de vovó já foi fundo d’água?

         – Claro que sim, Pedrinho. Leio isso neste barranco. Temos cá uma camada de pedregulho, ou pedras que se foram fragmentando e rolando no fundo dos rios até ficarem sem  arestas; depois se depositaram em qualquer fundo de água sem correnteza. Mas notem que estes pedregulhos já não estão soltos, como os de fundo de rio. Estão grudados uns aos outros, soldados, cimentados entre si.

         – Com que cimento? – quis saber Narizinho.

         – Evidentemente um cimento calcário – respondeu o Visconde. – Os calcários dissolvem-se na água; mas a cal da água vai se depositando entre as perdrinhas até que as liga, tal qual o pedreiro liga os tijolos com o reboco. E sabem como se chama uma rocha assim, feita de pedaços de rocha cimentados entre si?

         Ninguém sabia.

         – Chama-se um conglomerado – explicou o Visconde. E apontando para a camada que ficava em cima daquela: – E esta rocha aqui também não deixa de ser um conglomerado, apesar de ter o nome de arenito. É composta de areia com os grãozinhos igualmente soldados entre si por um cimento qual quer. Reparem que forma uma rocha um tanto quebradiça.

         Pedrinho havia destacado um fragmento do arenito, que andou de mão em mão.

         – É mesmo – disse Narizinho, quando chegou sua vez de examiná-lo. – Vê-se perfeitamente que é formado de grão de areia.

         – Pois é outra rocha sedimentária – explicou o Visconde – e está na ordem normal em que os sedimentos se depositam. Primeiro, os pedregulho; depois, as areias, que são mais leves; e sobre as areias as argilas, esse pó de rocha mais leve que tudo e que fica boiando na água mais tempo.

         – E esta dura e preta aqui, Visconde? – perguntou a menina tentando quebrar um pedaço de rocha muito irregular que se intrometia pelas camadas.

         – Oh, isso já não é rocha sedimentária – é uma rocha vulcânica. Já expliquei que as rochas vulcânicas são derrames das pedras derretidas pelo calor central, que saem pela boca dos vulcões ou se intrometem pelas rochas sedimentárias.

         – São vômitos então – disse Emília com cara de nojo, cuspindo.

         – Reparem que esta rocha cinzenta e tão dura não está em forma de camada, como as outras. Não é um produto da sedimentação. O que fez foi introduzir-se a muque pelas camadas de rocha sedimentária adentro. Chama-se a isto uma intrusão.

         – Uma intrusa – disse Emília. – Estou vendo. Fez parigato com as outras e quebrou-as espirrando-as para os lados.

         – Sim. Esta intrusão veio debaixo para cima, numa vertical, rompeu as camadas de sedimento, quebrou-as – o que prova que é mais moça, ou que chegou por último.

         – Por quê?

         – Porque só poderia fazer o que fez se encontrasse aqui as camadas sedimentárias já formadas. Nada mais lógico.

         – E a rocha orgânica, Visconde? Haverá por aqui alguma? – quis saber a menina.

         O Visconde correu os olhos pelo barranco.

         – Não há nenhuma. Creio que no sítio só poderemos encontrar rocha orgânica no fundo daquele brejo dos guembés, que seca nos meses de seca. Há de haver lá turfa, que é uma rocha orgânica formada pela transformação de vegetais enterrados.

         Depois de bem vistas e revistas as rochas do barranco, o Visconde levou-os para outro ponto, dizendo:

         – Notem que as camadas, que começavam horizontais, estão agora a subir numa leve inclinação. Ora, como nasceram horizontalmente (porque toda sedimentação é horizontal), se estão subindo foi porque uma pressão de baixo para cima, ou uma compressão dos lados, as fez subir.

         – Um parigato – explicou Emília, e Narizinho quis saber que pressão fora aquela.

         – Não sei – disse o Visconde. – Talvez do tempo em que a crosta da terra começou a resfriar-se e encolher-se. Formou-se aqui uma ruga.

         Caminharam um pouco mais.

         – Notem – ia dizendo o Visconde – que as camadas vão subindo sempre, e sempre paralelas. Quer dizer que quando sofreram a pressão já estavam formadas e arrumadinhas umas sobre as outras.

         Caminharam mais uma dezenas de metros.

         – Olhem que lindo! – exclamou o Visconde, detendo-se. – Há aqui uma belíssima falha.

         – Que é?

         – Prestem atenção. As camadas sofreram neste ponto um desastre sério. Partiram-se e o lado de lá afundou, escorregou para baixo.

         – É mesmo! – gritou Pedrinho. – Ficaram desencontradas. A camada de argila desceu ao nível da camada de pedregulho… Que engraçado…

         – Pois é isto que os geólogos chamam uma falha, fenômeno que tem muita importância, quando se fazem estudos para petróleo.

         Nisto Narizinho, que se adiantara, gritou:

         – Corra, Visconde! Venha ver uma curiosidade. As camadas sofreram aqui uma tal reviravolta que até ficaram de pé

         Emília foi a primeira que chegou lá.

         – Chi! Que catástrofe horrível. Estão depezinhas como paus de lenha no lenheiro de tia Nastácia.

         O Visconde explicou:

         – Este fenômeno é muito frequente. Nas convulsões que a crosta da terra sofreu, as camadas que vêm vindo na horizontal, ou levemente inclinadas, sofrem muitas vezes destas reviravoltas. Mais adiante é possível que de novo apareçam na mesma inclinação com que vinham vindo.

         E assim foi. Cem metros adiante as camadas voltavam a ter a mesma inclinação do começo.

         Terminado o estudo do barranco, o Visconde disse:

         – Muito bem. Temos agora de examinar aquele corte da estrada que vai para a fazenda do Coronel Teodorico.

         – Para quê?

         – Para ver se as camadas de lá têm correspondência com estas. Se tiverem, poderemos tirar algumas deduções interessantes.

         O tal corte da estrada ficava bem longe dali – a uns três quilômetros.

         O Visconde foi explicando pelo caminho:

         – Se as camadas do corte corresponderem às do barranco e

estiverem com a direção mudada, isto é, se se inclinarem para baixo em vez de irem subindo, isso provará que este campo já foi montanha.

         – Montanha, aqui nesta planície, Visconde?

         – Sim. Pode ter sido uma grande montanha que a Erosão destruiu. Lá no barranco vemos que a Erosão continua no seu trabalho de destruir o morro. Cada ano o barranco está maior, e daqui a uns séculos quem passar por aqui já não encontrará mais morro nenhum.

         – As chuvas, as enxurradas levam a terra do morro para o Ribeirão do Caraminguá; o Caraminguá a leva ao Rio Paraíba; e o Paraíba a leva para S. João da Barra, onde a despeja no Oceano Atlântico.

         – Que desaforo! – exclamou Narizinho. – Então a terra deste morro de vovó vai parar em S. João, lá no Estado do Rio? Mas isso é uma ladroeira…

         – A Erosão e os rios mudam a face da terra, transportam as rochas dum ponto para outro sem o menor respeito aos proprietários do solo. Dona Benta que perca o amor a este morro. A maior parte já foi reduzida a areia e carregada para longe; o resto irá também, não tenham disso a menor dúvida.

         Chegaram ao corte da estrada. O rosto do Visconde iluminou-se.

         – Exatamente o que eu esperei! – disse ele ao examinar o corte. – As camadas que estudamos no barranco têm sua continuação aqui. Cá está a camada de arenito, e a de conglomerado, e a de argila, com a única diferença da direção. No barranco as camadas subiam; aqui descem. Isto prova o que imaginei: estamos em cima dum anticlinal já em grande parte destruído pela erosão.

         – Que engraçado! – exclamou Pedrinho. Agora compreendo o riso do Visconde depois que deu para estudar Geologia. Como tudo se esclarece! Como fica interessante! Aquele barranco e este corte nunca me fizeram vir à cabeça a menor idéia. Agora já me falam, dizem coisas, contam pedaços da vida da terra. Que engraçado!…

         – Pois é isso, Pedrinho. Para o geólogo, o chão, os barrancos, as buraqueiras, as perambeiras, as boçorocas, as ravinas, as margens dos rios, os cortes das estradas de ferro, tudo são páginas do livro da natureza, onde ele lê mil coisas que jamais passaram pela cabeça dos ignorantes.

         – Que gostoso é saber, hein, Narizinho?

         – Nem fale, Pedrinho. Cada vez tenho mais dó dos analfabetos.

         – Muito bem – disse o Visconde. – Isto aqui está provado que é um anticlinal. O barranco lá longe e este corte aqui nos permitem verificar a correspondência das camadas e sua inclinação. Mas a Erosão destruiu o alto do anticlinal; só deixou as encostas. O barranco lá e o corte aqui estão nas encostas do anticlinal destruído. Temos agora de nos dar conta de uma coisa: as camadas geológicas são como as capas das cebolas de cabeça. Há sempre uma debaixo da outra, de modo que ainda que não estejamos vendo, podemos, por um esforço de imaginação, figurar as camadas que não foram destruídas pela erosão e continuam bem arrumadinhas debaixo desta terra, até bem no fundo, onde não há mais rochas sedimentárias porque já é o cristalino.

         – Que cristalino é esse?

         – O cristalino é um modo de tratar as rochas ígneas que estão sempre por baixo, servindo de alicerce às camadas sedimentárias. Se fizermos aqui um buraco, iremos indo, indo sempre a furar sedimentos, até chegarmos à rocha ígnea, ou cristalina.

         – Sei – disse Pedrinho. – Até alcançarmos as rochas que ainda hoje estão como eram no começo do mundo, quando a crosta ainda não estava modificada pela erosão.

         – Isso mesmo. O trabalho da erosão é superficial. O fundo ela não toca.

         – Bem feito! – exclamou Emília, que já estava a implicar-se com a grande destruidora.

         – Pois eu queria ver como é uma dessas rochas do fundo, que nunca foram bulidas pela erosão.

         – Muito fácil – respondeu o Visconde. – O granito, que você conhece, é uma delas. Os movimentos da crosta (os movimentos orogênicos, como dizem os sábios), trazem à superfície, em muitos pontos, bocados dessas rochas, que embora atacadas pela erosão ainda se acham em grande parte intactas. As pedreiras donde se extraem os paralelepípedos de calçar ruas são rochas ígneas lá do fundo que subiram até à superfície.

         – Trazidas pelos vulcões?

         – Não. As rochas que os vulcões trazem são muito diferentes do granito. O granito também esteve derretido, mas esfriou no fundo, fora do contacto com o ar – por isso é diferente das rochas vulcânicas.

         – Nesse caso não pode haver petróleo nessas rochas ígneas – observou Pedrinho.

         – De fato não há. Petróleo só aparece nas rochas sedimentárias. Se por acaso alguém encontrar petróleo numa rocha ígnea, é que o petróleo foi para lá, não que tenha nascido lá. O petróleo emigra muito; forma-se num lugar e muda-se para outro.

         – Obra do eterno parigato – observou Emília.

         – Isso mesmo. As pressões subterrâneas fazem que ele, que é líquido, mude de casa quando começam a comprimi-lo demais no ponto em que se formou.

         – E o petróleo é encontrado assim liquidozinho como sai dos poços? – perguntou a menina.

         – Não. O petróleo não existe solto, em lagoas subterrâneas, como muita gente pensa. Existe espalhado entre os vãozinhos das areias ou de outras rochas porosas. Os geólogos dizem camadas portadoras. Uma camada portadora tem que ser porosa, isto é, ter vãozinhos onde o petróleo se acomoda. Se a camada não é porosa, ele não encontra espaço onde alojar-se. Por isso essas camadas de argilas só ajudam o petróleo dum jeito: formando as capas impermeáveis que não o deixam fugir.

         Pedrinho estava pensativo. Por fim falou:

         – Uma coisa anda me preocupando, Visconde – disse ele. – Estou vendo que os tais estudos geológicos só são possíveis quando há muitos barrancos e buracões. E quando não há nada disso? Quando o terreno é todo uma planície imensa, recoberta de vegetação?

         – Bom, aí o geólogo não pode ver nada e portanto não pode tirar conclusões. Tem de “pedir água.”

         – A quem?

         – À Geofísica.

         – Que é isso?

         – Geofísica é a ciência de ver. apalpar, medir as rochas que estão lá no fundo.

         – Ver, como, se estão lá no fundo?

         – Ver é um modo de dizer. Em vez de vez eu devia ter dito adivinhar. A Geofísica consiste na aplicação de uns tantos princípios da Física, por meio dos quais os sábios adivinham o que não podem ver, nem apalpar. Espécie de Raio X do fundo da terra. Os Raios X nos permitem ver alguma coisa através dos corpos opacos. A Geofísica também nos permite estudar uma porção de coisas lá no fundo.

         – Que coisas, por exemplo?

         – Permite-nos, por exemplo, saber até que profundidade vão as camadas de rochas sedimentárias.

         – E tem importância isso?

         – Muita. Se em certo ponto a massa de rochas sedimentárias é muito grande, ou vai até muito fundo, está claro que poderá conter muito mais petróleo do que numa camada menos possante, ou menos espessa.

         – E que mais?

         – Também permite descobrirmos anticlinais e domos de sal.

         – Que é isso?

         – Domos de sal são grandes acúmulos de sal de cozinha que em muitos pontos se erguem e empurram as camadas sedimentárias para cima. Nas encostas desses domos de sal acumula-se quase sempre o petróleo. A Geofísica permite descobrir tais domos e determinar certinho a área que eles ocupam.

         – E que mais?

         – Muita coisa mais, como, por exemplo, determinar as falhas existentes num campo petrolífero. E determinar as intrusões de rochas ígneas. E verificar se os gases de petróleo chegam até à superfície. Muita coisa. A Geofísica é uma ciência de tal modo preciosa para os petroleiros que sem ela eles não dão um passo. Antes de começar um poço mandam fazer o estudo geológico do terreno; depois mandam fazer o estudo geofísico; só então furam. E por isso estão furando hoje com muitíssimo mais acerto do que antigamente.

         – Erravam muito antigamente?

         – Nem fale! Em cada cem poços abertos nos Estados Unidos, parece que só três alcançavam o petróleo. Era o mesmo que dar tiro sem pontaria, ou de olhos fechados. Está claro que às vezes matavam algum passarinho – por acaso…

         – E hoje?

         – Ah, hoje tudo mudou. Só dão tiro com pontaria. O número de poços que os petroleiros perdem reduziu-se enormemente. Os primeiros estudos geofísicos sérios que tivemos no Brasil foram feitos no Riacho Doce, em Alagoas. Há lá um petroleiro chamado Edson, e um governador de Estado, de nome Osman, que até merecem estátuas de ouro! Graças a eles, o Brasil começou a estudar petróleo a sério, cientificamente, com vontade de achar – e vocês vão ver que em conseqüência disso o primeiro poço de petróleo do Brasil vai ser em Alagoas.

         – Protesto! – berrou Emília. – O nosso tem que ganhar a corrida – tem que chegar na frente.

         O Visconde ia responder quando soou o berro de tia Nastácia lá longe:

         – A comida tá na mesa, cambada! Tem lambari frito…

         Na voz de lambari frito, os meninos esqueceram a Geologia e botaram-se para casa, na volada. Só ficou por ali, pensativo, de mãozinha no queixo, o grande sabugo geológico.

         – Hum! hum! – monologou ele depois de muito matutar. – Macacos me lambam se aqui não há petróleo…

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