alma desdobrada, cap. 15,16,17,18, 19, 20, 21 e 22

Alma desdobrada, capítulos 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21 e 22.

 

 015.

          estou tenso porque chegou o momento de nascer meu filho. me lembro do momento em que ele foi feito e começo a divagar:

         eu e A… deitados, cama limpa, corpos com cheiro de sabonete, intenções puras, nenhuma tensão. o casal correto, não estou querendo ser irônico. ela parou, há dias, de tomar pílula, ludibriamos com orgasmos sem penetração, para dar um tempo ao organismo dela para descansar da influência dos hormônios artificiais. e então chega um dia em que, de acordo com resoluções de comuníssimo acordo, tudo está liberado. carinhos crescem, os corpos sabem bem o que fazer, os corpos decidem por si porque os corpos não têm amarras nem âncoras e, se é que existe alma, os corpos são a concretização do que há de mais profundamente humano na alma.

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alma desdobrada, cap. 0,1, 2, 3, 4, 5 e 6.

Alma desdobrada, capítulos 0, 1, 2, 3, 4, 5 e 6.

 

ALMA DESDOBRADA

(história de uma terapia)

 

Nota: Este livro foi escrito em 1982. Eu tinha, então, 40 anos. Durante estes últimos trinta e dois anos eu sempre o reli nos dias de meu aniversário. E sempre cortava e cortava textos, por um ou outro motivo. Achava, então, que ao final, nada sobraria. Muitas vezes eu pretendi destruir o material remanescente, mas nunca tive coragem. Agora, 2014, no meio de algum tumulto interior e alguma inesperada felicidade, eu decido que ele é publicável por tão somente um motivo: há de ajudar a alguém que, como eu, sofreu ou sofre injustamente de uma culpa imposta, por força de sua sexualidade.

 

000.

 

quando eu era menino

e pensava no que vinha a ser alma,

imaginava que alma era alma penada:

alma feita de pena

e dor

por viver solta num espaço sem dono,

sem corpo,

à procura de sangue e intestinos

e nariz

e olhos de onde brotem choros.

 

alma não era além

de um branco lençol flutuante,

com dois terrores enormes e negros e sem

no lugar de olhos que não olhavam.

 

alma era aquele véu à espera

de um coração sem existir.

 

alma era o vôo

do branco

no nada.

 

depois cresci e deduzi que alma

era o mais profundo dentro do mais eu

e era e é aquilo que me existe

e que me torna

e que me faz intransferível

e que não me permite ser cancelado

nem de deixa adiável

e é o meu agora feito de depois.

muitos e muitos depois.

 

alma era e é tudo que está

dentro do lençol de pele;

o que quer fugir para qualquer futuro,

qualquer futuro que só meu;

e que quer entrar em todas as voragens

de luz

do que sou, do que sonho ser, do que temo ser,

do que tudo meu,

e até do contacto que for todo o resto.

 

e agora,

hoje,

onde,

menino de novo,

a chorar e a tremer,

menino de novo,

resolvo adotar minha velha alma;

alma penada,

um lençol de pele solto no espaço

do mundo.

eu não sou um conteúdo,

uma substância

envolta ou presa ou protegida num corpo.

 

sou meu limite,

sou minha superfície,

sou meu lençol de pele.

sou aquilo que toca o mundo

e é tocado pelo mundo;

sou o até onde posso ir.

o que está dentro de mim

não passa de um conjunto organizado

para manter intacto e perfeito e bonito

o meu de fora.

 

quando eu era menino

e pensava em alma,

tinha medo.

 

alma era coisa de ir deste mundo

para outros mundos insanos e não provados.

 

agora, menino de novo,

alma não me faz medo.

 

alma não passa de um lençol branco

cheio de dobras.

alma sou,

não tenho medo de mim.

  

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