O CABRA CABREZ
(esta pecinha foi apresentada com fantoches no aniversário de 5 anos do Bruno; agora, 2009, Ana Eduarda ilustrou)
MOSQUITO (todo machucado, canta acompanhado do violão):
A vida é dura
E fez-se noite escura;
A luz foi presa
No gatilho do forte.
A espada fura,
E leva à sepultura;
Canta a tristeza
O estribilho da morte.
São os donos do medo.
Os donos do enredo.
Os donos do degredo.
Do brinquedo.
Do arremedo (sai).
COELHO (entra): Como vão, meus amiguinhos?
Mas que dia mais bonito!
Sabem por que estou aflito?
Recebo hoje uns vizinhos
Que eu resolvi convidar.
Por isso vou à cidade
E uma grande quantidade
De comida vou comprar.
Pão, azeite, ovos, vinho,
Cenouras, alface, sal.
Vou no Mercado Central
Que lá é tudo fresquinho.
E quando a noite chegar
Vai ser grande a agitação.
Pois ao som do violão
Todo mundo vai dançar.
BOI (entra): Seu Coelho, como está?
COELHO: Olá, seu Boi. Como vai?
BOI: Tudo bem. E a festa, sai?
COELHO: É claro que sairá!
Eu estou indo ao mercado
Fazer alguma comprinha.
BOI: Se vai à compra, caminha,
Se não, lá chega atrasado.
Eu tenho que ir também.
Que o arado está esperando.
Até mais. Eu vou andando (sai).
COELHO: Até logo. Passe bem.
Preciso mesmo ir depressa,
Por que pode não dar tempo.
Se houver um contratempo
Como vou me sair dessa?
CABRITO (entra): Como vai, Coelho amigo?
COELHO: Olá, Cabrito. E a vida?
CABRITO: Fora o preço da comida,
Vai tudo bem, sem perigo.
E a festinha, tudo certo?
COELHO: Tenho compras a fazer.
CABRITO: Então, precisa correr.
Vai no mercado aqui perto?
COELHO: Vou no Mercado Central.
Lá é um pouco mais barato.
CABRITO: Tá tudo caro, de fato.
A coisa vai muito mal.
Ouvi na televisão
A fala de um deputado.
O petróleo é que é culpado
Por essa situação.
Mas eu preciso ir andando:
Tenho muito que fazer.
Se me atraso, que há de ser?
Não vou ficar me arriscando.
COELHO: Até logo, então, Cabrito!
CABRITO: À noite, virei na hora.
COELHO: Vamos dançar noite afora.
CABRITO: Há de ser muito bonito.
Até logo mais, então. (sai)
COELHO: Até logo! Se parar
Mais alguém pra conversar.
Vou me atrasar. Essa não!
Muito tempo é o que eu não tenho.
Se não, não sai festa não.
Nem dança nem violão.
Eu vou num pulo e já venho.
CÃO (entra): Amigo Coelho!
COELHO: Oi!
(Chegou mais um, essa agora.
E ele chegou bem na hora.
Igual ao Cabrito e o Boi.)
CÃO: Por que é que está resmungando
Tanto assim, amigo Coelho?
COELHO: É que estou ficando velho
Vou pensando e vou falando.
CÃO: Tão novo e já caducando?
E como vai nossa festa?
COELHO: Fazer compras é o que resta.
E é o que estou providenciando.
CÃO: Precisa de alguma ajuda?
COELHO: Agora, não. Obrigado.
Já deixei tudo arrumado.
Se não, é um Deus nos acuda!
CÃO: Se quiser, é só falar.
Bem, agora vou andando.
O emprego está me esperando
E não posso me atrasar.
Até logo à noite, então (sai).
COELHO: Até logo. Ainda bem.
Será que vem mais alguém?
Que tamanha agitação!
Parece que todo mundo
Resolveu passar aqui.
Isso é mau. Que abacaxi!
Se bem que eu acho, no fundo,
Que só querem me ajudar.
Tenho boa vizinhança.
Agora, sem mais tardança
Eu preciso me apressar.
GATO (entra): Compadre Coelho, olá!
Por que está tão agitado?
Correndo pra todo lado.
Não está com pressa, está?
COELHO: Quer dizer… não estou não.
GATO: E a nossa festa, vai bem?
COELHO: Estou indo ao armazém.
GATO: Quer saber minha opinião?
COELHO: Opinião sobre o quê?
GATO: Quando se sai pra comprar,
A volta vai demorar
Muito menos, pra você.
COELHO: Acho que isto está errado.
A volta é pior que a ida
Pois com o peso da comida
Eu fico bem mais cansado.
GATO: É o que pensa. Se quiser
Poderá observar
Que o dinheiro que levar
Pesa mais que o que trouxer.
COELHO: Do jeito que as coisas vão,
Tão pela hora da morte,
Com a carestia tão forte,
Você deve ter razão.
GATO: Mas eu preciso ir também.
Até logo.
COELHO: Até! É incrível!
Isto está mesmo impossível;
Não pode vir mais ninguém
Ou a compra não sairá.
Mas eu ia me esquecendo!
Preciso voltar correndo,
A sacola ficou lá (sai).
MOSQUITO (entra e canta a 2a. estrofe):
Tanto deserto,
E o fim voando perto;
Aranhas tecem
A teia abominável.
O fado incerto
Ameaça em céu coberto.
Flores fenecem
Na areia inexorável.
Os donos da engrenagem.
Os donos da arbitragem.
Donos da pilantragem.
Da vadiagem.
Da voragem.
Faz tempo já que cheguei
E não encontrei ninguém.
Será que o Coelho também
Saiu de casa? Não sei.
Preciso achar um amigo.
Sem trabalho e sem dinheiro
Como pode um violeiro
Viver, se não tem abrigo.
COELHO (entra): Mosquitinho violeiro!
O que foi que aconteceu?
Mas quem foi que te bateu?
MOSQUITO: Esquece isso, Companheiro!
COELHO: Mas, amigo, o que é que há?
Por onde você andou?
Quem foi que te machucou?
MOSQUITO: Deixemos isso pra lá!
COELHO: Você está que nem defunto.
Magro, amarelo, ferido!
Por onde andou escondido?
MOSQUITO: É melhor mudar de assunto.
COELHO: Bem, já que não quer falar,
Entre e fique à vontade.
Preciso ir à cidade.
MOSQUITO: O melhor mesmo é calar.
COELHO: Entre, então, durma bastante.
O pessoal vai gostar
Quando, à noite, te encontrar.
Eu volto já, num instante (sai).
MOSQUITO (canta a última estrofe):
A rua é triste.
Na esquina a lança em riste.
Os cães farejam
O filho desgarrado.
O tempo assiste,
O desacato insiste.
Sombras planejam
O exílio insuportado.
Os donos da galera.
Donos da primavera.
Os donos da esfera.
Da espera.
Da quimera.
Agora que eu encontrei
Um amigo verdadeiro,
Vou saber do paradeiro
Dos outros, que aqui deixei (sai)
(Escurece – tambores e/ou marcha militar)
COELHO (entra): Até que enfim, consegui.
Está tudo resolvido.
Voltei bastante sortido.
E de nada eu me esqueci.
Onde estará o Mosquito?
Será que se foi deitar?
Bem, agora vou entrar.
Mas que barulho esquisito!
CABRA CABREZ (voz): Eu sou o Cabra Cabrez.
Vá se embora, seu Coelho.
E saia daqui, fedelho,
Que de um, eu faço três!
COELHO: O que está acontecendo?
Mas que falta de respeito!
E onde fica o meu direito?
Eu não estou entendendo.
CABREZ: E não é pra entender.
Aqui eu sou dono agora.
O melhor é cair fora.
COELHO: Isto, assim, não pode ser!
Existe direito e lei.
Existe o certo e o legal.
E isto é fundamental.
O que fazer bem que eu sei.
CABREZ: Ha, ha, ha. Certo e legal.
Ha, ha, ha, direito e lei.
Pois agora eu sou o Rei.
Dono do bem e do mal.
E saiba que eu, o Cabrez,
Vou mandar com mão de aço.
Mas tudo isto que faço
É para o bem de vocês.
É preciso deixar claro:
O inimigo nos espreita,
E há muitos sob suspeita!
Só eu serei o amparo.
(Canção)
Eu sou, eu sou o Cabra Cabrez.
Agora sou eu que resolvo por vocês.
Sou general de muita honradez.
Levarei o país a grande solidez.
O que eu exijo
É uma ninharia.
Governo rijo
E uma pequena mordomia.
O que eu exijo
É uma ninharia.
Governo rijo
E 10 milhões de mordomia.
… E mais um pouco a cada dia,
E mais 10 mil pra minha tia…
COELHO: E agora, amigo Coelho?
Tudo estava muito bem.
Não precisava ninguém
Pra vir meter o bedelho.
A quem eu vou reclamar?
Se eu não conseguir ajuda,
Se a situação não muda,
A festa não posso dar.
Eu já sei o que fazer.
Eu saio num instantinho,
Trago pra cá o Boizinho
E o Cabra Cabrez vai ver.
Ô Boizinho, amigo Boi!
Apareça, por favor!
Tenho cá um impostor!
BOI (entra): Coelho amigo, o que foi?
COELHO: Estou danado da vida!
Eu chegava do mercado,
Levei um susto danado.
A casa foi invadida.
BOI: Quem foi que isto te fez?
É preciso dar um jeito.
Temos a lei e o direito.
COELHO: Pois foi o Cabra Cabrez.
BOI: Deixa, então, tudo comigo.
Vou dar um berro bem alto,
Tomo a casa num assalto
E acabo com o perigo.
(Sai. Muge forte. Volta correndo)
Socorro, meu Deus! Socorro!
Acuda, Coelho amigo!
Vou fugir pro meu abrigo
Pois se eu fico aqui eu morro.
CABRA CABREZ: Eu sou o Cabra Cabrez
Saia daqui, Boi medroso!
Ou eu serei bem maldoso
E de você, faço três!
BOI: Mas, senhor Cabra Cabrez!
Temos a Constituição!
Ela proibe invasão!
CABRA CABREZ: É pra proteger vocês!
Eu vou salvar o país
Que está à beira do abismo.
Acabo com todo o ismo!
Corto o mal pela raiz.
O que eu exijo
É uma ninharia…
COELHO: Já estou ficando aflito,
Não sei mais o que fazer.
BOI: Ouça o que vou te dizer:
Vamos chamar o Cabrito!
COELHO: Pois vamos chamá-lo, então!
Cabrito! Cabrito amigo!
Corremos grande perigo!
Venha nos dar u’a mão!
CABRITO (entra): Por que é que estão me chamando?
O que foi que aconteceu?
COELHO: Uma desgraça ocorreu!
CABRITO: Então vão logo contando!
BOI: O Coelho vinha correndo,
Trazendo as compras da rua…
Fala, Coelho. Continua!
COELHO: E levei um susto horrendo!
Minha casa foi tomada.
O Cabra Cabrez chegou,
De tudo se apoderou,
E eu fiquei sem morada!
CABRITO: Pois vou entrar sem cautelas!
Vou dar nele uma marrada!
Vou dar nele uma chifrada
Bem no meio das costelas!
(Sai. Volta gritando.)
Socorro! Socorro! Bé!
Todo mundo sai da frente!
Eu vou fugir, minha gente,
Porque vai haver banzé!
CABRA CABREZ: Eu sou o Cabra Cabrez!
Cabrito besta, desista,
Pois, caso você insista,
De você, eu faço três!
CABRITO: Eu que sou advogado
Quero uma coisa saber.
Poderia me dizer
Em que princípio é baseado?
CABRA CABREZ: No princípio do poder!
No princípio do tomar!
No princípio do tirar!
No princípio do prender!
Nós estamos em perigo!
O exotismo nos ameaça!
E antes que mal ele faça
Vocês se unirão comigo!
Uma força formaremos,
Formaremos uma frente.
É com a união permanente
Que o inimigo venceremos.
O que eu exijo
É uma ninharia…
COELHO: Não sei o que faço, não!
Estou ficando com medo.
É duro que nem rochedo.
BOI: Chamemos o amigo Cão!
COELHO: Você tem toda razão!
É uma ideia muito boa.
Pra ele isso é coisa a toa.
Ele acaba com o ladrão.
Cachorro! Amigo Cachorro!
Não sei se ele nos escuta!
Ele está naquela gruta
Bem atrás daquele morro.
CÃO (entra): Por que estão me chamando,
Fazendo todo esse alarde?
A festa não é mais tarde?
De quê estão precisando?
COELHO: Minha casa foi tomada.
O Cabra Cabrez entrou,
De tudo ele se apossou
E eu fiquei aqui sem nada.
CÃO: Caramba, que barafunda!
Mas isto não é problema.
Avançar sempre é meu lema.
Vou mordê-lo bem na bunda!
(Sai latindo. Volta correndo.)
Puxa vida, ele é bem forte!
Até eu fiquei com medo.
E vou dizer um segredo:
Estive perto da morte.
CABRA CABREZ: Eu sou o Cabra Cabrez!
Saia daqui, Cão danado,
E se bancar o engraçado
De você, eu faço três!
CÃO: Mas, Senhor Cabra Cabrez!
Precisamos conversar!
Poderia explicar
Tudo isto que aqui fez?
CABRA CABREZ: Já expliquei e repito:
A lei agora mudou.
Defender vocês eu vou.
Sou o Rei e tenho dito.
CÃO: Por que não nos consultou?
Não é bem este o processo.
Afinal, nosso Congresso
Alguma coisa opinou?
CABRA CABREZ: O Congresso aqui sou eu.
Eu sou o certo e o legal.
Eu vou livrá-los do mal
Que entre nós apareceu.
O que eu exijo
É uma ninharia…
CABRITO: Acho bom chamar mais gente.
BOI: Quem pode nos ajudar?
CÃO: Que tal o Gato chamar?
Ele mora ali em frente.
COELHO: Vou chamar o Gato, então.
Gato, onde você está?
Gato amigo, venha cá
Será que não ouviu, não?
GATO (entra): O que está acontecendo?
Por que estão gritando assim?
Alguém precisa de mim?
Que barulho estão fazendo!
COELHO: Precisamos de um favor!
Minha casa foi tomada,
Com a força e a espada
Pelo grande enganador.
GATO: O que me dizem vocês?
E quem ousou tal ação
Sem prévia legislação?
BOI: Pois foi o Cabra Cabrez.
GATO: Mas deixem tudo comigo.
Vou entrar pela janela,
Vou mordê-lo na canela
E arranhá-lo no umbigo.
(Sai. Volta correndo.)
Socorro! Miau miau!
Acuda aqui, companheiro?
Pois, se não sou bem ligeiro
Me fazem virar mingau.
CABRA CABREZ: Eu sou o Cabra Cabrez.
Gato cheio de imprudência.
Se aqui voltar, sem clemência,
De você, eu faço três.
GATO: Sei bem que isto é verdade.
Mas podia me explicar
Sua forma de legislar?
Se não, entender, quem há-de?
CABRA CABREZ (entra):
(recitativo)
Pela última vez
O Cabra Cabrez
Falará a vocês.
Portanto, tomem nota no caderno.
Que eu apresento, em estilo bem moderno,
A receita do bolo que eu governo.
(Canção)
Uma panela,
De preferência gigante,
pra aumentar o poder.
E dentro dela
Um povo ignorante,
Pra ajudar, podes crer.
Uma fornalha,
Água, vinagre, pimenta,
Pra cozinhar sem ferver.
Muita metralha,
Porque se a coisa esquenta
Preciso a ordem manter.
Dez colheradas
De ajuda americana
Pra garantir e suster.
Umas pitadas
De liberal à paisana
Pra popular parecer.
Raspe com espadas
O impecilho suspeito
Pra ensinar o temer.
Cem toneladas
De ordem, lei e respeito
E a ilusão de crescer.
Dar colorido,
Cobrir com filmes e fotos,
Pra o azedo esconder.
É proibido
Nesta receita entrar votos;
Bolo solado vai ter.
Samba, cuíca,
dendê, cachaça, alegria,
demagogia a valer.
Mais melhor fica
Se cozinhar n’água fria
E está prontim pra comer.
(Esse bolo é meu
(Não deixo ninguém mexer
(Esse bolo é meu
(E está prontim pra comer…
Eu falei e está falado
E não quero mais falar.
Se alguém me descontentar
Eu posso ficar zangado.
E aviso que, sem tardança,
Uma lei eu vou criar
Para a paz não se abalar:
Uma Lei de Segurança.
Todo bicho, planta ou gente,
Que contra a ordem ousar,
Ou que contra mim falar,
Passará a dissidente.
E vou mandar construir
Uma jaula toda escura:
A casa da torcedura.
Ali vão se redimir
Os afoitos, os teimosos,
Artistas e escritores,
Estudantes, professores,
Os fortes e os corajosos.
Vou trazer da Inglaterra
Um navio e um canhão.
E da Alemanha um cão
Que Hitler usou na guerra.
Já disse e torno a dizer:
Sofro sendo seu amigo.
Vou salvá-los do perigo!
Para a direita, volver! (sai, falando alto: um, dois, um, dois.)
BOI: Ele fala em ajuda…
CABRITO: Ele fala que é amigo…
CÃO: Ele fala em perigo…
COELHO: Que com ele a coisa muda…
MOSQUITO (entra): E vocês vão nessa onda?
Ele é a Coisa, o Perigo!
Ele é o único Inimigo
Que nos ameaça e ronda.
COELHO: E o que podemos fazer?
MOSQUITO: Juntar as forças que temos.
Todos juntos venceremos.
Vamos lá e ele vai ver!
BOI: Sinto muito, não vai dar,
Estou um pouco atrasado.
CABRITO: E eu vim mesmo apressado.
Agora vou trabalhar.
CÃO: Também vou voltar correndo
Ou o emprego vou perder.
GATO: Tenho coisas por fazer.
Quase ia me esquecendo.
MOSQUITO: Muito bem, se é assim,
Eu vou lá lutar sozinho.
COELHO: Você? Desse tamaninho?
A luta vai ser seu fim.
BOI: Você? Assim machucado?
CABRITO: Você? Assim tão ferido?
CÃO: Você? Assim contundido?
GATO: Assim tão arremendado?
MOSQUITO: Vou lá, sim! E por que não?
Se vocês estão com medo…
Não querem mexer um dedo!
Eu tenho a minha canção!
BOI: Vai lutar só com o seu canto?
Ele vai te arrebentar!
MOSQUITO: Não é de se admirar!
Não é motivo de espanto!
Vou brigar, mas apresento
Uma única condição:
Vocês aqui ficarão
Pra ver o acontecimento.
(recitativo)
Ele vai me dizer
Que eu sou uma coisinha à toa.
Mas sei mostrar
Com quantos paus se faz uma canoa.
(canção)
Você é Polifemo
O grande poltrão das fanfarrices.
Mas eu serei o manhoso e astuto Ulisses.
Você se diz Rei
E não admite nenhum ultrage.
Mas eu serei o debochado Bocage.
Você é um Golias
Querendo tomar tudo pra si.
Mas eu serei o pequenino Davi.
Você é muito forte
E contra você ninguém se atreve.
Mas eu serei como uma bolinha de neve.
Você é um Gigante
E contra você ninguém se mete.
Mas eu serei o alfaiate Mata-Sete.
Você é um grandalhão
Dos que fazem da gente picolé.
Mas eu serei um espinho no seu pé.
(Ruidos. Zumbido do Mosquito. Berros do Cabra Cabrez)
BOI: O Mosquito está vencendo!
CABRA CABREZ: Socorro, eu estou perdido!
Que é isso no meu ouvido?
GATO: Mas o que está acontecendo?
COELHO: Chegaram alguns soldados!
O Mosquitinho está frito!
Vamos até lá, Cabrito!
CABRITO: Nós dois? Assim desarmados?
COELHO: Agora é a nossa vez!
Todos juntos, com bravura!
Acabar com a ditadura!
Vencer o Cabra Cabrez!
(Saem. Passa o Cabrez perseguido por um deles. Por outro. Por dois. De um lado para o outro, etc.)
(Música. Serpentinas. Confetes.)
COELHO: Viva! Viva, bicharada!
Somos livres, afinal.
E num ato sem igual
A casa foi libertada!
BOI: E o Mosquitinho cantor
Deu-nos mesmo uma lição:
Foi preciso a união
Pra vencer o estupor!
GATO: Viva, Viva o Mosquitinho!
MOSQUITO: Amigos, não esqueçamos
Que todos juntos lutamos.
Ninguém faz nada sozinho.
E pra essa ocasião,
Pra poder comemorar,
Nós vamos, todos, cantar
Minha última canção.
(canção)
Não é um, não é dois, não é três,
Todos juntos pra poder fechar a questão.
Não sou eu, não é ele, não são vocês,
Todos juntos pra poder prender o ladrão.
(Eu sozinho, não valho um centavo,
(Se a gente se junta, não há mais escravo.
(Eu sozinho, não valho um vintém,
(Se a gente se junta, não vem que não tem.
(Eu sozinho tenho muito medo,
(Se a gente se junta, a coisa é brinquedo.
(Eu sozinho não faço o impossível,
(Se a gente se junta, se torna invencível.
(Um sozinho no mundo não presta,
(Se a gente se junta, é que sai a festa.
(Pano)
MOSQUITO (canta o final da canção anterior):
Você é o Cabra Cabrez
E pensa que o seu poder é infinito.
Mas eu estou aqui. Eu sou o Mosquito.
Curitiba, 11 de outubro de 1977.