Monteiro Lobato

O POÇO DO VISCONDE

 Capítulos 07 e 08

  

7 – Depois do almoço

         Comidos os lambaris do almoço, a meninada voltou correndo ao campo, interessadíssima na continuação do estudo geológico.

         – Mas quais são as condições que devemos descobrir nestes terrenos para termos a certeza de que podem conter petróleo? – foi perguntando Pedrinho.

         – Várias – respondeu o Visconde. – Temos, primeiro, de verificar se são sedimentárias as rochas…

         – Isso já vimos que são.

         – …e se têm possança. E se há camadas porosas, capazes de armazenar o petróleo. E se há camadas impermeáveis entalando essas camadas porosas. E se não há muita intrusão de rochas eruptivas, porque estas pestes, quando se introduzem numa camada portadora de petróleo, é para escangalhar tudo, destruir tudo com o seu calor brutal. E se há anticlinais bem formados onde o petróleo se acumule. E se há pela superfície algum sinal qualquer de petróleo, como xisto ou arenito betuminoso. E qual a idade do terreno…

         – Idade do terreno? – repetiu Narizinho. – Esse ponto não foi estudado.

         – Os geólogos dividem os terrenos em várias idades ou períodos. E como o petróleo quase sempre aparece em certos terrenos, tem muita importância conhecer a idade das rochas dum campo petrolífero.

         – Reduza isso a troco miúdo, Visconde, que não estou entendendo muito bem – reclamou Emília.

         – Vou explicar – assentiu o Visconde. – Bem lá no fundo há as massas de rochas eruptivas sobre que se assentam as camadas de rocha sedimentária. São rochas duras, cristalinas, que vão amolecendo até se confundirem com a massa derretida do centro. A crosta solidificada da terra é coisinha mínima comparada com o volume da terra inteira. Corresponde a menos que uma casca de laranja, para a laranja.

         – Então se descascarmos a terra ela fica novamente uma bola de fogo?

         – Sim. Se arrancarmos a crosta da terra, o nosso planetinha volta a ser a bola de fogo, o solzinho que já foi no tempo em que começou a regirar pelo espaço.  Os olhos de Emília brilharam. Lembrou-se da viagem ao céu e de todas as coisas prodigiosas que se deram ali no sítio e viu no descascamento da terra uma aventura nova, nunca sonhada nem pelos loucos mais varridos.

         – Que estupendo, Narizinho! – exclamou ela arregalando os olhos brilhantes, – Está aqui uma aventura bem digna de nós: descascarmos a terra, como quem descasca uma laranja mexeriqueira!…

         – Lá vem, lá vem! – disse a menina. – Eu já andava admirada do tempo que você passou sem abrir a torneirinha…

         Emília pôs-lhe a língua e o Visconde continuou:

         – Estava eu dizendo que a grossura da casca da terra é mínima. As perfurações que o homem faz para petróleo parecem-nos muito profundas porque somos uns microbinhos de duas pernas. São profundas para nós. Para a terra, correspondem a simples picadas de alfinete.

         – Então um poço de 1.000 metros é uma simples picada de alfinete?

         – Claro que sim. Basta fazer o cálculo. Que diâmetro tem a terra?

         Narizinho, que sabia de cor, “cantou” logo:

         – De pólo a pólo, a terra mede 12.640 quilômetros de diâmetro.

         – Muito bem. Logo, um poço de 1.000 metros, ou 1 quilômetro, representa apenas 1/12.640 do diâmetro da terra. Se eu tivesse aqui o quadro-negro, desenharia a terra e esse poço, ambos na mesma escala, para vocês verem que um buraco de 1.000 metros não passa de picadinha de ponta de alfinete. E que é a própria casca da terra senão uma película? Já vimos que o calor central aumenta de um grau cada 25 metros. Isso quer dizer que a 100 quilômetros de profundidade temos a temperatura de 4.000 graus, mais que suficiente para manter todas as rochas no tal estado de fusão que nem olhar a gente pode, porque cega. Mas se procurarmos relacionar esses 100 quilômetros da casca com o diâmetro da terra, acharemos a fração 1/126, apenas…

         A pouca distância dali havia uma laranjeira carregada. Pedrinho foi escolher uma das laranjas mais taludas para verificar a proporção entre a casca e o diâmetro. Fez suas medições e disse:

         – Esta laranja tem 126 milímetros de diâmetro, e a casca tem três milímetros de espessura; logo, esta casca representa para esta laranja muito mais do que a crosta da terra representa para a terra. Para a casca da laranja estar na mesma proporção da crosta da terra, devia ter só um milímetro de espessura.

         – Puxa! Que “finura”‘ – exclamou Narizinho. – A crosta da terra então deve corresponder a uma casca de pêssego…

         – Exatamente – concordou o Visconde. – A relação entre a crosta da terra e o diâmetro da terra deve ser a mesma que entre uma película de pêssego e o diâmetro do pêssego.

         Desde aquele momento Emília passou a caminhar muito ao de leve, na pontinha dos pés – de medo que seu peso-pluma rasgasse nalgum ponto a película de pêssego que chamamos crosta da terra…

         – Com essas cascas todas estamos mas é esquecendo o petróleo – advertiu Pedrinho. – Volte ao assunto, Visconde.

         O Visconde voltou.

         – Sim. Estávamos falando sobre a idade das rochas. As primeiras camadas de rocha sedimentária que lá no fundo repousam sobre as rochas cristalinas, pertencem à Era Azóica. Azóica quer dizer sem vida. Picam lá os terrenos arqueanos, ou antiquíssimos, onde nunca há petróleo, nem nenhum sinal de fósseis, já que naquele tempo ainda não existia vida.

         – E em cima dos terrenos arqueanos?

         – Em cima dos terrenos arqueanos vêm as camadas da Era Paleozóica, ou Primária, onde aparecem os primeiros fósseis de algas marinhas e as primeiras conchas, isso bem embaixo; mais para cima começam a aparecer outros fósseis, como os dos fetos, e grande abundância de cascas de moluscos. E ainda mais para cima surgem os fósseis dos primeiros sáurios e dos vegetais que formam as mais velhas hulhas.

         – E depois?

         – Depois temos a Era Mesosóica, ou Secundária, cujos terrenos se compõem de argilas, piçarras, calcários de conchas. Surgem fósseis de plantas já bastante adiantadas, como as coníferas, as cicadácias, os grandes fetos arbóreos; e também fósseis de sapos gigantescos, sáurios enormes, plesiossauros, ictiossauros, lagartões voadores, toda essa bicharada que até parece pesadelo, quando a vemos reconstruída nas salas dos museus paleontológicos. São as camadas mais românticas da crosta da terra. A vida naquele tempo era muito mais violenta que hoje, de modo que o Mesozóico parece um verdadeiro romance de monstruosidade.

         – Que pena não termos nascido nessa época! – suspirou Emília. – O mundo está hoje uma vergonha em matéria de bichos, sobretudo aqui no Brasil. Umas paquinhas, umas capivaras e umas tais onças aí pelos fundões, que a gente nunca vê. Só se salva a África, com uma bicharia ainda bem bonita – girafas, rinocerontes, hipopótamos, leões…

         Mas o Visconde não concordou:

         – Se vivêssemos naquela época, Emília, teríamos uma vidinha bem curta. Bastava que passasse por nós um simples mesossauro, com a sua cabeça de metro e meio de comprimento. Lambia-nos a todos como boi de carro lambe os capins da beira da estrada…

         – Que prosa, esta Emília! – murmurou Narizinho. – Queria ter nascido naquele tempo dos bichões absurdos, justamente ela que nem tem corpo para encher a cova do dente dum deles…

         – E depois desse período truculento? – perguntou Pedrinho.

         – Depois do Secundário temos a Era Cenozóica, ou Terciária, onde também aparecem muitos fósseis de animalões que já não existem, como os mastodontes, os dinotérios, os mamutes. Mas tanto a flora como a fauna desse período já começam a dar idéia das de hoje. E, finalmente, temos a Era Quaternária, que é a mais moderna, a nossa. Neste período os fósseis encontrados são dos mesmos animais e das mesmas plantas que conhecemos. Já não aparecem os colossais bicharocos do período anterior. Foi quando apareceu na terra o bicho-homem.

         Emília, que não se consolava – murmurou suspirando: – “Que azar eu ter nascido agora! Meu temperamento é secundário…”

         – E qual o melhor período para petróleo? – quis saber Pedrinho.

         – Ah, é o Terciário. Os melhores campos petrolíferos do mundo são em terrenos dessa época.

         Até ali tudo correra muito bem, porque eram coisas que estavam nos livros. Mas quando tiveram de ver no chão se realmente existiam todas as condições favoráveis para a existência do petróleo, o sabuguinho científico começou a mostrar exigências excessivas.         Pedrinho danou. Viu logo que naquele andar passariam pelo menos um ano em estudos teóricos antes de darem começo ao poço – e como era o poço o que mais interessava, convidou Narizinho e Emília para outra greve.

         – Sim – disse ele – porque nesta toadinha do Visconde ficamos toda a vida a estudar coisas dos livros e nada de perfuração. Nosso Visconde é livresco demais. Temos que declarar greve. Topam?

         – Topamos – concordaram as duas, também já cansadas de ciência teórica.

         Pedrinho voltou-se para o sábio e disse:

         – Feche o livro, Visconde. Resolvemos dar começo ao poço já, já, já.

         O Visconde fez cara feia.

         – Mas como pode haver poço sem ciência, menino? Que bobagem é essa?

         – Bobagem ou não, queremos começar o poço imediatamente. Está decidido por maioria de votos – três contra um.

         – Mas se nem acabamos de fazer o estudo geológico do terreno! Depois dele ainda temos de fazer o estudo geofísico, homessa!

         – Faz de conta que já estão feitos – berrou Emília. – Faz de conta que foram feitos por uns sábios da Alemanha que mandamos vir, não acha, Pedrinho ?

         – Claro que sim. Os tais estudos geofísicos tanto estão feitos que tenho aqui os mapas – disse Pedrinho fingindo abrir no chão um enorme rolo de papel de desenho. Venham ver.

         Todos se curvaram em redor do mapa de mentira.

         – Aqui está tudo explicadinho – disse ele, – Os sábios alemães marcaram neste ponto um anticlinal magnífico, sem falha nenhuma, entupido de petróleo lá embaixo. Temos agora de localizar o anticlinal do terreno. Olhem: começa na porteira do pasto e vai até lá no corte da estrada que estivemos estudando. Melhor fincarmos na terra várias estacas para que fique tudo bem marcadinho e não haja enganos depois. Se furarmos bem no alto do anticlinal, sai gás, segundo as teorias do Visconde; se furarmos nas encostas, sai petróleo; e se furarmos muito embaixo, no pé das encostas, sai água salgada. Vê como eu sei? Vamos agora estaquear o terreno.

         Pedrinho sacou do facão de mato que trazia à cintura e cortou umas vinte estacas.

         – Venha atrás de mim com o feixe, Narizinho, e vá me dando uma por uma.

         A menina obedeceu. Sobraçou o feixe de estacas e as foi dando a Pedrinho, que as fincava em terra depois de fazer ponta com o facão. Num instante o anticlinal que os alemães haviam marcado no mapa ficou todo estaqueadinho no terreno.

         – Pronto! – exclamou o “engenheiro” enxugando o suor da testa. – Essas estacas maiores marcam o topo do anticlinal, os pontos onde há gás. Aquelas ali marcam as meias encostas, boas para perfurar. Que acha, Visconde, da minha marcação?

         O sabugo geológico respondeu, depois de alisar as palhinhas do pescoço, que não havia nenhuma objeção a fazer.

         – Então, pronto! – gritou Pedrinho. – Hurra! Hurra! O principal está feito: marcar cientificamente o lugar exato onde abrir a perfuração. O resto é canja.

         Mas apesar de ser canja, Pedrinho engasgou. Não sabia o que fazer depois da marcação do ponto certo. Teve de recorrer ao Visconde.

         – Vamos lá, Visconde, conte como é o resto.

         O Visconde explicou que o resto era furar, sendo para isso

indispensável adquirir uma boa sonda de perfuração e todas as máquinas e coisas acessórias.

         – Em que consiste a sonda?

         – Num complicado aparelho perfurador, com uma torre de uns trinta metros de altura e um motor a vapor ou a óleo que mova o aparelho. E oficina mecânica para consertos, etc. Antes, porém, acho que você deve providenciar a água e o combustível para a caldeira – e também as casas para acomodação das máquinas e operários.

         – Água – resolveu Pedrinho – eu puxo num encanamento lá do Córrego do Caraminguá; e para combustível temos de tirar lenha no Capoeirão dos Tucanos. Quanto de lenha é preciso?

         – Quanto mais melhor – respondeu o Visconde. – É bom termos sempre uma boa reserva – aí uns 500 metros cúbicos. A caldeira vai consumir de vinte a trinta metros por dia.

         Pedrinho deu ordem à boneca para que cuidasse da lenha. Emília aplicou o faz-de-conta, e num momento dez carros de boi começaram um vaivém contínuo do capoeirão até ali. Serviço rápido como o relâmpago.

         – Pronto, Pedrinho! Empilhei lenha até demais – 523 metros cúbicos segundo a nota que meus carreiros apresentaram – disse ela dando a Pedrinho um papel com garranchos.

         – Bom. Água e lenha já temos – disse ele. – Agora é preciso que você, Narizinho, se encarregue das casas e do barracão para as máquinas.

         A menina também aplicou o faz-de-conta, de modo que num instante surgiu da terra um excelente barracão de madeira, com telhado de zinco, para as máquinas; e a cem metros dali uma série de casas para operários, muito bonitas e higiênicas, tão bonitas que Pedrinho achou demais.

         – Demais, não! – protestou ela. – Quanto melhor acomodarmos nossos homens, melhor eles trabalham. Não concordo com o sistema de tratar os operários como se fossem pedras insensíveis. As casinhas têm tudo dentro – até geladeira e rádio…

         – E esta casa aqui? – perguntou Pedrinho, vendo uma distanciada da vila operária.

         – Pois aqui é o escritório – o seu escritório, Pedrinho, já que é você o Superintendente do campo. E aquela mais pimpona, acolá, é o bangalô do perfurador que temos de mandar vir do estrangeiro.

         – Muito bem – disse Pedrinho tomando conta do escritório. – Vou fazer o pedido das máquinas necessárias. Temos de comprá-las na América do Norte, porque no Brasil não há disso.

         Abriu vários catálogos em inglês e pôs-se a folheá-los. Eram gravuras e mais gravuras de máquinas e mais máquinas, numa procissão sem fim.

         Um catálogo enorme, aí como um dicionário dos gordos. Pedrinho tonteou no meio de tantas máquinas e peças que ele não entendia. Teve de recorrer aos conhecimentos do Visconde.

         – Estou tonto, Visconde. Há aqui uma ferramentalhada que não tem fim. Será preciso encomendar este catálogo inteiro?

         O Visconde fez uma pequena preleção sobre sondas.

         – Há sondas de dois tipos – disse ele. – Umas perfuram por meio da batagem. A terra vai sendo martelada por uma enorme e pesadíssima talhadeira chamada trépano, e as pancadas vão desagregando as rochas, esfarelando-as.

         – E para tirar do buraco a rocha já esfarelada? – perguntou Pedrinho.

         – Há dois sistemas. Um é, depois de martelar por certo tempo, retirar do poço o trépano para, com uma caçamba própria, extrair todo o material escavado. Outro sistema é injetar água dentro do poço por meio duma bomba fortíssima. A água lá do fundo faz lama com o material escavado, lama que sobe e sai pela boca do poço. A água limpa entra com forte pressão por dentro das hastes do trépano e a lama sai por fora das hastes. Este processo é mais aperfeiçoado que o da caçamba.

         – Se é o mais aperfeiçoado, quero esse. Aqui tudo há de ser a última palavra da técnica. E o outro tipo de sonda?

         – O outro é o tipo rotativo, o mesmo sistema dos trados de furar madeiras grossas. Em vez de trépano que desagregue as rochas à custa de tanto martelar, há na extremidade da haste uma broca que gira sobre si mesma e vai roendo, desgastando as rochas. Este sistema tem a vantagem de andar mais depressa que o outro.

         – Pois então fica adotado o sistema rotativo – resolveu Pedrinho.

         – Espere, Senhor Superintendente! – gritou o Visconde. – O sistema rotativo não há dúvida que é ótimo, mas depende do terreno. Em terrenos próprios dá para furar 50 ou 60 metros por dia. Mas se há camadas de certas rochas muito duras, ou certos conglomerados, ele falha – não rende nada ou rende muito menos que a batagem.

         – Então que fazer aqui no sítio, se não sabemos que camadas vamos encontrar? – perguntou Pedrinho atrapalhado.

         – Minha opinião – respondeu o Visconde – é que venha uma sonda mista, de batagem e rotação ao mesmo tempo. Quando as camadas permitirem o emprego das brocas rotativas, furaremos com elas; quando não permitirem, furaremos com os trépanos.

         – Ótima solução, Visconde! – disse Pedrinho. -Encomendarei uma sonda mista, está resolvido. E que mais é necessário?

         – A caldeira, o motor, os tubos…

         – Que tubos?

         – Os tubos de aço para revestimento da perfuração. Não é só ir furando, não, Senhor Superintendente! O furo tem que ser revestido de canos de aço.

         – Que maçada! Por que isso?

         – Por vários motivos – evitar desmoronamentos, fechar as águas…

         – Que águas, sabugo de Deus?

         – Quando a gente perfura, encontra pelo caminho lençóis subterrâneos de água doce, que se formam com a infiltração das chuvas. Essas águas têm de ser fechadas por meio dos tais tubos, senão – sabe o que acontece?

         – ?

         – Acontece o seguinte: logo que o furo toca num lençol de petróleo, a água, que está saindo sempre, desce e mete-se pelo lençol de petróleo adentro, e empurra o petróleo para longe dali. As águas são eternas, não param de correr por causa da infiltração das chuvas, que é constante. Mas o coitado do petróleo não tem chuva de óleo que o abasteça, de modo que cede diante da água – e vai indo, vai indo, vai se afastando do campo petrolífero… Por isso os petroleiros dizem que a água é a maior inimiga do petróleo.

         – Bem, já sei – disse Pedrinho. – A entubação é para  fechar as águas. E que mais?

         – Ferramentas miúdas e mil coisas. É indispensável uma boa oficina mecânica para reparos dos maquinismos. O melhor é você encomendar uma sonda mista completa, com capacidade aí para uns 1.500 metros. E que venham os tubos de revestimento necessários.

         Pedrinho foi à máquina de escrever redigir a carta de encomenda.

         – Por carta, Pedrinho? – reclamou Emília. – Leva muito tempo, rapaz! Peça logo por telegrama urgente e exija que a ferralhada esteja aqui amanhã bem cedo.

         – Absurdo, Emília, não dá tempo.

         – Dá sim – insistiu ela. – Eles que se utilizem do meu poderoso “Faz-de-Conta número 7”, o maior avião de carga do mundo. Dessa maneira teremos tudo aqui amanhã antes do almoço.

         Pedrinho compreendeu que realmente não havia outro jeito e redigiu o telegrama.

         Restava calcular o preço da encomenda e mandar os dólares.

         – Venha fazer a conta, Narizinho, você que é a matemática.

         Narizinho calculou pelos preços do catálogo a importância total do pedido.

         – Anda em 105.742 dólares – disse ela mostrando a conta.

         E agora? Onde o dinheiro para a remessa? Só mesmo a Emília.

         Pedrinho chamou Emília.

         – Olhe, Emilinha, encarregue-se você desta parte financeira. Dê um jeito de o dinheiro ser entregue hoje mesmo à firma McGowen & Tuttle, de Nova Iorque. Veja um bom banco para fazer a remessa.

         – Banco? Não me fio em bancos, Pedrinho. Vou fazer o dinheiro chuviscar em cima da cabeça de Mister McGowen. Quer ver? E voltando-se para o céu, gritou:

         – Nuvenzinhas, nuvenzonas, que cochilando passais pelo azul! Correi até à casa de Mister Mc… Mc o quê, Pedrinho?

         – McGowen – gritou o menino do fundo do escritório.

         – … de Mister McGowen e despejai-lhe na cabeça uma chuva de 105.742 pingos doláricos – por conta da Companhia Donabentense de Petróleo.

         Disse e foi ter com o Visconde.

         – Pronto! Mister McGowen vai ficar tonto com a nossa chuvinha de ouro. As nuvens, mal me ouviram, botaram-se a galope. Já devem estar chegando.

         – E agora? – perguntou Narizinho.

         O Visconde estava exausto.

         – Agora? – disse ele deitando-se no chão. – Agora um descansinho. Uf! Como trabalhamos hoje!…

         E limpou na manga o suorzinho da testa.

 

8 – Montagens

         Durante o jantar Dona Benta perguntou a Narizinho que é que os havia conservado fora de casa o dia inteiro.

         – Ah, vovó não sabe! É o poço …

         – Que poço?

         – O poço de petróleo que vai salvar o Brasil – o primeiro poço, com uma produção de mil barris por dia.

         – Dez mil! – protestou Emília. – Não faço por menos.

         – Ou isso. Já completamos os estudos geológicos e geofísicos; já estaqueamos o terreno; já construímos as casas dos operários, o barracão das máquinas, o escritório e o bangalô de Mister Kalamazoo, o perfurador que mandamos vir da América. Também já encomendamos a maquinaria toda, a sonda, os tubos de revestimento. Um dinheirão, vovó! Mais de cem mil dólares.

         Dona Benta, que começara a trinchar uma galinha assada sorriu. Andava tão afeita àquelas maluquices de seus netos…

         – Mas esse Mister Kalamazoo fala português?

         – Não; só inglês. É americaníssimo.

         – E como se entenderá com vocês? – indagou ela, pondo no prato de Narizinho um pedaço de peito.

         – Com intérprete. Quindim será o intérprete. Como ele é natural do Uganda, uma possessão inglesa da África, sabe inglês na ponta da língua.

         – Na ponta do chifre! – emendou Emília.

         – E que nome vai ter o poço? Porque todos os poços têm nomes, ou números.

         Os meninos, que ainda não haviam pensado naquilo, entreolharam-se; e Emília, a sapeca dadeira de nomes às coisas, mais uma vez impôs o seu capricho.

         – Vai chamar-se o Caraminguá n.° 1 – improvisou ela – em homenagem ao nosso ribeirãozinho. Os outros terão outros nomes, porque a Donabentense vai abrir pelo menos cinqüenta poços naquele anticlinal.

         – Que Donabentense é essa?

         – O nome da companhia, vovó – respondeu Narizinho. – Antes que pensássemos no assunto, Emília já veio com esse nome, que ficou. Companhia Donabentense de Petróleo em homenagem à senhora…

         – Muito bem – disse Dona Benta, pondo no prato de Pedrinho uma coxa. – Vejo que Emília está começando a me adular – prova de que anda querendo qualquer coisa. Prego sem estopa você não prega, não é, Emília?

         A boneca fez focinho de lebre.

         Durante o jantar inteiro só se falou na perfuração. Iam extrair do poço milhares de barris de óleo, montar uma refinaria, inundar o Brasil de gasolina, querosene, óleo lubrificante, óleo combustível, supergás e dezenas de outros produtos do petróleo. Dinheiro ganhariam tanto, que a dificuldade seria saber o que fazer dele. Pedrinho só pensava numa coisa: viajar, conhecer mundo.

         – Por que, vovó, como posso saber de que modo empregar meus capitais, se nada conheço do mundo? Tenho de, primeiramente, estudar o mundo para verificar o que o mundo mais precisa, não acha?

         – Muito bem pensado – concordou Dona Benta. – E você, Narizinho? Que vai fazer do dinheiro?

         – Meu sonho é construir hospitais, escolas, creches, bibliotecas, coisas de utilidade geral. Há tanta pobreza e desgraça na terra…

         – Quer dizer que será uma rockefellerzinha. O velho Rockeffeller, depois de ter ganho montões e montões de ouro, ficou sem saber o que fazer daquilo. E fundou o Instituto Rockefeller, cuja função é gastar seusmilhões em coisas de benefício universal. Esse instituto beneficia todos os países, inclusive o nosso. A grandiosa Escola de Medicina de S. Paulo, lá defronte ao Cemitério do Araçá, foi presente dele. Não há país do mundo, seja a França ou a China, onde o Rei do Petróleo não despeje benefícios. E você, Visconde?

         Como todos os verdadeiros sábios, o Visconde não entendia nada de dinheiro – e engasgou com a pergunta. Emília tomou a palavra.

         – Vai comprar uma cartolinha nova e um remédio para o bolor – disse ela. – E eu…

         – Ah, você! – exclamou Dona Benta. – Imagino o que não será – quanta maluquice! Vamos, diga. Que vai fazer do dinheiro?

         – Botá-lo a juros para ir juntando sempre mais, mais, mais…

         Aquela resposta espantou a todos. Emília sempre fora uma ciganinha, mas ninguém jamais supôs que também fosse usurária.

         – A que juros? – perguntou Dona Benta, por curiosidade.

         – O mais alto possível – 10% ao mês, se não puder ser a 12…

         – Explique-se, Emília. Não estou entendendo bem.

         – Minha idéia é esta. A verdadeira vocação dos homens é escravizarem-se ao dinheiro. Assim que uma pessoa sacode no ar um pacote de notas, gritando: – “Quem quer? Quem quer?” imediatamente aparecem mil mãos estendidas, dizendo: – “Eu quero! Eu quero!” E o dono das notas distribui o dinheiro mas prende aquelas mãos com algemas de aço – os juros. Os homens, donos dessas mãos, tornam-se escravos do dador do dinheiro; passam a viver para ele, a trabalhar para ele, a só pensar nele, porque o juro é uma coisa que cresce sempre, dia e noite, faça sol ou faça chuva, seja Domingo de Ramos ou terça-feira de carnaval. Essas criaturas ficam escravas pelo resto da vida – por gosto, por vontade própria, só porque alguém lhes mostrou dinheiro e elas não resistiram à tentação de pegá-lo. Todo mundo faz dívidas – as gentes, as empresas, os municípios, os estados, as nações, os impérios. E todo mundo anda pedindo dinheiro emprestado, isto é, estendendo as mãos para que os donos do dinheiro as algemem. E se acontece que um desses escravos pague a dívida, a tentação é de fazer outra – e faz, e escraviza-se novamente. Saudades da escravidão!… Ora, isso quer dizer que a vocação, o gosto supremo dos homens é tornarem-se escravos do dinheiro. Muito que bem: pois se é assim, quando eu ficar milionária vou dar aos homens o gosto imenso de se escravizarem ao meu dinheiro, bem algemadinho com juros de 10 ou 12% ao mês. Tia Nastácia não diz sempre que o que é de gosto regala a vida?

         – Já se viu que malvada? – murmurou Dona Benta.

         – Prosa dela, vovó – disse Narizinho. – Emília, quando tiver dinheiro, o que vai fazer é associar-se ao Visconde para entupir os sertões do Brasil com feras trazidas da África. Já pilhei uma conversa dela nesse sentido. Emília confessou que seu temperamento era “feroz” e “secundário” – isto é, amigo das feras monstruosas que enchiam o mundo no Período Secundário. Como já não há disso, pretende encher o Brasil de feras africanas – leões, hipopótamos, rinocerontes, girafas, zebras, etc. Eu sei, eu sei…

         O assunto continuou naquele tom até a sobremesa – um gordo mamão mandado pelo Coronel Teodorico. Comido o mamão, saíram na disparada a fim de receberem Mister Kalamazoo, que fora chamado por telegrama e vinha num dos aviões-relâmpagos da Emília.

         Não tardou que o ar zumbisse e um ponto móvel aparecesse no azul.

         – É ele! – gritaram todos.

         E era de fato Mister Kalamazoo. O avião pousou no pasto e de dentro saiu um americano enorme, corado, de sapatões grossos, a mascar chiclete.

         Os meninos correram-lhe ao encontro.

         – How do you do, Mister Kalamazoo? – disse Pedrinho – e

engasgou. Todo o seu inglês era aquilo. E como Narizinho ainda sabia menos e o Visconde nem um yes, tiveram de recorrer ao Quindim.

         – Traga depressa o intérprete, Emília! – ordenou Pedrinho.

         Enquanto o americano retirava do avião suas bagagens, Emília foi e veio com o rinoceronte.

         O susto de Mister Kalamazoo valeu a pena, mas afinal acomodou-se e teve com Quindim uma grande prosa em inglês, da qual os meninos só pescavam, aqui e ali, um “yes” e um “no”. Depois que o americano se recolheu ao seu bangalô para descansar da viagem, Pedrinho correu a ouvir as impressões do intérprete.

         – Que tal o nosso perfurador, Quindim?

         O rinoceronte torceu o focinho.

         – Inda não sei – disse ele. – Conversamos longamente sobre perfurações e vários assuntos de petróleo, mas não sei…

         – Que é que não sabe?

         – Não sei se este homem merece confiança. Pode ser um agente dos tais trustes que não querem que o Brasil tenha petróleo; pode ser um perfurador subornado, que venha sabotar o nosso poço…

         Os meninos ficaram apreensivos. Muito sério o perigo, na realidade. No negócio do petróleo dão-se traições tremendas, sabotagens, incêndios, mortes trágicas…

         – Mas acha-o com cara de sabotador de poço? – insistiu Pedrinho.

         – Os sabotadores não trazem nenhum S na testa – respondeu Quindim. – Apenas estou avisando. Sinto um cheiro de sabotagem no ar…

         – Como fazer, então? Nosso contrato com esse homem já está assinado…

         Quindim refletiu uns instantes.

         – O jeito que acho é o seguinte: eu monto guarda ao poço dia e noite. De medo do meu chifre, pode ser que ele engula qualquer sabotagem que tenha na intenção.

         – Ótimo! – gritou Pedrinho. – E também fica de guarda o Visconde, que é entendidíssimo em perfurações. Se o Visconde perceber qualquer coisa, qualquer manobra suspeita, pisca para você – e você avança de chifre apontado, como fez com os detetives na caçada da onça. Entendido?

         A coisa ficou arrumada assim. Mister Kalamazoo seria o perfurador, mas com quatro olhos permanentes em cima dele – os dois do rinoceronte e os dois do Visconde.

         – Ótimo, ótimo – continuou Pedrinho. – E o americano de nada desconfiará, porque a presença dum intérprete na sonda se justifica. Quanto ao Visconde, que é apenas um sabugo, ele não causa desconfiança a ninguém que não seja vaca. Só vaca desconfia de sabugo de cartolinha…

         Na manhã seguinte chegaram os aviões emilianos com todas as peças da sonda. Que ferralhada infinita, Santo Deus! Peças e mais peças, tubos e mais tubos, caixas e mais caixas disto e daquilo. Parecia incrível que para abrir um buraco de dois palmos de diâmetro fosse preciso tanta coisa.

         E veio também a turma de operários especialistas contratada por Mister Kalamazoo, gente de várias nacionalidades – um rumaico, dois alemães, dois argentinos. Os petroleiros só arranjam bons especialistas nos países que já têm exploração de petróleo.

         Além da turma de perfuradores havia um ferreiro, dois mecânicos, um foguista e dois ajudantes, “paus para toda obra”. E também um geólogo-químico para fazer análises de materiais, classificar fósseis, etc.

         Começou a montagem da sonda. Foram construídos quatro alicerces para os quatro pés da torre – alicerces de tijolos bem cimentados. E a torre de ferro foi sendo articulada peça por peça, andar por andar, até o último, que era o décimo, a 33 metros de altura. Assim que a armação ficou pronta, os meninos subiram pela escadinha até o alto, para gozar o panorama.

         – Que lindo é o sítio de vovó olhado daqui! – exclamou a menina. – Lá está o Caraminguá fazendo voltas e mais voltas, com aquela preguiça dele. E lá está a estrada com a vendinha do Elias Turco…

         – Até da fazenda do Coronel Teodorico a gente vê um pedaço, o terreiro, os chiqueiros, o pomar, o mastro de Santo Antônio – ajuntou Pedrinho.

         O Visconde só via a paisagem geológica.

         – Reparem como estava certa a minha teoria da erosão do Morro Pelado, com a sua barreira que não passa dos restos da encosta norte da montanha desaparecida. A erosão comeu a montanha inteira, só deixando esses pedaços. No lugar onde ela foi, temos agora o baixadão do pasto da Mocha.

         Emília divertia-se em dar cuspidinhas para baixo.

         – Para suicídio – disse ela – isto aqui ainda é melhor que a tal Rocha Tarpéia que Dona Benta contou – aquela rocha feia que existia em Roma, de cima da qual eram jogados ao precipício os traidores. A Tarpéia tinha 32 metros – menos um que esta torre. Quer dizer que minhas cuspidas duram no ar um metro mais que os criminosos romanos jogados da Tarpéia.

         Narizinho trocou uma olhadela com Pedrinho. Emília os desnorteava. A propósito de tudo dizia sempre coisas imprevistas.

         O Visconde explicou a razão da torre.

         – Tudo isto, só para criar um ponto de apoio aqui em cima, que é esta roldana, disse ele apontando para a grossa roldana fixada no décimo andar. Neste ponto de apoio passa o cabo de aço que sustenta as hastes.

         – E por que é a torre assim tão alta? – perguntou o menino.

         – Para facilitar e apressar as manobras. As hastes, que tem cada uma 7 metros, são atarrachadas umas nas outras, formando uma só, que pode ir até 3.000 metros e mais de profundidade. Mas a broca que fica na extremidade inferior tem que ser retirada do poço depois de algumas horas de trabalho.

         – Para quê?

         – Para mudança. Depois dumas horas de trabalho a broca perde o corte. Tem que ser trocada.

         – Que trabalheira, Santo Deus! – exclamou Pedrinho. – Pensei que era só ir furando…

         – A trabalheira é grande, sim, e só nas manobras de descer e subir as hastes os perfuradores consomem várias horas cada dia, e tanto mais quanto mais o poço se aprofunda.

         Depois da explicação os meninos desceram da torre e foram visitar a casa das máquinas e as oficinas. A um canto erguia-se a enorme caldeira, dando ideia dum rinoceronte de ferro. Nela queimava-se a lenha para produzir a vapor que movia todas as máquinas da sonda.

         – Quantos cavalos? – perguntou Pedrinho ao foguista.

         – Cem – respondeu um operário de cara suja de carvão, que outra coisa não fazia senão botar lenha na fornalha e olhar os manômetros que marcam as pressões.

         – Essa história de cavalos eu não entendo bem – disse Narizinho. – Volta e meia ouço dizer: automóvel de 50 cavalos, motor de 20 cavalos – e não vejo cavalo nenhum. Que é isso Visconde?

         – É uma medida de força, como o quilo é uma medida de peso. O cavalo, ou H. P. (iniciais de Horse Power, Cavalo-Força, em inglês) é uma força de 75 quilogrâmetros.

         – Fiquei na mesma. Não sei que é quilogrâmetro.

         – Quilogrâmetro é a força capaz de erguer um peso de 1 quilo à altura de um metro, em um segundo. Só isso.

         – Quer dizer então que esta caldeira de 100 cavalos é capaz de erguer um peso de 7.500 quilos à altura de um metro, em um segundo, não é isso?

         – Perfeitamente.

         – Então bate o Quindim – observou Emília. – Num segundo Quindim não ergue 7.500 quilos a um metro de altura. Não tem jeito. Mas levantar do chão esse peso, isso ele levanta, aposto.

         O Visconde explicou que o vapor produzido naquela caldeira era levado por um encanamento até às máquinas da sonda, sendo com a força desse vapor que tudo lá se movia.

         – E por que assentaram a caldeira aqui, tão longe da sonda,

cinquenta metros?

         – Porque aqui se lida com fogo e num acampamento petrolífero é necessário conservar o fogo bem longe do poço. Perigo de incêndio.

         A água para o abastecimento da caldeira vinha do Caraminguá, onde fora colocada uma bomba tocada por um motorzinho a óleo. Mas não vinha diretamente; primeiro enchia um grande reservatório, ou tanque, cavado na terra, a uns cem metros dali, num alto do terreno. Logo que o tanque se encheu, Emília soltou nele dois peixinhos pescados com peneira no córrego. E um sapinho verde.

         Em seguida o Visconde mostrou a forja do ferreiro, onde os trépanos eram temperados e afiados.

         Na oficina mecânica havia tornos de tornear ferro, máquinas de furar ferro, rebolos de esmeril e mil ferramentas miúdas, torqueses, alicates, limas, fresas, puas, martelos, serras, talhadeiras, bigornas, etc.

         Mister Kalamazoo dirigia o serviço em mangas de camisa e cachimbo na boca; tinha esse ar de homem que entende de tudo e tudo resolve num ápice.

         Todos lhe perguntavam coisas e a todos ele dava ordens muito certas. Era uma perfurador de grande prática adquirida nos campos de petróleo do Oklahoma, onde abrira mais de cem poços. Infelizmente só falava inglês, de modo que apenas Quindim aproveitava as muitas coisas interessantes que ele dizia nos momentos de folga. E acabaram grandes amigos. O americano contava histórias do Oklahoma, que Quindim pagava com histórias de Uganda. Mas apesar dessa amizade o rinoceronte não deixava de mantê-lo em perpétua vigilância.

         – Estes trustes mundiais de petróleo são o diabo – dizia ele. – Fazem coisas do arco-da-velha. De modo que apesar da simpatia que Mister Kalamazoo me inspira, eu o trago sempre de olho – e o Visconde também.

         O Visconde, esse, virou uma verdadeira sarna. Não o larga um só instantinho. O que vale é que Mister Kalamazoo, como é grandalhão demais, nem enxerga o sabuguinho de cartola. Às vezes até tropeça nele…

         Rapidamente tudo ficou pronto para o início dos trabalhos de perfuração. Que homens aqueles! Faziam tudo tão direitinho como os célebres anões dos contos de fadas. Só uma vez Mister Kalamazoo perdeu as estribeiras e berrou desaforos que os meninos não entenderam por serem em inglês. Isso porque a bomba de injetar água no poço, ao ser experimentada, engasgou – e ele atribuiu o defeito à imperícia do mecânico que a havia montado.

         Tiveram de desmontá-la para ver o que era, e com grande espanto descobriram um peixinho entalado na válvula. Um dos peixinhos da Emília…

         – Incrível a curiosidade deste burrico! – disse a boneca. – Escapou do tanque, onde o pus, para vir pelo encanamento espiar os trabalhos da sonda. Agora está aí, morto, mortíssimo – vítima da sua curiosidade científica…

         E tratou de enterrá-lo debaixo duma árvore, num tumulozinho de pedra em que havia a seguinte inscrição: Aqui jaz o primeiro mártir do petróleo brasileiro.

         Em cima do túmulo, em vez de cruz, botou um anzol…

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