desenho de Ricardo Garanhani
Nota: Relação deste conto de minha avó com a tradicional Cinderela, a Gata Borralheira, só a madrasta com duas filhas e o casamento com o príncipe. Provavelmente, no interior de Minas, entre um contador e outro, na maioria analfabetos, a história foi perdendo alguns detalhes e ganhando outros, mais ligados à cultura e aos costumes do povo; isto de lavar o bucho do boi, por exemplo. As três versões mais famosas de Cinderela, para nós, são a de Charles Perrault (1628/1703), a recolhida pelos irmãos Grimm (1785/1863 e 1786/1859) e a de Walt Disney (1901/1966). Disney se baseou na versão de Perrault, talvez porque a dos irmãos Grimm seja muito selvagem: para que as irmãs calçassem o sapatinho, uma corta o dedão fora e a outra o calcanhar. E ambas são punidas com a cegueira.
A versão mais antiga está em Estrabão, geógrafo grego (c.58aC/c.25dC). Segundo ele, contava-se no Egito que a pirâmide de Mikerinos teria sido erigida para uma concumbina do faraó Psamético: um dia a jovem Rodopisa tomava banho e uma águia roubou-lhe uma sandália. Voou para longe e soltou a sandália, que caiu junto do faraó. Encantado com a delicadeza e o tamanho do calçado e pelo maravilhoso do fato, ordenou que mensageiros procurassem pela dona da sandália. Encontrada em Naucratis, foi levada até ele e eles se casaram (Geografia, XVII, I, 4).
No entanto, Heródoto (480-425aC), em sua História (livro II, 134, 135) narra outras peripécias sobre essa Rhodopisa, apesar de confirmar a tradição oral de que a pirâmide teria sido para ela.
Era uma vez uma linda menina chamada Maria Borralheira. Tinha uma madrasta muito malvada. Enquanto a madrasta folgava com suas duas filhas, Maria Borralheira precisava fazer todo o serviço da casa.
Um dia mataram um boi e Maria Borralheira foi lavar o bucho no rio. Era um serviço que ninguém queria porque o bucho sempre estava cheio de bosta. Quando ela foi virar o bucho do boi, o bucho escapuliu e foi embora nadando. Com medo da madrasta, Maria Borralheira foi seguindo o bucho pela margem do rio e tanto andou e tanto andou que foi parar num lugar desconhecido. O bucho agarrou nuns galhos e ficou parado. Maria Borralheira pegou um pedaço de pau e trouxe o bucho pra terra.
Perto dali tinha uma casinha velha. Como ela estava cansada, resolveu entrar. Estava uma bagunça medonha. Comeu um pedaço de pão e descansou. Depois, como querendo agradecer pelo pão, varreu o chão e lavou a louça e lavou a roupa e estendeu no varal e limpou os móveis e limpou o fogão e quando ia saindo escutou um barulho. Se escondeu atrás da porta.
Entraram três velhinhas que eram três fadas. Olharam e se admiraram.
Falaram as três juntas:
– Mana, mana, quem tanto bem nos fez?
Falou a primeira:
– Quem tanto bem nos fez merece uma estrela de ouro na testa!
E nasceu uma estrela de ouro na testa de Maria Borralheira.