canção 19. pequeno peã ao panteão dos heróis

A ditadura da burrice 09: PEQUENO PEÃ AO PANTEÃO DOS HERÓIS

(marcha fúnebre)

(Para Kennedy)

Um féretro brilhante.
Flores e coroas.
Na catedral gigante,
Missas, prantos, loas.

Teus mortos não te seguem,
Só o abutre odiado,
De bico encharcado.

E nas florestas destruídas do Vietnã,
Silêncio.

(Para Salazar)

Nobres e reis distantes
Vão aos funerais.
Viúvas arquejantes
Desfilam seus ais.

Teus mortos não te seguem,
Só o abutre de aço
De bico devasso.

E sobre o chão pisoteado de Portugal,
Silêncio.

(Para Franco)

Sobre o corpo assassino
Choram mil donzelas.
Ao cortejo divino
Abrem-se janelas.

Teus mortos não te seguem,
Só o abutre velho
De bico vermelho.

E sobre as covas perdidas da Espanha,
Silêncio.

(Para Bush)

Eis a campa erigida!
Te aguarda, tirano.
Pra engolir tua vida,
Teu fel e teu dano.

E seguirá teu corpo
O abutre obediente
De bico insolente.

E nos céus envilecidos do mundo,
Silêncio.

 

(canta jorge teles)

Curitiba, 29.11.1977 (o último homenageado foi incluido mais tarde, claro; é ele um produto típico da democrática e honestíssima eleição americana).

 

canções infantis em esperanto 03.gatinha parda

MIA GRIZA KATINETO (a gatinha parda)

Mia griza katineto,

Januare fuĝis ĝi.

Kie estas la katino,

Kiu diros, kiu diros nun al mi?

Kie estas la katino,

Kiu diros, kiu diros nun al mi?

 

Mi ne vidis la katinon,

Sed miaŭon aŭdis mi.

Kiu ŝtelis la katinon,

Estis mava, estis mava sorĉistin’.

Kiu ŝtelis la katinon,

Estis mava, estis mava sorĉistin’.

 (canta Ana Eduarda)

Trilogia das Barcas, Purgatório (1518)

companheiro do diabo


17. Auto da Barca do Purgatório (1518)

Resumo

Três Anjos cantam um hino em louvor da barca do Paraíso. Um anjo e um Diabo anunciam as suas viagens. Todavia a barca do Diabo não pode se mover. Explica o Anjo: “E o batel dos danados, porque nasceu hoje Cristo, está com os remos quebrados, em seco. Oh descuidados, cuidai nisto”. A barca do inferno não pode, pois, se mover na noite de natal. Aos poucos vão se chegando os que morreram, na ordem: um lavrador, uma regateira (vendedora de feira), um pastor, uma pastora, um menino e um taful (jogador profissional, geralmente de cartas). Os mortos desta feita são trabalhadores que cometeram apenas pecadilhos. A vendedora de rua menciona o Brasil. Impedidos que são de entrar na barca da Glória, devem permanecer na praia purgatória até merecerem o Paraíso. O menino embarca com os Anjos e o Diabo leva apenas o Taful, não porque tivesse roubado nos jogos, mas porque renegara em vida os mistérios divinos. Este tenta se defender: “Deus não quis hoje nascer pra remir os pecadores?” Anjo: “E pois, que queres dizer? Que só com o seu padecer se salvam os renegadores?”

GV039. Três Anjos

Remando vão remadores
Barca de grande alegria;
O patrão que a guiava,
Filho de Deos se dizia.
Anjos erão os remeiros,
Que remavão á porfia;
Estandarte d’esperança,
Oh quão bem que parecia!
O mastro da fortaleza
Como cristal reluzia;
A vela com fé cozida
Todo o mundo esclarecia:
A ribeira mui serena,
Que nenhum vento bolia.

(cantam Geovani Dallagrana, Gerson Marchiori, Graciano Santos e Rubem Ferreira Jr.)

 

Comentário:

Ainda  que recheada por diálogos engraçados, novamente, é claro!, entre o Diabo e as almas, esta cena do purgatório é menos genial que a anterior, a do inferno. Aspecto digno de se mencionar é a linguagem dos mortos, carregada de expressões populares. Provavelmente esse falar deve incluir palavras e jargões que permitam identificar algumas regiões portuguesas da época, sutileza que escapa aos ouvidos de hoje.
A vendedora de rua fala no Brasil, numa expressão instigante: “ora, assim me salve Deus e me livre do Brasil”. Sabe-se que nas Ordenações Afonsinas, código de leis promulgadas em Portugal a partir de 1446, já se contava com a punição pelo degredo em terras de África, e, mais tarde incluiu-se terras do Brasil. Punia-se com degredo delitos como matar um animal de outra pessoa ou trapacear nos jogos. Quando D. Manuel enviou uma carta ao rei espanhol, narrando a viagem de Cabral, explicou: “o capitão deixou ali dois degredados à mercê de Deus.” Alguma coisa como: Deus me livre do Brasil!, naquela época, deveria ser uma fórmula comum para se esconjurar a pena desagradável.
Já dona Carolina Michaelis (1851-1925), a maior comentadora da obra de Gil Vicente, tinha feito a observação sobre a canção inicial dos Anjos. Relaciona-a com cantares populares de Portugal, um deles tendo vindo para o Brasil, até hoje uma canção infantil muito cantada: Vamos maninha, vamos, à praia passear, vamos ver a barca bela que do céu caiu no mar. Nossa Senhora vai dentro, os anjinhos a remar, Santo Antonio é o piloto, Nosso Senhor, general. Remem, remem, remadores, que estas águas são de flores.