O dia sem nome, 17.
Valparaiso, dia 14 de abril, 13 horas, hora de verão.
por favor, que caminho tomo pra chegar ao centro da cidade? – abaixando o resto do vidro do carro.
é só seguir esta rua. – curvando-se, pra ver quem perguntava.
vai pro centro? – levando a mão à maçaneta interna.
vou! – sorrindo.
quer carona? – abrindo a porta.
O jovem não respondeu. Olhou envergonhado, envergonhado não recusou, entrou, sentou, o outro verificou o trinco, se estava fechado, fazendo pressão do braço sobre as coxas do rapaz.
vai pra aula? – mudando a marcha e colocando a mão sobre os genitais do jovem.
O jovem não respondeu. Tentou tirar a mão que o apalpava mas teve vergonha.
quantos anos você tem? posso continuar? – abrindo ou tentando abrir o fecho da calça.
dezenove. – segurando a braguilha.
não quer que eu abra? – acariciando a parte interna das coxas do outro.
é melhor não! – colocando as duas mãos sobre o baixo ventre.
O outro não retirou a mão, entretanto.
vai pra aula?
vou.
não quer dar uma saída comigo? – continuando a acariciar o membro, que começava a inchar.
não! tenho prova agora e estou atrasado.
num outro dia, pode ser? – tentando novamente abrir a braguilha.
é melhor deixar isto fechado.
mora ali onde te peguei? – apertando a mão, pra sentir todo o tamanho.
mais ou menos.
pode dizer seu nome? – forçando aumentar a ereção.
prefiro não dizer.
que horas é sua prova? – esfregando e beliscando de leve.
às seis.
tem muito tempo. podemos, pelo menos, tomar um café. posso te levar perto da rodoviária? – conseguindo, finalmente, abrir a braguilha e abraçar com a mão a carne rija e trêmula.
tenho medo de alguém ver. – cobrindo-se com apostilas. podemos ir pro lado do mercado, não conheço ninguém por ali.
você teria vergonha?
sabe como é, né? podem começar a falar de mim.
nunca fez isto antes?
pra ser sincero, só uma vez.
e os seus amigos?
alguns, a gente sabe que sim, mas ninguém conta nada. todo mundo sabe que é meio perigoso. você mentiu quando disse que não sabia ir pro centro, não?
menti, eu conheço o caminho. foi o jeito de te colocar dentro do carro. você me visitaria numa tarde dessas? – iniciando lentos movimentos masturbatórios.
depende! – segurando a mão do outro e retendo seu movimento.
depende do quê? – passando a fazer carícias.
da nota que você soltar – sorrindo.
da outra vez foi por dinheiro? – reiniciando o arregaçar.
não.
como foi? – aplicando conhecidas técnicas de aumentar o prazer.
um vizinho meu, soube que eu estava sozinho e foi buscar gelo pra uma bebida e tanto fez tanto fez que eu tive que…
que o quê? – sorrindo.
ah, a gente acabou fazendo tudo.
que dia que eu posso te encontrar, então? – apertando o membro pra baixo, pra esfregar os pelos.
eu não sou muito dessas coisas.
aqui está bom? – guardando o pássaro enfurecido.
pode ser! – fechando a calça, ajeitando-se. vamos ter que esperar, não vou sair assim! – sorrindo.
quer o café aqui dentro? – passando a mão com força, do joelho até a barriga.
acho melhor. disfarça mais. – sorrindo.
O outro apertou a buzina.
quantos anos você tem? – levantando-se de leve para acomodar a carne dura, que atrapalhava.
mais do que você pensa.
uns vinte e oito? trinta?
trinta e sete. dois cafés com creme. quer comer alguma coisa? – virando-se pro lado, piscando o olho, sorrindo cheio de ternura.
só café. – estremecendo de leve.
só isso, por favor – levantando o vidro.
não parece que tem tudo isto. desde quando você faz isto?
ih, há tanto tempo! quando comecei, tinha menos idade do que você.
gosta?
se não gostasse, não ia fazer.
você faz tudo?
como assim?
quer dizer, se a gente saísse, você ia fazer uma porção de coisas e se no final eu quisesse o resto, você ia fazer?
era exatamente isto que eu ia querer! – sorrindo.
posso te fazer uma pergunta?
vamos lá! – ajeitando-se.
é agradável?
O outro sorriu.
sabe, é difícil responder. no começo, não é lá muito agradável, mas também não dá pra dizer que é desagradável. a gente lê muita coisa e vai buscando respostas pra explicar o que sente… no começo, minha vontade não era exatamente fazer isto. eu sonhava com abraços e beijos, era o limite do meu desejo. depois, aos pouquinhos, a gente descobre que, se ceder, o outro poderá se sentir mais feliz. gente como eu não costuma ser egoísta. pode ser também uma necessidade de ficar com o papel mais difícil pra compensar um complexo de culpa, algo como uma auto-punição. não sei se você entende? – abrindo o vidro, ajeitando a bandeja, entregando o café do outro.
não sei se você vai ficar chateado, mas acho que se eu descobrisse isso em mim, eu me matava.
Sorriso. a gente só se mata se é infeliz. – engolindo o primeiro gole.
e você não é infeliz? – ainda mexendo o café.
por que havia de ser? felicidade é algo que caminha paralelo à vida, não é um ponto no fim do caminho. – sorrindo com a idéia.
nunca sentiu fossa por causa disso? – bebendo, finalmente.
claro. no começo era terrível. descobrir que você é diferente dos outros… mas depois eu percebi que isso não era motivo, é difícil de explicar a felicidade.
é verdade que vocês se apaixonam? – meio zombeteiro.
desesperadamente. e, sabe duma coisa?, acho que é muito mais profundo do que entre um homem e uma mulher. – não falando das noites geladas em que, no carro, percorrendo quilômetros de madrugada, farejava vultos obscuros, aproximava-se, oferecia carona e tentava introduzir no veículo, muitas vezes em vão, a figura surgida das brumas, para a busca de uma noite de prazer.
não vejo motivo pra isto. – olhando o relógio.
ainda temos tempo, não? vou tentar explicar o quê que eu penso a respeito. o que é o amor? pode me dizer?
algo que se sente por alguém, gostar de alguém, dizem que o amor é indefinível, sei lá. – sendo vulgar.
indefinível pra quem não encontra definição. vamos por parte. a gente é um ser vivo. os seres complexos como nós só se multiplicam através do sexo. o animal sente desejo de copular exatamente como sente desejo de beber água, comer ou dormir. no homem, porém, que tem sensações muito mais complexas do que os animais, saudade mais profunda, desespero mais forte, alegria mais desenfreada, no homem, o sexo surge como que transfigurado. É a isso que chamam de amor, desejar alguém, envolvido por uma atmosfera de confusos sentimentos. se você reparar bem, há homens que não amam, apenas desejam. são simplórios, quase animalescos. os mais sensíveis são os que amam mais. por isso os artistas estão sempre apaixonados. – não falando da obsessão cruel que o impelia, no final da procura, a aceitar criaturas esquivas, medonhas e bestiais, que, como bodes violentos, saciavam-se com rapidez, desinteressados na necessidade alheia de um carinho afetuoso.
bom, até aí, tudo bem. e o que tem isso a ver com o amor, por exemplo, de um homem por outro homem.
bem, vou tentar resumir. ninguém consegue explicar os motivos que levam uma pessoa a desejar outra do mesmo sexo. muito se fala e nada se conclui. a mãe, o pai, a família, o meio social, uma condenação genética… na minha opinião, acho que o único indício seguro é o de que isto só acontece com pessoas mais sensíveis. alguém que seja vítima de acontecimentos traumatizantes, se chega a sofrer desvio no objeto de seu desejo sexual, é porque é portador de uma sensibilidade maior. então, na hora do amor, na hora de sentir o desejo, o seu amor terá que ser mais forte, porque mais complexo e mais profundo. dá pra entender?
mais ou menos. mas isto pode ser um sofisma.
tem mais um detalhe. repare que não estou justificando nem enaltecendo o homossexualismo, estou analisando a paixão homossexual. o que é o homem, se não um lutador? ele não se curva facilmente, pelo menos alguns não se curvam facilmente. e está mais ou menos aceita a idéia de que quanto mais sofre o homem, mais ele se rebela. a literatura está cheia de exemplos. são os grandes obstáculos que tornam grande o amor. se Romeu não tivesse nascido de família inimiga, não sentiria tanto desespero por amar Julieta nem tanta felicidade ao conseguir ficar com ela. foi o absurdo que era amar Isolda que fez com que Tristão a amasse como amou e vice versa. no caso de um amor como o meu, é o terror que a sociedade cria para essa idéia que faz crescer o sentimento. somos árvores regadas com o próprio sangue e por isso mesmo muito mais poderosas. você queria que uma criatura como eu fosse infeliz? – não falando da dor distante, nostálgica, do estranho sentimento de ausência, de amputação, de vácuo, que o acometia quando descobria distraído a foto de um homem amando uma mulher.
você parece dessas pessoas que lêem muito.
de fato. acha que podemos ir andando? – apertando a buzina.
se eu te pedisse dinheiro, você me daria? – olhando o relógio.
sim.
de que maneira explica isto? se você paga pra ter sexo, não está sendo insensível como as pessoas ditas normais?
se eu for com você, não será de fato por amor. será por puro prazer. por puro sexo. quanto ao dinheiro, acho que não faz diferença. será uma maneira de ter um parceiro mais atencioso. não gosto do dinheiro, não preciso muito dele. o que espero da vida, ele não compra.
eu não tenho muita prática nessas coisas.
O outro abaixou o vidro, pagou, se despediu. melhor ainda. nada melhor do que proporcionar a alguém a descoberta de onde está escondido o seu prazer. vai muito com mulher?
muito pouco. sou meio tímido.
vou te levar.
vou ficar numa quadra antes. sabe como é…
vamos marcar um lugar e uma hora pro encontro. – dando um tapinha suave sobre o genital do jovem; ligando o carro; saindo de ré; feliz. – não falando que, no fundo, no fundo, não acreditava pudesse haver uma completa e total felicidade, mas que, apesar dos obstáculos, o homem poderia ser um pouco feliz e a felicidade dele seria, de fato, uma felicidade suficiente.
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